Se James morrer, a culpa será de Dumbledore
–Por pouco.--Queixou-se Dumbledore assim que James abriu os olhos e percebeu que estava, por incrível que parecesse, em Hogwarts.--Como pôde ser tão descuidado, senhor Potter?
Escorado na parede, a uma distância mínima, Severus Snape o olhava com um ódio quase palpável.
O que diabos estava acontecendo?
–O que é que tá rolando aqui?!--Sentou-se com tanta força e descuidado que quase desmaiou novamente.--Por que Severus Snape está aqui, em Hogwarts?
–Embora não seja da sua conta, senhor Potter, senhor Snape está trabalhando para a Ordem da Fênix.--Dumbledore explicou.
James abriu a boca em um O quase perfeito.
Severus Snape, o mesmo Severus que era tido como o braço direito de Voldemort, trabalhava para Albus Dumbledore e havia, inclusive, salvado a vida de James Potter, alguém que ele odiava.
–Isso é estranho para cacete...–James não pôde deixar de comentar.
–Eu quem o diga, Potter.--Severus divagou, olhando-o como se desejasse o matar.
–Por que me salvou?--A pergunta escapou.--Quer dizer, você não parece feliz por me ver vivo!
Por mais idiota que o comentário tenha soado, James não sentiu vergonha.
–Dumbledore não o quer morto, Potter. Caso não tenha reparado, há muitos membros da Ordem da Fênix sendo mortos desde o início da guerra. A demanda está abaixo da média.
Severus havia pegado pesado.
–Então você sai tentando salvar os membros da ordem por aí?--A pergunta foi sincera.
–Não, Potter. Eu sou um espião. Era um espião.
–Era?
Dumbledore pigarrou, atraindo a atenção dos dois.
–Devido ao fato de Severus ter o salvado, senhor Potter, ao invés de matá-lo, e o ter tirado de perto dos comensais e de Voldemort da maneira como o tirou, você não pode sair para a rua sem mais nem menos.--Olhando para Severus, ele continuou.--E eu não posso perder o meu espião a serviço, então o senhor--ele voltou a atenção para James--terá que ficar escondido.
–E onde ele ficará escondido, Dumbledore?--Severus suspirou, visivelmente estressado. A ideia de não ser mais espião parecia agradá-lo.
–Com o senhor, é claro!--Dumbledore quase cantou.-- Uma ótima desculpa, senhor Snape! Você disse para os outros comensais que o levaria a algum lugar. Que seja para a sua casa!
James sentiu a ira surgir com tanta força naqueles olhos, que não pôde deixar de temer que Severus jogasse uma maldição em Dumbledore.
–Não!
–Por quê?--Dumbledore soou desacreditado.
–O nosso histórico é desagradável!
James quase riu, mas estava a ponto de começar a chorar. Se odiava ao extremo, mas odiava mais ainda o medo que sentia de Severus. E se aquele homem tentasse o matar enquanto estivessem sob o mesmo teto? Era horrível de se imaginar.
–Severus, eu lhe imploro!--Dumbledore juntou as mãos, como se realmente implorasse.--Você aceita, não é, senhor Potter?
James quase não conseguiu forçar a boca a formar as palavras.
–É claro...
Severus poderia ter jogado um Avada Kedavra nele aí mesmo, porque James não teria tido tempo de impedi-lo.
–Essa guerra já deveria ter chegado ao fim, Dumbledore!--Queixou-se Severus.
–Concordo, Severus.--O tom de Albus é estranhamente cômico e grosso, uma mistura um tanto quanto inflamatória.--Estamos tentando, não?
–Sim, senhor.
Severus revirou os olhos, tal qual uma criança mimada.
***
James quase bateu contra a mesinha de centro quando foi arremessado lareira para fora. Por incrível que pareça, Severus parou graciosamente em cima do tapete e revirou os olhos para a cena lamentável de James Potter caído no chão.
–Levante-se, Potter. E não pense que eu irei arrumar um quarto para você.
James imaginou se teria que dormir no chão duro ou implorar por uma cama. Talvez tivesse que implorar por comida.
Se perguntava quanto tempo teria que ficar na casa de Snape e se, por acaso, seria até o final da guerra. A ideia de irritar aquele homem até o final de sua santidade era assustadora.
–Snape, na boa,--tentou iniciar o assunto sem fazer o homem o atacar com uma alguma maldição–como e quando você começou a trabalhar para a Ordem da Fênix?
A pergunta não irritou o homem, mas o pegou de surpresa. Severus largou-se sentado na poltrona em frente à lareira e deu de ombros.
–Não é da sua conta, Potter.
James quase abriu a boca e deu uma patada em Severus, mas negou-se fortemente ao se lembrar das lembranças terríveis que volta e meia recebia da vida de Snape.
–Tudo bem, não farei perguntas desnecessárias.--Ele viu a surpresa perpassar pelos olhos de Severus e teve que segurar a vontade de rir--Agora, quais são as regras da casa?
James perguntou brincando, mas Severus realmente levou a sério.
–Não faça barulho, não toque nos meus livros, puxe a descarga, faça a própria comida e não me pergunte abobrinhas.
A boa notícia é que Severus não o deixaria morrer de fome.
–Bem... Podemos tentar ter uma convivência amigável?
O franzir de sobrancelhas pela parte de Severus deu a resposta a James antes sequer do homem responder.
–Por que eu quereria ter uma convivência amigável com o infernal James Potter?
–Nós somos adultos.--James deu de ombros.--Podemos esquecer o passado.
–Potter, eu ainda tenho cicatrizes da época de Hogwarts. Cicatrizes causadas por você.
A lembrança surgiu com tanta facilidade, que James pensou estar olhando para o Severus de 25 e não para o garoto de 14. O problema é que estava em Hogwarts agora e Madame Promfey adentrava a enfermaria com pressa.
–Senhor Snape, mas o que aconteceu com o seu peito?!--Papoula raiou, desgostosa com o enorme arranhão no peito do adolescente, que respirava com uma enorme dificuldade.--A duas semanas atrás você apareceu com uma perna quebrada e, agora, com isso!
Severus chorava de soluçar.
–Faç...faça a d..dor pa...parar!
Madame Promfey suspirou.
–Vai ficar com uma cicatriz, querido.
James voltou à realidade. Foi como se ele nem tivesse saído de foco. Severus o olhava de sobrancelhas erguidas, sem qualquer expressão além daquela que demonstrava com tanto afinco.
–Eu tenho noção de que eu era um idiota, Snape.--James falou, com a cabeça baixa e as bochechas quentes de vergonha pelo garoto que foi.
–Apenas um idiota?--Severus riu alto.--Às vezes eu pensava estar na frente de um homicida! Dois homicidas, se lembrarmos do Sirius em seus dias mais amigáveis.
A lembrança de um jogo de Quadribol pegou James de surpresa. Severus estava sentado na arquibancada quando Sirius arrancou o bastão das mãos do Batedor da Grifinória e lançou a bola em direção à Severus. James não precisou ver o que aconteceria para lembrar que Snape havia ficado desacordado por nove dias.
Voltou de novo à realidade, mas, dessa vez, com lágrimas nos olhos.
–Severus, eu...
–Severus?!--Snape levantou-se com tudo.--Não lhe dei permissão para me chamar pelo primeiro nome, Potter!
–Perdão, Snape!--James levantou as mãos, visivelmente assustado.--Eu tenho noção de que eu fui uma pessoa péssima, mas eu juro que eu melhorei e que eu estou disposto a tentar ter uma espécie de amizade com você, já que estamos morando juntos por agora.
Snape obviamente não ficou feliz com a noção de que moraria com James pelos próximos dias, mas a menção de uma amizade o fez desgostar completamente da ideia.
–Como se palavras bastassem, Potter.
Levantou-se e, sem pestanejar, deixou James sozinho na sala de estar. Olhando ao redor, era um cômodo muito bonito, com uma estante que preenchia quase todo o recinto, um sofá, uma poltrona e um tapete. Talvez, se tivesse que dormir na sala, tivesse alguns dias agradáveis.
–Potter!--O chamado o pegou desprevenido, mas não deixou de andar em direção ao corredor, onde o homem de aparência irritada o esperava em frente a uma porta.--Você pode dormir nesse quarto. Se quiser limpá-lo, a lavanderia é uma porta na cozinha.
James abriu a boca para agradecer, mas o ex-sonserino preferiu virar as costas e se negar escutá-lo.
***
Verdade seja dita, não era tão ruim. Quando acordou na manhã seguinte, foi para encontrar Severus lendo na poltrona em frente à lareira apagada. James se perguntou se o homem trabalhava em alguma coisa, embora fosse difícil de imaginá-lo trabalhando enquanto fugia da Ordem da Fênix e dos aurores.
–Snape,--chamou o homem, que pareceu rezar para a voz que o chamava ser um delírio.--Eu posso sair lá fora se eu quiser pegar um sol? Aliás, onde estamos?
Severus o olhou e suspirou.
–Se eu estiver junto, você pode, sim, sair.
James esperou que ele respondesse a segunda pergunta, mas o ex-sonserino preferiu ficar em silêncio.
–Poderia me dizer que lugar é esse?
Severus largou o livro e se pôs em pé, visivelmente estressado.
Será que aquele homem sempre estava estressado?
–Estamos em Gales e essa é a única resposta que você terá. Agora, se não for incômodo, fique em silêncio.
O homem sentou-se novamente e suspirou, como se tentasse esquecer James e ficar em seu doce canto silencioso. Potter andou até a cozinha e ficou surpreso ao sentir a barriga roncar. Não havia comido na noite anterior, muito menos à tarde. A sua última refeição foi o almoço no Caldeirão Furado.
Aproveitou que havia uma janela na cozinha e olhou para fora. Não havia nada além de grama e altos relevos ao redor. O sol estava alto no céu e James se assustou ao constatar que já passava das 11 da manhã. Havia capotado na cama, sem nem se dar ao trabalho de tirar o pó do quarto que parecia não possuir uso a anos.
Andou até a geladeira e a abriu, soltando um bufo alto ao constatar que Severus deveria viver de fotossíntese. Temendo chamá-lo e levar uma patada, abriu a despesa e sorriu ao constatar que havia, sim, comida naquela casa.
Pegou a sacola de batatas e rezou para que quando abrisse o freezer, encontrasse, pelo menos, salsichas e, se desse sorte, um pacote de ervilhas congeladas.
Não era o melhor cozinheiro do mundo. Havia quase matado Remus quando inventou de fazer um chocolate quente no inverno no ano anterior, mas fazia o próprio almoço todo o final de semana e nunca havia morrido por consumir seu purê de batatas.
Lavou as mãos e, embora soubesse que talvez fosse receber um belo de um não advindo do homem sentado na poltrona, começou a cozinhar.
***
James parou em frente a Severus e lhe estendeu o prato de comida. O homem largou o livro e olhou nos olhos de James por tempo o bastante para o Potter sentir-se trêmulo.
–Está tentando me envenenar, Potter?--A pergunta soou áspera.
James tremeu antes de responder.
–Não está na minha lista de afazeres, Snape.
Sentiu-se assustado quando Severus jogou o livro no sofá e cruzou os braços em frente ao corpo.
–Pensei ter deixado as regras claras ontem à noite.
–Eu sei, eu sei.--James bufou.--É para eu passar despercebido.
–Então por que você fez o almoço para nós dois?
–Porque eu gostaria de fazer um agrado a você, Snape.
–E por quê?
–Pensei ter deixado claro que queria ter uma convivência amigável.
–E eu pensei ter deixado claro de que eu não quero uma convivência amigável com você.
James sentiu-se feliz por estar tendo aquelas lembranças assustadoras, porque agora não estava nem perto de perder a paciência com a criatura teimosa em sua frente.
–Olha, só dessa vez.--James estendeu o prato.--Vou me sentir mal se tiver gastado a sua comida e você sequer provar.
Ele realmente pensou que tinha perdido tempo fazendo toda aquela comida, mas Severus pegou o prato e o colocou no sofá.
–Vou comer,--Severus falou, embora não com uma entonação muito feliz-- agora saia da minha frente.
Primeiro sinal de que, talvez, lidar com Severus não fosse tão difícil.
James sorriu, virando0-se para voltar à cozinha, mas, de alguma maneira, caiu no chão quando outra lembrança apareceu diante de seus olhos.
Snape estava sentado ao seu lado na sala de Dumbledore, com Sirius em pé logo atrás dos dois. Sirius parecia ao passo de soltar uma risada sincera, enquanto o rapaz pálido tremia. Dumbledore os olhava, como se esperasse por alguma explicação.
James, olhando os três a uma distância mínima, sentiu-se enjoado por saber o que iria acontecer.
–Foi Snape quem fez, diretor.--Sirius falou, saltitando no lugar.--Eu e James apenas o impedimos de ir longe demais.
Mentira.
–Mentiroso!--Gritou Severus, pondo-se em pé.
–Senhor Snape, sente-se!--Pediu o diretor, um tanto quanto impaciente.--Não quero saber quem foi responsável por roubar o estoque do professor Slughorn. Os três estão em detenção!
O cenário mudou para um em que o rapaz pálido estava pendurado de cabeça para baixo na porta da sala de Poções. James ria e Sirius pintava o rosto de Snape com uma paleta de maquiagens.
–Isso o que você ganha por ter nos entregado, Ranhoso.--Foi o que escapou da boca do James de 15 anos.
Aquela lembrança era sua, não apenas de Snape. E isso era deprimente.
Acordou, deitado sobre o tapete estranhamente macio.
–Que diabos aconteceu, Potter?!--Reclamou a figura de Snape, que o olhava de cima.--Caiu e começou a tremer. Pensei que estava tendo um AVC.
Um AVC teria sido menos fatal.
–Snape, você vai me achar imbecil pelo o que eu falarei agora.--As palavras escaparam de sua boca, antes mesmo de James pensar direito no que diria.--Eu estou a um bom tempo recebendo lembranças da sua infância e adolescência.
–É o quê?--Sussurrou Snape, um tanto quanto acanhado e James se arrependeu no mesmo instante por ter iniciado o assunto. Snape não acreditaria em nenhuma palavra sua. O acharia louco.
–Estou recebendo lembranças aleatórias de momentos seus da adolescência e infância,--falou, a voz baixa e assustada-- alguns com a minha participação e outros apenas com a sua...
–Porra, Potter!--Snape levantou-se.--Acha mesmo que eu irei acreditar em uma palavra dita por você? Recebendo lembranças da minha infância e adolescência! Eu hein!
–Não acredita?--James se levantou com uma enorme dificuldade.--Eu estou vendo em terceira pessoa alguns acontecimentos. Vi você sentado na sua cama quando criança, segurando uma mala, com a música alta e seus pais discutindo ao ponto de quase se matarem!
James se arrependeu amargamente quando viu aqueles olhos irritados ficarem assustados. Era quase igual a quando ele e Sirius estavam prestes a pregar alguma peça nele, o mesmo medo enraizado.
–O que mais você viu?--Perguntou Snape e James não podia estar esperando menos pela pergunta.
–Vi você chorando de soluçar no dia em que eu e Sirius o jogamos contra uma árvore e você ganhou aquele arranhão terrível no peito. Estava na enfermaria, implorando para madame Promfey acabar com a dor...
James esperou que Severus não pedisse mais explicações, porque ele realmente não queria ter que explicar. Doía ver a maneira como o homem parecia nervoso e acanhado, lutando para acreditar e odiando saber que aquilo não era uma espécie de pegadinha.
–E?
–Vi o momento em que você percebeu que não adiantava continuar implorando para Lily voltar a querer a sua amizade... Você estava chorando na cama, agarrado a uma foto dela e você juntos. Vi o seu aniversário de 17 anos, quando você olhou para o pulso sem relógio algum e fingiu estar bem o dia inteiro. Vi o dia em que você recebeu a marca negra, o medo e a felicidade estampada em seu rosto. Vi quando você...
–Chega!--Snape estava olhando para qualquer ponto, menos para o rosto de James.--Mas que merda é essa?! Como é possível?!
–Não faço a mínima ideia...
–Não pedi para você falar!
James se calou de boa vontade.
Severus passou a andar de um lado para o outro, incapaz de esboçar qualquer reação senão o explícito terror na face. Ele, obviamente, não conseguia encontrar o sentido naquilo, mas, graças a Merlin, havia acreditado em James.
–Fique aqui!--Severus disse, enfim.--Vou até Dumbledore perguntar sobre. Nem pense em sair dessa casa. Se eu voltar e você não estiver aqui, juro que te mato!
Meneou a cabeça, com consciência de que não deveria abrir a boca se quisesse continuar vivo, quem dirá se mexer mais do que alguns milímetros.
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