Capítulo 20. B
Maria Eduarda
Correr atrás
Segunda-feira pela manhã eu precisava decidir: patinar ou correr? Resolvi correr, fazia tempo que não corria por causa do festival e combinara patinar a noite com a Sabrina. Ela parecia ter tomado gosto.
A Joy sumiu depois que começou a ficar com o Jacaré. Escutei falar que sua mãe veio no sábado para visitá-la e foi uma baita confusão por dois motivos: o cabelo, que agora era natural e com grandes cachos e segundo ela apresentou o Jacaré como seu namorado. Disseram-me que foi um auê daqueles. Tudo isto foram informações que um falou dali e outro daqui. Eu me encontrar com ela pessoalmente para saber corretamente, não tinha acontecido.
Na quarta-feira, patinei depois das aulas com a Bri, porque na segunda acabamos patinando pouco, ela descobriu músculos que nem imaginava existir e cada um doía a cada respiração. Assim ela dizia, e eu, ria muito.
O fato era que a cada dia ela patinava melhor.
Cheguei ao apartamento e encontrei um vaso de flor com um cartão, atrapalhada minha passagem em alcançar a porta. Peguei o cartão, abri e li.
Lendo Clarice Lispector, até parece!, pensei.
Com muito esforço deixei o vaso, o cartão e entrei. Parei atrás da porta sentindo um aperto no coração, voltei no hall peguei o cartão. Olhei as flores, mas não a toquei. Precisava entrar, mas antes abaixei e a cheirei. Resisti firme não entrar com ela.
Fiz um sinal obsceno para porta dele, caso ele tivesse lá a me olhar.
Entrei.
No dia seguinte, coloquei um pouco de água no vaso, mas deixei-o lá, assim ele saberia que não me comprava com uma florzinha. Amoleceu meu coração, confesso, mas comprar não! Jamais!
Na quarta-feira, fui convidada para o show do Jota Quest*, promovido pela turma de formandos. Eu não tinha resolvido se aceitava. Seria no Espaço nosso, um lugar que não conhecia ainda. Fiquei de pensar no assunto. Quinta-feira pela manhã a Joy ligou e me disse que comprara os convites de um amigo para todos nós. Era o que faltava para eu decidir. Iria, já estava certo.
No meio da tarde recebi uma mensagem do Rafael, ele me convidava para ir ao show. Pensei: Você não acha que está muito em cima da hora rapaz? Mas, claro, não respondi. Queria ver até quando ele insistiria comigo.
A Joy passou para me pegar bem mais cedo, iríamos num barzinho antes do show, ela encontraria com o Jacaré na entrada do Espaço. Neste meio tempo ela contou-me a confusão com a mãe. Realmente, uma das causas foi o cabelo, que quase não tinha mais progressiva e muito menos chapinha. Em minha opinião estava muito mais bonita ao natural. E ela adorava não mais ficar escrava àquele estilo que não a representava. Um alívio se livrar de um dia inteiro num salão para manter aquele liso de loira, como dizia. Outro ponto, Jacaré, um assunto que a mãe foi bem incisiva, não aceitaria que ela se relacionasse com um negro. Contou que a mãe gritava:
— "Você não vai fazer a besteira que fiz."
E não ia admitir, em hipótese nenhuma, que a filha fizesse o mesmo.
— Entendeu? Ela é racista com uma filha negra, dá para você? Ou quer mais? — sem eu responder ela completou: — Tem mais, falou que se eu insistir com esse namoro ela corta meu dinheiro.
— E você? O que fez? – perguntei.
— Contei tudo ao meu pai. Ele assegurou que me mantém sozinho se precisar. Ficou do meu lado e garantiu que estou certa em relacionar com quem eu quiser.
— Ainda bem – concordei —, eu também detesto pessoas preconceituosas.
— Meu Deus!! Eu sou filha de um negro, minha avó é negra e como posso negar isso? Eu joguei na cara dela a certeza que tenho dela sempre ter tido vergonha de mim, da minha cor, por isso sempre esticou meu cabelo e queria me fazer parecer mais branca. — Ela tomou sua bebida. Em seguida, completou: — Ela dizia que eu era moreninha, nunca negra. Puro preconceito, isso sim!
– E aí?
— Ela se enrolou defendendo-se, disse que eu criava tempestade em garoinha.
Filé, Bri e mais uma turma que eu nem conhecia direito chegaram fazendo-nos mudar o assunto.
A conversa mudou totalmente e rimos muito. Eu tomei vários coquetéis de fruta, sem álcool. Eles não sabiam, para não criar aquele clima de "ser a comportadinha".
Fui apresentada a um rapaz, Augusto, educado e bem comportado, gostei dele de cara. Não houve atração para uma paquera, achei-o legal para ser um bom amigo. Poderia me ajudar a colocar o Rafa longe de mim, pensei.
O papo ficou cada vez mais sério até que ele disse querer ficar comigo. Acabei inventando que tinha namorado na minha cidade. Quem me deu essa diga foi a Bri, ela afirmou ser infalível para afastar pretendente chato e insistente. Deu certo.
Fomos para o show com uma grande turma, olhei no meu celular e lá estava outra mensagem do Rafa. Queria saber onde nós estávamos e vou confessar que comecei a ficar com pena dele.
Aquele lugar lotado seria impossível encontrar com ele. Começou o show, a galera pulava, dançava e cantava junto.
Foi demais!
Há muito tempo não me divertia tanto. Na verdade, nunca fui de sair muito, ir a show muito menos, pois na minha cidade não tinha muitas produções além da festa de pião e rodeio.
Outra banda começou a tocar assim que o show acabou. Precisavam segurar o público mais um pouco, mas mesmo assim as pessoas foram se dispersando.
O Augusto durante o show tentou me beijar várias vezes, sem sucesso, para ele é claro.
Foi então que vi o Rafa chegando perto de nós. Meu coração saltitou e quase foi ao encontro dele, besta como só ele. Tentei não olhar, fingir ignorar sua presença e aquietar o meu coração.
Seus olhos grudados em mim, eu sentia, pareciam queimar minha pele.
Ele chegou cheio de graça contando que passou o show a nossa procura. Falava alto sem necessidade, tenho certeza que era para eu escutar.
Não teve como não notar uma garota chegar toda saidinha, pendurou no pescoço dele e falar dengosa seu nome. Ou melhor, dizia "Bem" toda derretida.
Ai que ódio.
🦷🦷🦷
*é uma banda de pop rock brasileira formada em 1993 na cidade de Belo Horizonte.
Continua...
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