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Cinza


Patas apressadas transitavam entre a multidão de humanos que pareciam não ver ou simplesmente ignoravam o olhar de sofrimento da gata branca que por ali transitava, com sua grande barriga era difícil continuar a caminhar, mas isso era necessário. As dores e contrações indicavam que o momento havia chegado e toda a sua luta era para encontrar um local isolado e seguro onde pudesse dar à luz, atravessando a rua quando viu exatamente o que procurava, um beco isolado e escuro onde sua presença não iria gerar incomodo.

Quase sem forças a pobre gata desabou e aos prantos no chão sentiu fortes dores que a fez soltar um miado sofrido, entre suas patas sentiu o primeiro filhote sair de seu ventre, mal deu tempo de respirar quando o segundo filhote despontou e a gata forçou sua saída. Ao todo foram cinco filhotes brancos, quietos os gatinhos não faziam barulho quando sua mãe usou seu tato para verificar e em suas narinas veio o cheiro de morte e lagrimas escorreram de seus olhos.

Uma forte contração fez a gata cair novamente e ao que indicava havia mais um filhote por vir, destroçando as entranhas de sua mãe, saiu o sexto gatinho seus pelos negros diferia dos outros filhotes e mais uma vez veio o silencio. Esperando pelo pior a gata não tinha esperanças, mas mesmo assim verificou se havia vida no último filho e foi surpreendida por um par de olhos cinza, o despertar do filhote trouxe uma sensação gélida que arrepiou seus pelos o reluzir cinza entre a escuridão foi a última visão da gata antes da morte chegar.

Pela primeira vez havia visto o mundo com seus olhos cinza e mirou a lua cheia, aconchegou-se entre os cadáveres de sua mãe e irmãos, o gatinho negro aqueceu-se e dormiu com sua família. Veio o despertar, pela manhã o beco foi invadido por moradores que pegaram os cadáveres e colocaram em um saco de lixo, até mesmo o único sobrevivente foi posto no amontoado junto com a sua família.

Não tardou e a coleta diária estava passando para recolher o lixo da cidade, preso no saco de lixo o gatinho preto tinha dificuldades para respirar e com suas patas tentava rasgar o plástico. Sentiu o levitar, o saco foi pego pelo lixeiro que o lançou no caminhão e uma estrutura metálica começou a compactar os dejetos, ao puxar o saco preto ocasionou um rasgo e saltou para fora o pequeno gato preto, sob a beirada do caminhão o gatinho viu o corpo de sua mãe e irmãos serem esmagados.

O medo trouxe-lhe apenas a opção de fugir, saltando do caminhão o gatinho correu o mais rápido que pôde, deixando para trás as lagrimas que caiam de seus olhos e carregando consigo os traumas. Intocado sob a beira do esgoto o gatinho passou dias de tristeza e luto, quando não aguentou mais a fome saiu em busca de comida.

Miando baixo devido a sua fraqueza, o gato vagava pelas ruas solitário, sendo ignorado por onde passava. Enquanto vasculhava o lixo alguém o notou, uma jovem de cabelos trançados apontou e falou:

— Olha amor, um filhote.

— Pobrezinho está bem magro. — O namorado da garota adiantou-se e pegou o gatinho e denotou. — Que olhos estranhos.

— O tom cinza me causa aflição, mas esse gatinho precisa de um lar. — Pegando o gatinho, a jovem comentou. — E se...

— Podemos cuidar dele sim!

O gato miou baixo, e o jovem casal consentiu em adota-lo, aqueles olhos cinza preenchiam um vazio que há muito tempo assolava os dois. Em um lar que transbordava felicidade, o gatinho preto foi batizado de Timoti, recuperou-se da desnutrição e foi bem tratado.

Numa noite calma, a porta da casa abriu-se abruptamente, era o jovem e pelo seu modo de andar parecia agitado, o gatinho preto acordou e o encarou, a troca de olhares entre eles deixou o mundo cinza e com um som abafado. Adentrando o quarto o jovem puxou o pé de sua namorada que dormia, com a intromissão do sono, a jovem perguntou:

— O que houve?

— Eu não aguento mais. — Revirando os olhos, o jovem relatou. — Esse nosso relacionamento está fadado ao fracasso, você não pode me trazer a felicidade completamente.

— Esse assunto de novo? — Sentando-se na cama, a jovem falou. — Pensei que tínhamos superado isso, olha lá o Timoti.

O gatinho preto entrou no quarto e sob os olhos cinza a discussão parou por alguns instantes, enquanto refletiam a sobre a vida juntos, o jovem pensou bastante e em seguida começou a pegar suas roupas e colocar numa mochila, tentando impedir o namorado, a jovem o puxou enquanto falava:

— Calma vamos conversar, não podemos nos precipitar assim.

— Está tudo conversado e decidido. — O jovem saiu do quarto ao falar. — O que temos aqui não é o suficiente para mim!

Indo em direção a saída, o jovem indicava que iria embora, inconformada com os rumos do relacionamento sua namorada o agarrou usando todas as suas forças para impedir sua partida. Inquieto o gatinho preto miava diante da situação e lentamente pôde ver o jovem arrancar de seu bolso um canivete e fincar no abdômen de sua namorada, as gotas de sangue pingavam.

Segurando o ferimento com as mãos a jovem caiu e o namorado ao ver a grande tragédia que havia cometido fugiu da cena do crime. De cinza o gatinho sentiu o mundo tomar um tom cada vez mais escuro e a escuridão total chegou.

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