29 - Demi o quê?
Laura me olhava como se eu fosse uma aberração.
Ok. Eu devia mesmo ser uma aberração.
— Um site pornô?
— Laura, essa é a parte menos relevante de tudo o que eu te contei.
Sim, eu contei tudo para ela. Tudo. Até que transei com um homem, só não revelei quantas vezes. Ela me ouviu em silêncio. Eu entendi, devia ser coisa demais para processar. Ela tinha certeza de que me conhecia muito bem. Qual não foi a surpresa quando descobriu que nem ela, nem eu mesmo me conhecia de fato.
Falar tudo foi meio que um "foda-se" total. Eu cheguei no meu limite e estava cansado de pensar, de tentar, de existir. Samuel saiu do meu apartamento na noite anterior sem pronunciar uma palavra. Ele não respondeu minha pergunta, nem a mensagem que mandei para ele de madrugada perguntando se ele me perdoava por esconder o lance do noivado, nem a mensagem que mandei pela manhã dizendo que ia encontrar a Laura e resolver tudo com ela.
Ele estava no direito dele. Eu também me mandaria ir à merda. Eu o usei, simples assim. Ele também me usou, mas desembolsou uma grana para isso, então, eu era mais filho da puta do que ele.
— Quer dizer que você botava na minha boca o mesmo pau que botava no rabo de um cara?
Foi maldoso. Principalmente vindo da Laura.
— Não é assim que funciona. Não fiz nada antes de colocar nossa relação no gelo para me entender e você sabe disso. Deixei claro que estava com problemas, e se quer saber, nunca comi uma bunda. Nem a sua porque você nunca deixou. E quando aconteceu de eu finalmente ficar com um cara, eu ocupei o outro lado da cama.
Ela fez uma cara de assustada tão engraçada quando entendeu que eu era o passivo que eu quase ri.
— Eu não sei o que dizer, Diego. É muito pra minha cabeça. Um homem? Você nunca demonstrou qualquer indício de que curtia essas coisas!
— Não sabia que tinha que dar sinais. Não é como se eu trocasse de roupa e então todo mundo saberia minhas preferências. Eu não sei, eu nunca soube fazer isso. Eu apenas fui eu mesmo e fiz o que sempre tive vontade de fazer ao menos uma vez na vida.
Ela estava puta, mas tinha alguma coisa ali. Uma espécie de curiosidade. Laura era inteligentíssima. Ela não era dessas mulheres afetadas e obtusas que vão concluindo as coisas sem avaliar. Não era à toa que ela chegou onde chegou na carreira.
— Na verdade, acho mesmo que você ainda não se entendeu direito. Não acho que você seja bissexual ou homossexual. Acho que você é demissexual.
— Demi o quê? Que porra é essa, Laura?
Ela riu. Isso aliviou a pressão no meu peito umas duzentas toneladas, apesar de mais uma vez me lembrar de que eu sempre fui o mais burro da relação.
— É alguém que só consegue transar com quem está emocionalmente envolvido.
— Mas que... por que ficam tentando rotular tudo? Não me interessa o nome! E não faz sentido essa coisa que você me falou, Laura. Eu amava você! Eu ainda amo você... só não consigo mais... fazer sexo com você! Eu não amava o Sa... o cara... — Não dei detalhes sobre o Samuel para ela. Não faria diferença. — Mas não consegui evitar o que aconteceu.
Nunca gostei de rótulos. Sou tão anti-convenções que fiquei noivo e me recusei a usar uma aliança porque não queria exibir nada que se parecesse com um troféu ou uma coleira. Laura sempre foi evoluída e nunca exigiu. Marcamos uma data, trocamos uma espécie de voto e apoiamos nossa relação na confiança e no comprometimento mútuo. Pena que eu não fui fiel, não cumpri minha parte e lasquei com tudo.
— Vai ver o amor mudou de forma — ela sussurrou.
Ela tinha lágrimas nos olhos. Eu estava a ponto de quebrar alguma coisa. Nunca quis que fosse assim, mas como tudo na minha vida, não podia ser fácil, não podia ser simples. Rendido, puxei-a pros meus braços e ela cedeu. E chorou. Chorou muito e quando percebi, eu também estava chorando.
— Não posso te perder, Laura. Por favor, não me deixa sozinho.
Um longo tempo se passou. Ela ficou no meu colo e eu fui acariciando seu longo cabelo. Percebi ela mais calma e criei coragem para falar.
— Talvez o meu tipo de amor não seja o ideal para você, mas ele é tudo o que tenho a oferecer. Eu serei para você o que você precisar de mim, mas preciso continuar minha busca de mim mesmo, preciso desvendar esse novo homem em quem estou me transformando. Pode ser egoísta da minha parte mas quero que você faça parte disso. Quero você comigo até o fim.
Ela aquiesceu e me soltou. Levantou do sofá e me encarou.
— Preciso de tempo, Diego. Preciso me curar primeiro. Sei que vou ficar bem, sei que tudo isso vai se explicar uma hora e que tudo vai passar, mas hoje não. Hoje ainda dói e vai doer por um tempo. Não me apresse nem espere mais de mim no momento. Você merece ser feliz, e eu também. Me desculpe.
E saiu pela porta.
Não posso descrever o que senti. Frio, medo, vazio. Senti o mesmo, em igual proporção, quando Samuel saiu sem me responder na noite anterior.
Me encolhi no sofá e abracei meu corpo. Fechei os olhos e senti o gelo do carro amassado ao meu redor. Senti o medo que o ruído do choque causou. Senti o abandono de quando soube que minha mãe não responderia meu chamado porque ela não podia mais me ouvir.
E soltei. Deixei saírem as lágrimas. Deixei a água do pranto nunca liberado lavar meu rosto e remover o ranço da mágoa por não ter sido suficiente pra minha mãe escolher lutar, escolher tentar, escolher viver. Deixei tudo me envolver e me fortalecer para enfrentar o que estava por vir, fosse a rejeição da Laura ou o desprezo do Samuel, fosse que ambos pensassem que eu não valia à pena assim como minha mãe pensou. O pranto me consumiu, me cansou e, eventualmente, me derrubou, e eu acabei adormecendo no sofá.
Horas mais tarde, acordei com o telefone tocando em algum lugar. Estava escuro, encontrei o aparelho e conferi as horas. 2h45 da madrugada. Era uma ligação do Samuel. Atendi preocupado.
— Estou mandando um Uber te pegar. Esteja pronto em 15 minutos.
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