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69 - Agitato

Agitato (ital.): indica que a música deve ser executada de forma agitada, transmitindo uma sensação de ansiedade ou agitação emocional.


Obviamente, depois de zero segundos pensando, Rick decidiu ir direto ao Johnny-John. Alugou um carro no aeroporto, enfiou a bagagem no porta-malas e dirigiu afoito até o local. Para si mesmo, ele dizia que precisava comer alguma coisa e rever o amigo.

Balela.

Rick pegou a Rodovia Ayrton Senna, que desemboca na pista expressa da Marginal Tietê. Era noite, chovia moderadamente e o tráfego de veículos era intenso como era de se esperar numa cidade que não dormia. Antes de acessar a ponte para sair da marginal, mandou uma mensagem a Júlio perguntando onde ele estava. Júlio respondeu prontamente.

"Tô no bar, ué. Por quê?"

Rick não respondeu. Só acelerou.

***

Sozinho na mesa de som, Júlio monitorava o áudio da nova banda, que fazia um teste para assumir as noites de quinta-feira no bar. Atualmente, a Banda Dropp só tocava às sextas-feiras, já que constantemente pipocavam convites para eventos fechados. Ele estava distraído, principalmente por causa da vocalista da banda.

A garota cantava bem, mas o que mais chamava a atenção de Júlio era a performance. Com os cabelos espetados num tom de rosa néon, ela trajava um vestido todo trançado preto que quase deixava ver os shortinhos minúsculos que ela usa por baixo, e uma meia-arrastão desaparecia sob a bota longa de salto que subia até acima do joelho. Júlio estava tão embasbacado que, quando Rick se aproximou e o cumprimentou, ele respondeu sem se dar conta de quem era.

— E aí? — Rick o saudou com os olhos no palco, o tom de voz era baixo, mas firme.

— Tá de boa...

— Eles são bons?

— O quê...? — Júlio finalmente olhou pro lado e, quando o reconheceu, quase saltou da cadeira. — Rick? — Sem constrangimento, ele se ergueu e envolveu o amigo num abraço apertado. Foi tão repentino que chegou a emocioná-lo.

— Caraca... não sabia que tinha feito tanta falta assim — Rick comentou, constrangido.

— Como assim, você volta pro Brasil e não avisa nada, porra?! Qual é o seu problema?

— Nem sei como cheguei aqui, pra te falar a verdade.

— O poder da sugestão, meu velho! — com um sorriso bobo nos lábios, Júlio movimentou as mãos em direção ao produtor como quem lança um feitiço.

Rick sorriu. Depois de tanto tempo, o sorriso se acomodou em seu rosto, confortável como no começo, antes de tudo dar errado. Ainda tocado pelo momento, ele voltou a abraçar Júlio.

— Obrigado, cara. Por tudo. Mas não vou te perdoar pelo vídeo, nem fodendo!

Júlio sentiu lágrimas nos olhos, porém era orgulhoso demais para esse tipo de coisa, então empurrou Rick e o enlaçou de lado, dando-lhe tapas nas costas.

— Para de frescura! Chegou quando?

— Exatamente agora.

— Veio direto pra cá?

— Vim.

Júlio percebeu que Rick olhava em volta, vasculhando, procurando mesmo tentando disfarçar.

— Ela não está, cara. Sinto muito.

— Ela não trabalha mais aqui? — Rick nem se deu ao trabalho de desconversar.

— Ela é gerente agora. Hoje é folga dela.

Metade da energia de Rick se esvaiu. Sim, ele estava feliz em ver o amigo, mas, no fundo...

Que fundo o quê! Bem descaradamente mesmo, o que ele queria era ver Duda.

Com a energia que evaporava, o cansaço recaiu mais pesado sobre ele. Como não havia o que fazer, ele decidiu pedir um petisco no bar, depois voltou à mesa de som para observar Júlio babando por causa da vocalista.

O teste da banda interessou Rick por razões diferentes às de Júlio. A banda nova tinha um som "cru", porém cheio de personalidade. Rick gostou principalmente do baterista, que tocava seco e firme, bem sincronizado com o contrabaixo. As composições podiam ser melhoradas; o guitarrista, um pouco tímido, não chegava a mostrar muito, e mostrar mais era essencial para uma banda de grunge, entretanto o conjunto todo o agradou.

— Gostei deles — comentou para Júlio.

— Promissor, não? Topa uma nova parceria?

— Não sei... nem cheguei direito e você já tá me empurrando pros seus rolos.

Júlio sorriu. No fundo, ele sabia que já tinha convencido Rick.

Eles continuaram analisando a banda até o término da apresentação. Antes de deixar a mesa de som para conversar com o grupo e possivelmente fechar o próximo show, Júlio se voltou para Rick.

— Tá ficando onde?

— Aqui, por enquanto. Depois ainda não sei. Minha bagagem ainda está no carro, acredita? Vou procurar um hotel.

— Você é doido, cara! Vai lá pra minha casa então, irmão. Amanhã você se ajeita.

— Pode ser...

Quando Júlio se afastou, Rick foi até o beco para fumar um cigarro. O local o preencheu com tantas lembranças que ele poderia escolher com qual delas viajaria embalado pela nicotina. Duda carregando o lixo? Definitivamente não. Ela vindo em sua direção com o botão da camisa aberto antes de devorá-lo com a boca? Sim, com certeza. Após o primeiro show, antes do noivado?

Melhor não. Essa lembrança machucava, e ele não aguentava mais sentir a mesma dor toda vez que se lembrava.

Distraído, ao final do primeiro cigarro, conferiu as horas no celular. 22h45. Sentiu o cansaço ainda mais pesado nos ombros, reflexo das longas horas de voo e da correria desenfreada desde que resolvera retornar ao Brasil. Decidiu acender apenas mais um cigarro, depois veria se esperaria Júlio ou se procuraria um hotel. Quando estava para guardar o celular no bolso, o aparelho vibrou com a chegada de uma mensagem. Ele olhou a tela despretensiosamente e, quando identificou o contato, perdeu completamente o ar.

Era uma mensagem... dela!

Depois de mais de dez meses, era a primeira mensagem que recebia dela.

Ele perdera a conta de quantas vezes começara a escrever um texto, depois apagara antes de enviar. Agora, Duda fazia o primeiro contato, e ele só sentia...

Medo.

Medo de ler a mensagem, medo do seu conteúdo, que podia ser qualquer coisa, talvez algo banal, talvez algo definitivo. Sem mais protelar, ele leu o texto.

Uma única linha, uma simples frase que continha tudo em si e era absolutamente definitiva, ao menos para ele:

"Eu faria qualquer coisa para que você estivesse aqui comigo."

Rick sentiu que o seu próprio coração não cabia mais no peito. Os olhos ficaram instantaneamente molhados de saudade, e agora a ansiedade era tanta que chegava a sufocar.

Se controla, caralho!

Como um raio, ele correu até Júlio.

— Onde a Duda tá morando?

Júlio se assustou com a mudança no comportamento do produtor. O homem havia saído calmo para fumar um cigarro e voltou igual a um maluco.

— Calma, cara! O que você andou fumando lá fora?

— Fala logo, porra! Onde ela tá?

— Não tá pensando em chegar assim do nada na casa dela, né?

Rick mostrou a tela do celular ao amigo, que compreendeu tudo. Enfim, uma janela, uma chance.

Júlio quase cantou um hino.

— Ela tá morando na casa dela, a que era do pai...

Rick nem esperou ele terminar; saiu disparado do bar enquanto o amigo sorria, maroto.

Hora de pegar a pipoca!

Após furar o trânsito local, Rick pegou a Marginal Tietê sentido Zona Leste. Olhou no painel do carro: 23h09. Sentiu os ombros queimarem de cansaço; a vista ardia, mas ele nem pensou em desistir. Não agora que sabia que ela o esperava, que o desejava por perto.

Não sabia o que o aguardava, nem se ela abriria a porta ou não. Talvez ela tenha lançado a frase no ar por saber que ele não estava por perto, só para torturá-lo.

Seria azar, uma puta sorte ou uma bela rasteira do destino? Mais uma vez, o universo conspirava para que ele tivesse recebido a mensagem há pouco, ou melhor, para que ela tivesse enviado a mensagem no exato momento em que ele podia, enfim, atender-lhe o desejo.

Impaciente, ele acelerou na pista expressa, chegando a ultrapassar o limite de velocidade de 90 Km/h nos trechos entre os radares de controle de velocidade. Uma leve chuva molhava a pista, e ele se concentrava nas lanternas traseiras dos veículos à sua frente. Contava os minutos; o painel do carro indicava a hora: 23h17, enquanto o velocímetro marcava 101 km/h.

Tirou o pé do acelerador.

Paciência, cara. Só mais uns minutos...

Concentrado nas placas, ele ajustou a rota para se desviar do acesso à Rodovia Presidente Dutra, quando de repente, uma Van mudou de pista sem sinalizar. A visão prejudicada pelo brilho das lanternas nas gotículas de chuva no para-brisas contribuiu para que seus olhos cansados não percebessem quando o veículo avançou a fim de pegar o acesso de última hora, fazendo a caminhonete à sua frente frear bruscamente.

Rick pisou no freio, mas a pista molhada fez os pneus derraparem. Quando percebeu que o carro não ia parar a tempo, ele tentou jogar o veículo para a esquerda na esperança de evitar uma colisão frontal, e foi então que o carro perdeu estabilidade por conta da velocidade, e girou.

A imagem da mureta de proteção se aproximando foi a última cena que ele registrou antes de ser atingido por uma massa branca e, finalmente, apagar.

***

Eu acredito em nosso destino,

não precisamos fingir.

É tudo que queremos ser.

Veja-me enlouquecer.

(Roots Bloody Roots — Sepultura)

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