27 - Espaço
Eu acabei vomitando o chá, eventualmente. Pelo menos não foi no chão. Falar não ajudou a conter a enxaqueca mortal que me pegou de jeito, e eu sabia que quando acontecia, precisava ficar de boa e descansar. Samuel sacou um analgésico de algum armário e fez uma compressa fria na minha testa.
— Você parece muito à vontade no meu apartamento — sussurrei com os olhos fechados, estirado e inútil sobre a cama.
— É prático. Gostei do seu espaço.
Por prático, ele devia estar querendo dizer: vazio, insípido e sem graça. Eu morava num espaço de 40 metros quadrados, com um quarto que só cabia a cama e um armário embutido, uma sala que era tudo junto com a cozinha, separada por um balcão, e um banheiro minúsculo. Possuía um sofá, um raque com uma TV Smart, uma estante de livros com mesa de computador, e a cozinha com o básico para a sobrevivência. Com todo o dinheiro que ganhei, só gastei num notebook novo.
— Por que ainda está aqui, Samuel?
Pareceu grosseiro. Talvez tenha sido. Eu tinha esse lance de sobrevivência, essa mania de levantar escudos e lanças para me proteger de tudo. Não podia evitar. Laura foi a única que conseguiu corroer um pouco a carapaça, demorou um tempo do cacete para conseguir isso e mesmo assim eu a afastava hora ou outra, sem razão aparente.
— Honestamente, não sei — ele respondeu, desanimado.
Fiquei calado. O analgésico começou a fazer efeito, então fatalmente acabei dormindo. Quando acordei horas depois, ele tinha ido embora. Ficou um vazio do cão dentro de mim e não pude fingir para mim mesmo que a decepção não me assolou.
Peguei meu aparelho celular e havia uma mensagem:
"Agora você tem meu contato e eu tenho o seu. Não vou forçar a barra com você, mas minha paciência não é muito exemplar. Apenas me diga se está bem quando acordar, e entenda que se precisar de qualquer coisa — qualquer coisa mesmo — pode me chamar."
Fiquei tocado. Primeiro pensei em como ele conseguiu desbloquear meu celular, então lembrei daquele lance de encostar um aparelho no outro para compartilhar contato. Mandei uma mensagem de resposta:
"Acordei melhor. Obrigado pela ajuda."
Até eu que não era o ícone do carinho, achei seco. Bom, no momento, era o que eu conseguia oferecer. Isso e o que envolvia troca de fluídos, é claro.
O aparelho tocou na sequência e eu pensei que fosse ele. Atendi sem ver o chamador e levei um susto com a voz da Laura.
— Você sumiu, Diego! Estou preocupada com você. Te mandei um monte de mensagens, você não viu?
Olhei pra tela do celular e vi que ela tinha mandado umas 15 mensagens, e eu só vira a última, do Samuel. Fiquei chateado. Eu precisava conversar com ela, mesmo sem saber o que estava rolando comigo.
Laura foi minha melhor amiga antes de se tornar algo mais. Nos conhecíamos há anos, desde a faculdade, e eu queria acreditar que, ainda que ela não me aceitasse como eu era agora, não iria me odiar no fim de tudo.
— Podemos nos ver amanhã? Preciso te contar umas coisas.
Conversamos por mais alguns minutos e encerrei a chamada. Fiquei olhando pro aparelho e quando me dei conta, estava ligando pro Samuel.
— Alô? — ele atendeu meio afoito. — Tá tudo bem?
— Tô melhor. Eu...
Não sabia o que dizer.
— Diego, você precisa de alguma coisa?
Suspirei pesado.
— Quero que você volte pra cá.
Ele pareceu suspirar também. Seria de irritação? Esperava que não.
— Ok. Quando sair do trabalho eu vou até aí.
— Isso vai demorar quanto tempo?
Eu não queria parecer um poço de carência e desespero, mas depois que comecei a soltar as cordas da autopreservação, parecia que existia um vácuo imenso a ser preenchido dentro de mim.
— Mais umas duas horas. Você pode esperar? Se não puder, eu dou um jeito.
Ele nem cogitou a possibilidade de ser apenas um capricho meu. Onde fui achar esse cara?
Ah, sim... num site de pornografia.
A vida é mesmo um picadeiro.
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