Capítulo 14
Acordei descansada, olhei pela janela o céu azul limpo, levantei e segui para o banheiro antes que alguém aparecesse de surpresa indesejada, me despi e banhei sozinha assim como ao sair vesti um lindo vestido florido esvoaçante de alça caída nos ombros. Fiz um coque deixando duas mechas soltas e saí do quarto dando de cara com uma serva nova que pelo visto estava prestes a bater na minha porta.
— Estarei tomando o lugar da antiga serva, Vossa Graça. — Anunciou fazendo uma reverência.
Balancei a cabeça incrédula, ela só poderia estar de brincadeira comigo. Olhei discretamente os dois lados do corredor para ter certeza de que nos encontrávamos sozinha.
— Sinto muito, não quero mais ninguém como minha serva. — Explico e antes mesmo que pudesse desviar dela, ela segurou na minha mão envergonhada.
— Por favor, se não fizer isso, a rainha me punirá! — Exclamou em um sussurro.
Arqueei uma sobrancelha a olhando, segurei na mão calejada que segurava minha mão e apertei com uma certa força com a intenção de ser, nem que por um instante, um gesto de conforto.
— Quantos anos você tem? E porque a rainha lhe puniria por algo tão trivial assim? — Questiono.
— Sou Laylah e tenho apenas doze anos, Vossa Graça. Fui presa por roubar comida para sobreviver em Auksinis Miestas, só fui solta com a condição de que a senhora me aceitaria como serviçal. — Laylah soava nervosa e com medo.
Arregalei meus olhos quando escutei que tinha apenas doze anos. Laylah, como informou, tinha um corpo mais arredondado, a pele alaranjada, olhos castanhos claros grandes e um cabelo encaracolado curto preto azulado.
Comprimi os olhos realmente encurralada, havia decidido que não queria mais ninguém já que nunca haveria alguém capaz de "tomar o lugar" de Elinor para mim mas se não aceitasse, só os deuses sabem o que a rainha seria capaz de fazer com essa criança. Um sentimento estranho de que isso foi proposital me fez render a o que seja que ela esteja planejando para mim.
— Certo. Durma com minhas irmãs e prometa cuidar delas. As coisas estão estranhas ultimamente. — Informo as coisas que ela precisa fazer e me preparo para sair.
— Mas isso não é ser serva de Vossa Graça. — Pontuou confiantemente.
— Laylah, elas são parte de quem eu sou, estar cuidando, protegendo e amando elas é a mesma coisa que estar fazendo isso por mim. — Explico com um pequeno sorriso. — Aceita?
— Sim, Vossa Graça. — Afirmou sorridente com suas covinhas na bochecha.
Fiz um carinha no ombro de Laylah antes de sair pelos corredores, sinceramente, sem rumo. Não tinha ideia do que fazer, mas com certeza iria ter tempo para questionar a rainha sobre a história de Laylah e talvez descobrir mais sobre a vida de Nora.
Conforme andava pelos vários corredores, pude ver que estava próxima de cozinha quando mãos tamparam minha visão, prendi a respiração assustada e cogitando a ideia de tirar meu salto alto e enfiar em quem esteja atrás de mim, virei para trás devagar e lentamente com medo, retirei as mãos do meu rosto encontrando um sorriso preguiçoso nos lábios.
— Raely... — Murmuro aliviada.
— Por que está nervosa? Sabe que aqui é seguro. — Perguntou curiosamente.
Apenas dei de ombros deixando que Raely começasse a caminhar comigo pelo castelo, ele estava um pouco atrás de mim ao passar a mão por minhas costas que se arquearam na hora, ainda doía mesmo que estivessem enfaixadas graças a Inej. Olhei de canto para Raely que fechou a expressão com minha reação.
— Existe algo que queira me contar, Dea? — Perguntou devagar me encarando.
— Só fui punida pela rainha que exagerou um pouco e acabou que ficará cicatrizes dessa vez. Mas juro que estou bem agora! — Explico o melhor que posso deixando de fora a parte que envolve a morte de Nora, apesar de Raely não ser burro.
— Caralho. — Resmungou coçando as têmporas.
— Não conte a ninguém, principalmente a Theodoro. Lembra de como ele reagiu na primeira vez... — Suspiro voltando a andar lado a lado com Raely.
— Você me disse que ele quase xingou a rainha em uma festa e queria derrubar vinho no vestido branco cintilante dela. — Comentou com uma risada abafada.
— Agora imagina que ele sabe lutar! Péssima ideia contar, se for para ele saber, que seja apenas e exclusivamente por mim, entendeu? — Pergunto olhando de canto para Raely.
— A escolha é sua. — Disse dando de ombros.
Acabou que Raely me guiou até o jardim, mais especificamente fora da visão dos outros. Coloquei a mão na boca em total surpresa quando vi Kylo sentado encostado em uma árvore e comendo uma maçã, Liat sentada em um tronco de árvore caído enquanto tentava desenhar no caderno de Raely, Aemy aprendendo a fazer desenhos entalhados em lascas de madeira com a ajuda de Theodoro, ambos sentados embaixo de uma árvore próxima a de Kylo. Uma surpresa maior ainda foi ver que a música melodiosa vinha de Inej tocando um violão ao lado de Kylo, assim que me viu acenou com a cabeça e um olhar discreto e preocupado, apenas sorri para o tranquilizar.
— Finalmente! — Kylo comemora, jogando para Raely e para mim duas maçãs que estavam no colo dele.
— Fazia tempo que não fazíamos algo assim e acho que todos precisam descansar um pouco. — Liat explicou com um sorriso animador.
Era fato. Ultimamente tem sido informação atrás de informação e às vezes é bom voltar para momentos descontraídos assim, me aproximei tirando os sapatos do arco e flecha ao lado de Aemy, peguei o arco e uma flecha.
— Vai lá, Inej. Inaugura o novo arco da Dea. — Kylo sugeriu animado dando uma maçã para Inej.
O olhei se levantar confuso deixando o violão de lado e pegando a maçã, apontei com a cabeça para que ficasse na minha frente, segurei a risada quando Kylo o mandou colocar a maçã na cabeça e Inej esboçou uma expressão de confusão total mas mesmo assim fez o que Kylo instruiu.
Ajeitei e mirei em direção a maçã sobre a cabeça de Inej, suspiro fundo soltando a flecha que pegou em cheio na maçã cravando a flecha e a maçã na árvore um pouco distante que estava atrás de Inej, o vi arregalar os olhos e colocar a mão no coração como se conferindo se estava vivo.
— Desculpa o susto, não quis estragar a emoção. — Digo rindo enquanto busco a flecha e a maçã.
— Não imaginava que uma princesa saberia usar um arco e flecha. — Admitiu me acompanhando.
— Justo. Não imaginava que sabia tocar tão bem, apesar de que precisa melhorar ainda. — Falo retirando a flecha da árvore e depois a maçã da flecha, dando uma mordida na maçã suculenta.
— Nunca vi uma corte tão... — Percebi que ele não estava achando a palavra certa.
— Eles não são apenas minha corte, são minha família. Por eles, iria até o inferno. — Digo seria.
Voltamos até eles e Aemy me chamou para sentar ao lado dela, terminei rapidamente de comer a maçã deixando o arco nas costas e guardando a flecha antes de sentar ao lado dela que me entregou uma lasca de madeira e uma faca de bolso.
— Estou ficando irritada! Faça você. — Aemy resmungou irritada cruzando os braços e fechando os olhos.
Me esforcei muito ao conter a risada, Theo se levantou e se sentou do meu lado afim de me ajudar a fazer algum progresso. Theodoro tinha uma habilidade incrível com carpintaria, apesar de muitos julgarem ser inútil para um futuro conselheiro, eu acho simplesmente brilhante o dom que ele tem e sempre que pode está o aperfeiçoando.
Não deu mais que dez minutos e joguei a lasca de madeira no colo de Theodoro envergonhada, o máximo que havia conseguido fazer era um olho completamente deformado e mais parecia rabiscos mal entalhados na lasca.
— É difícil mesmo. — Theo disse na tentativa de me confortar.
— Pare de se esnobar! — Aemy grunhiu ao socar o ombro de Theodoro.
Não me contive e caí em gargalhadas, Aemy bateu levemente na minha cabeça resmungando palavras que não consegui entender, apenas entendi um "cala a boca" vindo em meio aos resmungos de raiva dela.
Aos poucos, ficamos reunidos formando um círculo, Liat ainda tentava aprender a desenhar estilo realista com a ajuda de Raely, a paciência e foco dela eram importantíssimos para conseguir suportar o tanto faz de Raely como professor. Inej se aproximou para se sentar no círculo por último, trazendo algumas frutinhas das árvores que ele escalou sem que percebêssemos. Liat estava entre Theodoro e Raely, Kylo entre Raely e Inej que chegou a pouco tempo, deixando eu entre Inej e Aemy.
— Por que aprendeu a atirar? — Perguntou estendendo a mão cheia de frutinhas para mim.
— Meu pai amava caçar pelo que me lembre, sempre tinha cheiro de pinheiro e um arco nas costas. Depois que ele sumiu é a única coisa que me restou dele. — Conto resumidamente, comendo três frutinhas que peguei da mão dele.
— Todos são bons em algo, e você? Só é bom em tocar violão? — Kylo perguntou mudando rapidamente de assunto.
— Sei me guiar pelas estrelas, usar bússola e fugir dos lugares com facilidade. — Revelou envergonhado.
— A única coisa útil é fugir dos lugares. — Aemy comentou pegando um punhado de frutinhas.
Às vezes a sinceridade de Aemy é um pouco cruel mas aprendi a lidar com isso, espero que Inej consiga levar numa boa essa personalidade complicada dela. Olhei para ele esperando um desconforto mas em vez disso, ele riu comendo uma frutinha em seguida.
— Você tem razão. — Concordou rindo.
Ficamos conversando até o anoitecer, Liat tinha feito uma trança no meu cabelo e logo depois se deitou no colo de Theo para que ambos ficassem olhando o céu, Kylo e Raely estavam mais afastados conversando sentados no tronco que antes estava Liat e Raely, Inej havia saído antes do anoitecer dizendo que precisava resolver coisas banais e saiu depois de se despedir amigavelmente e Aemy estava apenas olhando a movimentação encostada em uma árvore.
— Estou indo, gente. — Aviso me levantando.
— Vamos fazer isso de novo no seu aniversário. É uma promessa. — Kylo prometeu com um sorriso.
Sorri de volta e comecei a caminhar para dentro do castelo que estava começando a ficar silencioso apenas com alguns guardas fazendo a patrulha noturna, em um dos corredores vi Sommar e Saturne conversando intimamente, andei rapidamente dando a curva para evitar passar por eles, estava andando rapidamente que passei direto pelo meu quarto, chegando no final do corredor.
Desviei o olhar para a porta à minha frente no quarto de Aemy. Ela não se importaria que eu passasse a noite aqui somente uma vez, não queria dormir sozinha depois de ver a rainha e Saturne tão próximos assim. Girei a maçaneta e a porta se abriu, entrei no quarto rapidamente fechando a porta em seguida, quando me dei conta de que era a primeira vez que estava no quarto de Aemy.
Era um quarto simples com uma cama pequena, uma janela, um baú em vez de um guarda-roupa, uma escrivaninha e um criado mudo ao lado da cama com um castiçal apagado. Um papel cuidadosamente colocado debaixo do travesseiro me chamou a atenção, só notei porque parte do papel estava amostra, talvez colocado às pressas. Comecei a ler pensando que era uma carta para mim mas era completamente o oposto.
Abaixei o papel em choque, assustei quando escutei a maçaneta girar e Aemy entrar no quarto, fechando a porta com um olhar confuso em minha direção, sabia que ela podia ter alguma explicação, tinha que ter! Reparei que o olhar dela foi para a carta em minhas mãos, nessa hora seu olhar ficou irreconhecível, com uma aura que realmente me assustava.
— Sua curiosidade vai te matar um dia. — Suspirou estendendo a mão para que entregasse a carta.
Segurei com mais força a carta e em choque ainda me levantei da cama devagar ficando a frente dela, tentei falar algumas vezes mas o choque era tanto que me impedia de falar uma palavra, suspirei fundo sabendo que havia uma explicação.
— O que é isso? — Consigo perguntar.
— Pensei que soubesse ler. Me dê isso. — Diz rispidamente ainda com a mão estendida.
— Aemy, apenas diga que isso é uma brincadeira. Você não faria isso... — Digo rindo nervosa.
— Para de se fingir de idiota, isso me irrita. Tudo que está aí é verdade, e antes que me pergunte, não, não estou arrependida e não vou parar. — Responde desviando de mim e indo para o baú pegando uma bolsa de lado que estava pronta, e o baú vazio.
— Você disse que eu era sua família! — A lembro elevando um pouco minha voz e amassando a carta confusa e nervosa.
Aemy apenas riu com deboche, pegou a única coisa que havia no baú, uma capa preta e vestiu rapidamente colocando o capuz, os passos dela eram o único som que havia no quarto, quando ela voltou a minha frente vestindo a capa segurando o castiçal agora acesso e a bolsa lateral escondida pela capa, um sorriso irônico apareceu nos lábios dela conforme se aproximava do meu ouvido para sussurrar.
— Sim, eu disse isso porém... — Aemy riu baixo e aos poucos abria minha mão, pegando de vez o papel. — Nada é mais importante que minha família. Nada e ninguém.... Ninguém daqui e muito menos você é minha família! — Revelou se afastando para me encarar.
— Não... — Uma amargura subiu na minha garganta, parecia que iria vomitar.
— Foi bom brincar de casinha com você e em consideração a você, aconselho ficar fora do meu caminho ou irá se juntar a Elinor. — Avisa se aproximando da porta, parando ao colocar a mão na maçaneta. — Suma, Dea. Não queira estar aqui quando Nemesis chegar. — Sua voz soou amigável como antes.
Aemy simplesmente saiu pela porta, não conseguia chorar mas ao mesmo tempo não conseguia falar nada, só consegui sair correndo atrás de Aemy parando nos portões que separavam o castelo das casas dos lordes, consegui ver Aemy montando em um cavalo com outro cavalo ao lado montado por um estranho encapuzado, ambos saíram noite adentro sem olhar para trás.
— Aemy! — Grito na esperança que ela ouça mas a essa altura, não era mais possível.
Me ajoelhei sentindo pingos de chuva caindo sobre mim e logo a chuva forte começou a cair, encarei o céu sem saber como me sentir, só sabia que o gosto amargo estava tomando conta da minha boca fazendo que a sensação de um gosto doce jamais tivesse existido. Enquanto observava o céu, só conseguia lembrar de um trecho específico da carta.
"Já fizeram muito por este lugar, em breve estaremos chegando. Venham para mim, Megera e Tisífone."
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