67 - Segno
Del Segno (D.S.): indica que o músico deve retornar ao ponto de segurança (segno) para repetir uma seção da música.
Rick caminhava pela ponte de desembarque com o coração ansioso. Dessa vez, ele não planejara muito bem a volta, não chegara a alugar uma moradia nem providenciara um automóvel. Ele apenas decidira e, em pouco tempo, se viu descendo do avião no Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos.
Sua bagagem composta por vários instrumentos e equipamentos chegaria dali a dois dias por meio de uma transportadora aérea, uma opção muito mais barata do que trazer tudo consigo no voo comercial. Ao menos teria esses dois dias para planejar onde iria ficar.
A decisão de voltar acontecera de um jeito tão inconsequente que, até o momento, Rick se perguntava como conseguira retornar tão rápido. Lembrava-se apenas de estar embriagado por ter consumido meia garrafa de whiskey, depois de ter visto os vídeos de Duda incontáveis vezes. No dia seguinte, acordou com ressaca e comprou a passagem. Só depois lhe ocorreu que precisava fazer a mudança, então correu para resolver o transporte do seu equipamento. Não chegou a avisar ninguém da decisão, nem as bandas que acompanhara em seu período na Irlanda, nem Júlio, seu único contato ativo no Brasil.
Agora ele precisava arrumar um lugar para tomar um banho, comer e descansar. Se contasse o tempo de voo, no qual ele não pregara o olho, e as horas antes de embarcar, ele estava há mais de 24 horas sem dormir. Sentia-se exausto e dolorido, as longas horas na classe econômica lhe esmigalharam a coluna e os joelhos.
Ainda assim, estava agitado. Ele observou as gotículas de chuva pontilhando as vidraças do saguão de desembarque e cogitou parar em algum quarto de hotel; mas, à medida que sentia a brisa úmida da noite primaveril, seu coração ficava mais acelerado. A ansiedade o impelia a, antes de tudo, aparecer no bar, fazer uma surpresa para o seu amigo e, de quebra, talvez vê-la, a sua fada. Com sorte, ela estaria sozinha, e com mais sorte ainda, talvez ela não o odiasse tanto agora e pudesse lhe dirigir um "boa-noite".
***
Duda acordou com uma luz no rosto. Era noite ainda; porém, em algum momento, a energia voltara, e as luzes, que mais cedo ela, inutilmente, tentara acionar pelo interruptor, agora brilhavam em toda a casa. Ao seu lado, o aparelho celular marcava 22h15. Ela sentiu uma leve dor de cabeça pelo pranto incontido antes de adormecer, então decidiu tomar o banho que não conseguira quando chegara.
No chuveiro, mais lágrimas. Ela se odiava quando ficava assim, desconsolada, descontrolada. Como seria bom poder apenas decidir ficar bem, remover o ranço da dor como a água lavava o suor do corpo, transpor esse rio de tristeza apenas com a força do pensamento. Poderia ser mais fácil, mas não era... Nunca era. Ela saiu do banho e voltou ao quarto, então pegou o celular e o segurou por um bom tempo, olhando a tela onde o contato de Rick a encarava de volta.
No canto superior, o relógio marcava 22h45. A foto do avatar mostrava o rosto de Rick apoiado ao braço de um contrabaixo. Ele tinha os cabelos soltos e um semblante sério tão sedutor que fazia o ventre de Duda tremular. Ela se aborreceu com o efeito que ele ainda causava nela, mesmo que estivesse sabe-se lá onde.
"Você era meu tudo quando era meu por inteiro, e agora eu sou só uma parte de mim. Você juntou meus pedaços e finalizou com uma peça e, quando partiu, levou-a consigo, deixando um buraco. Nunca nada vai durar aqui dentro, sempre vai vazar e vazar, até acabar..."
Duda digitou as palavras, e as apagou logo em seguida, do mesmo modo que vinha fazendo durante todos aqueles meses. Mais uma lágrima furtiva. Ela concluiu que nada curaria seu coração, talvez tivesse que fazer um transplante.
Inquieta, foi até a cozinha na busca de algo para comer. Enquanto degustava uma "empolgante" porção de picles, os olhos ainda na tela do celular, o peito dolorido, e a mente divagando, ela resolveu criar coragem. Abriu novamente o contato de Rick e lhe enviou uma mensagem, uma única frase, a mesma que esboçara meses a fio e que resumia sua existência até então. Não se importava agora com o efeito disso, afinal, ele estava do outro lado do planeta.
Mesmo assim, a dor não diminuía. Ela passou um tempo olhando para as duas barrinhas de mensagem recebida, e pensou em apagá-la, mas então Rick veria que a mensagem fora apagada.
Imaginou que, se ele respondesse qualquer coisa, ao menos um pedacinho dela pudesse parar de sofrer. O que ela não previu era que mandar a mensagem aumentaria sua ansiedade em muitos níveis; porque, agora, se ele não respondesse, a tristeza nunca mais iria embora.
Instantes depois, a campainha tocou. Achou estranho, já passava das 11h da noite, apenas Alex apareceria ali àquela hora, e ninguém mais tinha o endereço dela, exceto Júlio, que certamente estaria no bar.
Intrigada, foi até o portão e abriu uma portinhola a fim de identificar a visita inoportuna. Quando seus olhos encontraram os olhos de quem aguardava do lado de fora, seu mundo já ruído se despedaçou um pouco mais.
***
Passa nuvem negra, larga o dia
e vê se leva o mal que me arrasou
pra que não faça sofrer mais ninguém
Esse amor que é raro e é preciso
pra nos levantar me derrubou
Não sabe parar de crescer e doer
(Nuvem Negra — Djavan)
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