Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

68 - Polirritmia

Polirritmia: existência de mais do que um ritmo diferente, tocados ao mesmo tempo.


— Não vai me convidar para entrar?

Duda sentiu o estômago revirado e a boca seca. Seria possível? Como?

— O que está fazendo aqui?

— Gostaria de conversar um pouco, se me deixar passar.

Duda refletiu; era tarde, não era bom que tivesse alguém em seu portão a essa hora. Apenas por esse motivo, ela destrancou a fechadura e permitiu que uma cópia mais velha de si mesma cruzasse a entrada.

A luz do quintal iluminava bem agora a tez clara, o corpo esguio, a estatura um pouco mais baixa e os cabelos vermelhos, um pouco mais escuros do que os de Duda. As linhas finas denunciavam sua idade, porém não comprometiam sua beleza. Duda não tinha nenhuma dúvida de quem ela era.

— Nossa, a casa ficou ótima! Não se parece em nada com a anterior.

— É a mesma casa, com uma nova maquiagem — Duda respondeu no modo automático. Estava tão passada que se esqueceu de pedir que Isadora entrasse na casa. A mulher o fez mesmo assim, como se a casa lhe pertencesse.

Pertenceu no passado. Não pertencia mais.

Duda a seguiu porta adentro enquanto Isadora inspecionava o local. Não havia muito o que olhar, na verdade. A mulher se curvou para acariciar as orelhas de Gato, que prontamente começou a esfregar o corpo peludo em suas pernas.

Ótimo, o gato já recebera mais carinho do que ela mesma em menos de cinco minutos. Duda queria gritar para que o felino tivesse compostura, mas a voz não saiu.

Isadora seguiu até a sala e se deteve, abismada, diante do piano. Duda notou quando ela empalideceu, os olhos brilharam com lágrimas reprimidas, e nesse momento, seu coração soltou mais um caco, que se espatifou no piso dos seus sonhos destruídos. Essa mulher, sua mãe, não demonstrou nenhuma emoção quando a viu, contudo, ao olhar o piano, ela reagiu como se tivesse deixado um bem precioso para trás.

Duda estava longe de valer tanto, sabia disso e já aceitara o fato há muito tempo. Mesmo assim, ter isso escancarado diante dos olhos fez doer, romper e sangrar a ferida mais cicatrizada de todas.

— Me desculpe te surpreender a essa hora. Sei que não foi educado da minha parte, mas eu precisava resolver essa pendência com você o quanto antes, não podia mais esperar.

— O que quer?

Tudo bem, eu estou esperando há mais de 20 anos, mas você acha que pode chegar aqui, me chamar de 'pendência' e me ferrar um pouco mais a qualquer hora. Vá em frente!

Obviamente Duda não externou seus pensamentos. O rancor voltou com gosto de fel em sua boca.

— Acho que você precisa saber de algumas coisas relacionadas ao nosso passado. Eu programei uma turnê no Brasil e resolvi aproveitar a estadia para encontrá-la e conversar.

— Um telefonema resolveria isso.

— Não! Eu queria... ver você. Não volto ao país desde que te deixei, desde que saí desta casa, talvez por isso não tenha vindo antes...

— Talvez?

— Sei que parece loucura, nos últimos tempos, tenho pensado muito nisso. Perdoe meu jeito afastado, não sei muito bem como fazer isso; mas, se puder dedicar um pouco do seu tempo, eu gostaria de conversar com você.

— Eu te convidaria para se sentar, mas como pode ver, não há muitas opções. – Duda tentou apelar para o sarcasmo, mas isso não arranhou a boa educação da mulher, que terminou por se acomodar no banco do piano. Duda passou por ela e se sentou no chão logo atrás, apoiada contra a parede. Não queria ter que olhar no rosto dela, não queria a ver nem sentir nada.

Só que, nesse momento, fragmentos voltaram à sua mente, resgatados pela imagem dos cabelos cacheados às costas da mulher, e dos braços apoiados ao piano. A lembrança teve o efeito de uma facada no peito, e lágrimas lhe subiram aos olhos. Nessa perspectiva, o quadro era igual, só que agora Duda não era uma criança, ela era uma adulta que passara a vida inteira esperando pelo amor da mãe e do pai. Ela não tivera nenhum dos dois e já havia aprendido a se virar sem isso, só que então essa mulher apareceu no meio da noite para destruir as barreiras que ela demorara tanto tempo construindo para se proteger.

— Eduarda, o que vou te contar é muito íntimo e doloroso. Sei que te fiz muito mal, não posso dizer que não foi minha intenção, pois sei que te prejudiquei quando fui embora, mas não imaginei que fosse tanto assim.

— Não sei se quero saber coisas íntimas sobre você. — Duda se lembrou das mensagens trocadas entre Rick e a mulher, e seu coração se encolheu ainda mais dentro do peito.

— Não importa. Eu vim aqui para isso. Enfim... você já deve imaginar que eu engravidei contra a minha vontade. Na verdade, eu praticamente fui abusada por aquele homem... o seu pai. Henry não me forçou, mas soube como fazer a coisa. No fim, depois de um tempo, eu estava segurando uma criança chorando, ao mesmo tempo que eu mesma chorava, querendo o colo da minha mãe...

Oh, coitadinha. Você também queria a mamãe? Eu deixei de querer isso há muito tempo! Por que não vai embora?

Duda tentava a todo custo conter o fluxo de emoções, raiva, tristeza, mágoa, rancor... não importava o que essa mulher dissesse, nada ia mudar, o tempo não ia voltar, então qual o objetivo de tudo isso a não ser roubar a sua paz, que já era tão frágil como um balão de São João subindo em meio a uma tempestade?

— Eu não tinha a menor condição, Eduarda. No começo, eu não pude ir embora, não consegui, porque tinha muito medo. Quando eu completei 18 anos, recebi um convite para tocar num trio de jazz. Eu sempre fui apaixonada por jazz, diferente de Henry, que sempre preferiu a música clássica.

Duda se perguntava por que a mulher não parava de falar. Não queria saber a história, não queria coisa alguma dela, no entanto ela continuava ali, os cabelos soltos nas costas, as mãos sobre o piano, ignorando-a do mesmo jeito que fazia quando Duda não passava de uma criança indefesa.

— Henry não se importou — Isadora seguiu relatando. — Ele me deixou participar de alguns ensaios e tocar uma noite por semana em uma pequena casa de shows na Zona Sul, o All Of Jazz. Eu me apliquei muito em aprender o estilo e toquei com esse grupo por dois anos, até que um dia eles receberam o convite para uma turnê na Europa. Sabe, antes de pensar em abandonar você e Henry, eu já sentia que tinha sido abandonada, pelo meu próprio pai, e parecia que fora do mundo da música e dos palcos, ninguém realmente me amava. Naquele dia, eu cheguei em casa, coloquei minhas roupas numa mochila, peguei meus documentos e fui encontrá-los no aeroporto. Eles financiaram minha passagem, então eu parti... e nunca mais voltei.

Duda demorou um tempo a responder. Seu coração estava esmagado pela constatação de que fora trocada por uma passagem de avião. Seria menos aterrador se houvesse outra razão que não fosse apenas um desejo egoísta de tocar fora do país?

— Você diz que tinha medo. Ele fazia algo contra você? — perguntou, enfim.

Isadora correu os dedos pelas teclas do piano, levou um tempo para responder, perdida em lembranças ruins. Duda percebeu que o piano se parecia muito com aqueles objetos genéricos e simbólicos que os terapeutas mantêm no consultório a fim de concentrar a atenção do paciente para facilitar o diálogo e a abertura emocional.

— Se ele fazia? Minha vida era um inferno, Eduarda. Eu não podia sair de casa, ele chegava a me trancar. A coisa só mudou quando eu comecei a tocar profissionalmente. Ele tinha um certo orgulho disso, porque alimentava o ego dele e, veja bem, isso era o que realmente importava, ele sempre vinha em primeiro lugar, a vontade dele, a fama dele... Eu saía muito pouco, mas tinha que cuidar de você, e morria de medo, porque, se fizesse algo errado com você, ele...

— Ele batia em você.

Isadora não precisou responder, Duda já tinha entendido tudo.

— Henry tinha um cuidado tão grande com você, como uma joia preciosa, e me culpava por qualquer deslize. Vocês dois se davam tão bem que eu sentia que não fazia parte daquilo. Inúmeras vezes antes de partir eu senti que minha presença era desnecessária, tanto para a você quanto para ele, um estorvo, uma mãe e esposa ruim, como Henry me fazia acreditar. Por isso eu nunca imaginei que, quando fosse embora, ele tornaria você um alvo dos maus-tratos que destinara a mim por cinco anos... Eu nunca pensei ser possível, Eduarda. Depois que fui embora, amadureci e aprendi um pouco mais sobre a vida, entendi que muito provavelmente Henry tinha algum tipo de transtorno bipolar, por isso os surtos psicóticos, os longos períodos de prostração, mas ele te amava muito, ao menos até eu partir...

Duda percebeu o remorso na voz da mulher, e a constatação a deixou cruelmente contente. Era bom saber que podia causar alguma reação na mãe, ainda que negativa. Talvez nunca conseguisse perdoá-la, mas saber que não fora abandonada por um simples capricho minimizava um pouco sua dor.

— Pelo jeito, você nunca soube o que eu passei nesta casa.

— Eu devia ter investigado? Sim — Isadora respondeu com a voz embargada. — Devia ter duvidado de Henry, que enviava relatórios de como você estava crescendo bem, apesar de eu ter sido uma péssima mãe abandonando a filha? Também devia ter tirado a limpo, mas eu procurei o caminho mais fácil para mim. Ainda assim, não pense por um segundo que cada maldito dia desses 20 anos eu não pensei em você. Eu realmente não sabia que Henry fazia o que fez contra você.

— Se soubesse, teria feito diferença?

Isadora pensou antes de responder. Percebeu que não sabia a resposta.

— Eu tinha muito medo de Henry, e isso talvez me bloqueasse por um tempo, mas imagino que, em algum momento, eu teria vindo em seu socorro. Não posso afirmar, eu tive depressão pós-parto, pensar em você era como estar me afogando num lago gelado, desculpe a minha franqueza, mas é a verdade, estou buscando ser honesta com você.

Que reconfortante...

— Certo. Agora que já sei a história, você pode ir embora. Como pode ver, não tenho nenhuma condição de receber visitas.

— Isso não é tudo, Eduarda... — Duda suspirou alto, indicando sua insatisfação. Isadora não se importou e seguiu falando — Embora você não tenha me perguntado como eu soube da sua história a essa altura da vida, eu preciso te contar.

Duda sentiu um frio na espinha. O desejo de se livrar da presença dessa mulher, que apenas por respirar o mesmo ar que ela tornava tudo mais doloroso, oscilou.

— Certo. Como soube, então?

— Rick. Ele me contou toda a história. A sua história.

Ah, claro. Pra você, ele contou alguma verdade.

— Não me interessa — retrucou, profundamente sentida. Tinha os olhos rasos d'água, o medo sufocava sua razão. Ela não queria ouvir nada sobre Rick e Isa. Ela não seria capaz de suportar a dor se essa mulher dissesse algo sobre ele, algo que ela não queria escutar enquanto vivesse. — Nada da história de vocês me interessa. Você pode ir embora agora?

— Espere, Eduarda. Preciso terminar. Por favor... — resignada, Duda fez um gesto para que Isadora continuasse. — Eu conheci Rick há mais de dois anos, na Irlanda. Inicialmente nosso contato foi estritamente profissional, depois nos tornamos bons amigos e não passou muito disso.

— Amigos que fodem. Sei.

— Não é bem assim. Foram pouquíssimas vezes, se quer saber, e estávamos bem embriagados quando aconteceu. Você é muito jovem, não vai entender isso agora, mas as coisas podem ser bem confusas no meio artístico. Minha relação com ele era casual, sem interesses em evoluir em qualquer nível além da amizade.

— Você está certa. Não vou, nem quero entender — respondeu Duda, enquanto uma lágrima furtiva escapava. Será que essa mulher não entendia o quanto aquilo a machucava ainda mais?

— Eduarda, me escuta, por favor. Rick ainda ama você. Ele foi uma das melhores pessoas que eu conheci na vida, e quero que você ao menos tente isolar por um momento o fato de que houve um envolvimento físico. Ele é um homem gentil e forte, que enfrentou os próprios traumas e se tornou alguém fora da curva. Não preciso expor as qualidades dele para você, certamente você as conheceu muito melhor do que eu.

— Qualidades e defeitos! Faltou dizer que ele é um mentiroso destruidor de corações.

— Não, Eduarda! Não pensa assim! Ele pode ter ocultado isso de você, mas certamente não foi com o intuito de destruir coração algum. Me surpreende você ter tido contato com a pessoa que ele realmente é e não ter percebido isso.

— Me surpreende você vir até aqui me dizer como eu devo me sentir acerca de qualquer coisa! — Duda se levantou, alterada, as defesas erguidas para se defender tanto dos próprios sentimentos quanto das palavras de Isadora.

— Ele teve medo. Ele nunca me disse, mas eu sei como é, e tenho certeza de que você também sabe, quando o medo é maior do que o bom-senso.

Duda se lembrou de todas as vezes que mentira sobre as surras do pai. Mas era diferente, não?

— Medo é medo, Eduarda! — Isadora continuou como se tivesse lido os pensamentos dela. — Ele nos transforma em uma caricatura, uma fotocópia corrompida do que somos. Ele molda nossas atitudes e nos transforma em sombras distorcidas. Se tem uma coisa que eu percebi é o quanto Rick ainda sofre pelo que fez a você. Ele passou meses na Irlanda sem nenhum contato comigo depois que retornou, só me procurou para contar a história.

— E pediu pra você me procurar?

— Ele não faz ideia de que eu estou aqui.

— Eu não sei. Não consigo acreditar em mais nada nessa história. — Mesmo machucada, uma parte dela desejava acreditar, como uma brisa de esperança, inoportuna e impossível de passar despercebida.

— Estou falando a verdade, Eduarda. Veja bem, da primeira vez que Rick morou na Irlanda e ficamos amigos, ele nem sequer fazia ideia de que você existia. Depois que eu mostrei aquele vídeo para ele, nunca mais ele me deixou me aproximar, nem mesmo para conversar. Ele me isolou, e tenho certeza de que foi por causa do vídeo, tanto que voltou ao Brasil só para te encontrar. Quando conversamos, ele deixou claro para mim que te procurou porque viu o quanto você era talentosa. Foi um misto de interesse profissional e preocupação, pelo fato de você ter sido abandonada, assim como ele foi. Ele queria te conhecer e te ajudar, e ele me garantiu que não pensava em você de outra maneira, até te conhecer. Leve isso em consideração. Não foi premeditado, nem mal-intencionado. Falei com ele há um mês, foi evidente que ele ainda não tinha superado você.

Duda sentiu as entranhas se contorcendo e as malditas e incontroláveis lágrimas continuaram correndo pelo rosto. Não queria mostrar vulnerabilidade frente à mulher que se dizia sua mãe, porém era tarde. A menção de Rick trouxe à tona todos os meses em que ela buscou em vão suprimir seus sentimentos por ele.

— Terminou? — Duda sussurrou, implorando aos Céus que a mulher fosse embora e a deixasse chorar as mágoas em paz.

— Terminei, sim, Eduarda. Terminei o que vim fazer aqui hoje. Mas, se você tiver algum interesse em continuar algo, me ligue. Esse é o meu telefone. — Isadora deixou um cartão de visitas sobre o tampo do piano. — Vou passar alguns meses no Brasil fazendo uma turnê com meu quarteto de jazz, mas você foi a razão de eu vir para cá, se quer saber. Ficaria feliz se aparecesse para assistir. Estaremos em São Paulo até o final do mês, e seu nome constará na lista, obviamente. Eu... — ela deu um longo suspiro e encarou a filha por alguns instantes, mas não recebeu seu olhar de volta. — Sei que é tarde demais para remediar o passado; eu realmente lamento muito tudo o que você passou e se pudesse, faria as coisas de modo diferente, mas isso é impossível. Ainda assim, se algum dia considerar um novo começo, se achar que eu mereço uma chance... talvez...

Isadora não completou a frase. Seus olhos se encheram de lágrimas e para disfarçar, deu as costas à filha e se encaminhou para o portão. Antes de sair, girou sobre os calcanhares e, então, os olhares se encontraram.

Um sentimento profundo nasceu no peito de Duda quando se viu refletida na mulher, como num buraco de minhoca. De repente, ela não queria que Isadora desaparecesse, como da primeira vez, quando ela não vira a mãe partir, só constatara sua falta ao procurá-la e não encontrá-la em parte alguma. A mãe a encarava, e vários sentimentos transitavam por sua face, até que, finalmente, nasceu um sorriso.

— Você ficou muito linda, Eduarda. Muito mesmo! E apesar de tudo o que viveu, se tornou uma mulher maravilhosa, claramente não graças a mim. Se houver algum espacinho no seu coração, eu esperarei, ok? Um boa noite, minha filha.

Com isso, Isadora deixou a casa.

Nesse momento, Duda se perguntou como a mulher sabia que ela estaria ali. Com a mente confusa e ferida como um corte cujos pontos se romperam, voltou para dentro, apagou todas as luzes, enfiou-se debaixo dos lençóis e chorou, chorou muito por Isadora, por si mesma e também por Rick. Imaginou que não haveria rio capaz de comportar tantas lágrimas, e o que teria que acontecer para tirá-la do buraco negro dessa vez se não havia mais ninguém por perto para salvá-la de si mesma.

***

Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia

Não encho mais a casa de alegria

Os anos se passaram enquanto eu dormia

E quem eu queria bem me esquecia

(Não vou Me Adaptar - Arnaldo Antunes)

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro