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56 - Fuzz

Atenção. O trecho a seguir possui tema sensível - violência e tentativa de suicídio. O objetivo do texto é narrar um contexto, não apoiar ou usar a violência como forma de entreter.

***

Fuzz (pedal de efeito): satura o sinal limpo da guitarra tornando o som mais "sujo". O resultado é um som caótico e agressivo.

Não há uma explicação plausível para os assuntos que são protelados, cuja resolução é adiada sem motivo aparente. Uns diriam que é porque se está esperando o momento certo, outros que não houve oportunidade.

Alguns minutos a mais ou a menos teria feito diferença? Talvez a hora planejada para dar fim às pendências da alma seja escorregadia como a morte, não importa o quanto se tente a evitar ou antecipar, ela chega de surpresa, como uma nuvem consegue bloquear o sol sem que ninguém antecipe a sombra, como a chuva cai a hora que quer, ainda que os instrumentos meteorológicos busquem antever o momento exato da precipitação.

O fato é que, não importa o quanto se tente enganar, quando não se vai a fundo para resolver as coisas, é porque nada será feito. A procrastinação está em esperar que as coisas se resolvam sozinhas como num passe de mágica. Quando se quer mudar de carreira, é comum esperar primeiro pela demissão, porque daí a culpa é do empregador. Quando se quer terminar um relacionamento, então vem a provocação até que o outro rompa, porque é mais fácil, dá para reclamar do outro, responsabilizar o outro.

Há quem consiga enfrentar a vida sem enganar, sem mentir. Há quem tenha essa coragem, mas não são todos. Muitas vezes, a sinceridade é fruto de um estiramento da alma desgastada demais para tentar um caminho diferente ou resignada demais para lutar por qualquer coisa.

Enfim, não há justificativa, a não ser o fato de que o ser humano é corrompido desde sempre, desde a mais tenra idade, quando faz travessuras escondido dos pais e, quando questionados, infantes teoricamente puros e livres de maldade, mentem, escondem, enganam e se fazem de vítima, lançando-se ao chão em birras prolongadas ou apenas encantando com sua capacidade irresistível de conquistar através de um olhar lacrimoso ou um beicinho caído.

As táticas vão mudando com o tempo, vão evoluindo. A birra dá lugar ao vitimismo, o encantamento dá lugar à sedução e, quando nada dá certo, uns optam por um caminho violento contra si ou contra outros, e alguns desistem e fogem para tentar de novo em outro lugar.

Ninguém aceita que recorreu a atalhos para tornar a trajetória mais fácil. Ninguém assume que abriu mão de artifícios para alcançar os objetivos, porque assumir algo assim é assumir a responsabilidade pelas consequências enfileiradas ao longo do caminho enquanto decisões duvidosas são tomadas. Quem diz que nunca mentiu, seja por omissão, ação ou retardamento, é o maior dos mentirosos.

Rick teve inúmeras oportunidades de contar a verdade. Desde o primeiro encontro, desde a primeira conversa. "Ei, Eduarda, você não vai acreditar, conheci sua mãe na Irlanda..." o diálogo poderia ter começado aí, e o que viesse depois, fossem traumas, desavenças ou a inevitável explosão de paixão que se seguiu, tudo isso existiria de um ponto fixo para frente, e a relação não teria sido construída em partes, em fragmentos soltos e frágeis como lençóis pendurados por prendedores vagabundos em meio a um vendaval.

No final, não importa o argumento, a razão ou o porquê. Não há justificativas para a mentira, e não existe força no mundo que faça o mentiroso resolver o problema por si só. Ele depende exclusivamente da boa vontade do que foi enganado, lesado e privado da verdade. Se o outro lado não puder entender e perdoar, então encerra-se o assunto, aceita-se a derrota e aprende-se a lição... ou não. Talvez seja possível fazer melhor da próxima vez, ou o ciclo se repita.

Um grão sob a sola do pé. Pequeno, quase imperceptível, ele não incomoda a princípio; mas, conforme o tempo vai passando, aquele grão se transforma num fragmento, que vira uma pedra, que termina em um problema insuportável. Quanto mais o tempo passa sem que se remova o fragmento, maior ele vai ficando, ainda que nunca tenha de fato mudado de tamanho.

Era assim que Rick via o impasse em contar sobre Isadora à Duda. Poderia agora fazer de conta que tudo era como no começo, quando um grão não passava de apenas um grão? Ele poderia até alegar que jamais imaginara que sua história com Duda chegaria ao ponto em que chegou. Isso não mudava em nada a proporção do tal grão.

Rick pensava nessas coisas enquanto observava a secadora de roupas fazer seu trabalho. Assim como a roupa girava caoticamente dentro da máquina, sua mente mimeticamente se revolvia. Ele sabia que era tarde demais. Toda sua insegurança e fragilidade, os efeitos físicos da fúria incontida, a repetição dos vícios e hábitos do passado, a tristeza, raiva e medo, tudo isso era resultado do buraco que a mentira foi fazendo em sua alma, desintegrando sua integridade, desconstruindo seu caráter, restando apenas o rascunho do homem que ele deveria ser.

Ele, de certo, culparia a mãe por se sentir abandonado, culparia o acaso, culparia Isa, Henry e qualquer outro na tentativa de se eximir da responsabilidade, afinal de contas, como dono da culpa, ele se acharia no direito de a transferir para quem quisesse, mas, no fundo, ele sabia ser o único culpado por tudo. Se conseguisse parar de mentir também para si mesmo, veria que essa era a grande e imutável verdade.

***

Duda apertava o aparelho entre os dedos úmidos a ponto de doer as juntas e embaçar a tela enquanto rolava o feed de mensagens.


Irlanda: "Ei Moreno, está fazendo o que agora? A fim de tomar um vinho?"

Rick: "Vinho com o que? Me deu uma fome..."

Irlanda: "Que horas você chega?"

Rick: "Daqui a meia hora termina aqui, depois dou uma passada aí"

[...]

Irlanda: "Ontem foi bom. Você vem hoje? Quero repetir aquilo..."

Rick: "Hoje não vai rolar"

[...]

Rick: "Estou chegando, tá a fim de beber alguma coisa?"

Irlanda: "Só se for você..."

[...]


Duda não podia mais enxergar as mensagens, pois seus olhos estavam cheios de lágrimas que a raiva impedia de correr livremente. Não eram tantas mensagens assim, na verdade, era tudo muito sucinto, quase leve, porém capaz de fazer um buraco numa superfície de puro aço. Ela passava o dedo pela tela sem conseguir ler, até que a sombra de um vídeo seguido por frases sem respostas chamou sua atenção.


Irlanda: "O que aconteceu? Por que não atende minhas ligações?"

Irlanda: "Você está com raiva de mim? Fiz alguma coisa?"

Irlanda: "Passa aqui mais tarde, vamos conversar"

Irlanda: "Rick, é por causa do vídeo? Você se sentiu ofendido?"

Rick: "Acho melhor a gente não se encontrar mais. Eu pretendo voltar para o Brasil em breve, vamos seguir em frente, cada um na sua, ok?"

Irlanda: "Não vai me dar nem uma foda de despedida?"


Duda soltou o aparelho, enojada. O celular foi ao chão num baque seco e alto. O mal-estar da madrugada não se comparava ao enjoo que ela sentia agora, porque era agudo, totalmente sentido pelo corpo, sem nenhum efeito entorpecente do álcool para aliviar. Ela respirou fundo tentando conter a náusea, e recuperou do chão o aparelho, que agora tinha uma fissura na tela. As últimas mensagens eram da madrugada em que passara com Rick no luxuoso hotel.


Irlanda: "Rick, tentei te ligar."

Irlanda: "Rick, por favor, retorne meu contato, preciso falar urgente com você!"

Irlanda: "Preciso que me ajude a encontrar a Eduarda..."


Na sequência, um link e ligações perdidas. Então foi assim que ele soube da morte de Henry... mentiroso do caralho! Com os dedos trêmulos, rolou o feed à procura de mais imagens, mas só encontrou o vídeo. Anestesiada pelo choque, pela constatação do tamanho da falácia que vivera desde sempre, decidiu assistir ao vídeo. Clicou na mídia, e a imagem dela mesma surgiu, em seu aniversário de quinze anos de idade, poucas horas antes de Henry invadir o quarto e estraçalhar o instrumento em seu lombo.

Duda sentiu a cabeça girar, o corpo chacoalhou, indômito. Os vampiros se reergueram em suas entranhas, famintos, devorando-a de dentro para fora, alucinadamente. O celular, agora tombado sobre o sofá, fazia soar a voz cristalina e juvenil.


Mean – Taylor Swift (texto em tradução livre)

"Você, com suas palavras como facas,

e espadas e armas que você usa contra mim

Você me colocou para baixo de novo, me fez sentir como um nada

Você, com sua voz como unhas arranhando um quadro-negro,

me xingando quando eu estou ferida

Você, implicando com os mais fracos [...]


Um suor frio cobriu a pele de Duda, o coração palpitava fora de ritmo, a respiração não encontrava o ar suficiente, não havia ar suficiente...


[...] Bem, você pode me derrubar com apenas um único golpe

mas você não sabe, o que você não sabe...

Um dia, estarei vivendo em uma cidade grande

e você continuará sendo totalmente cruel

Um dia serei grande o suficiente para você não conseguir me atingir

e você continuará sendo totalmente cruel

Por que você tem que ser tão cruel? [...]


Duda tentou puxar o ar. Estava alucinando; os vampiros conseguiram romper seu abdômen e desfilavam diante dela, fétidos, gosmentos, abocanhando seu corpo em todos os lugares ao mesmo tempo, como madeira estilhaçada penetrando sua carne e fazendo o sangue escorrer por seus cabelos.

Ela queria que a dor acabasse, ela não precisava mais sentir aquilo, então se arrastou até a cômoda mofada do seu quarto de paredes descascadas e recuperou o compasso separado para as aulas de Geometria. O compasso que ela nunca usara, porque as aulas eram fracas demais, o conteúdo não passava do plano cartesiano. Mas não importava, ela não ia mesmo voltar à escola.

Com a mesma força da dor que queimava sua cabeça agora encharcada de sangue, ela golpeou a veia do pulso e puxou o instrumento em direção a si, vendo a pele rasgar. Foi duro, foi difícil, ela precisou fazer muita força para concluir a missão. Uma dor sobrepujou a outra, como o sangue escuro sobrepujava o vivo, movendo-se em pulsos constantes, ritmados como um metrônomo, e um torpor a envolveu, um alívio bem-vindo que fez sua respiração rarear lentamente. Então, Alex entrou no quarto como um tornado...


[...] Você, com suas várias faces

e seu modo de levar a vida com mentiras e humilhação

Conseguiu apontar os meus defeitos novamente, como se eu já não os visse

Eu ando cabisbaixa tentando não te ver, pois nunca vou te impressionar

Eu só quero me sentir bem de novo...

Aposto que alguém já te intimidou, alguém te fez gelar,

mas o ciclo termina agora, você não pode me levar pelo mesmo caminho [...]


Duda esperou o momento em que finalmente o pulsar acabaria. Ela não queria mais ninguém marcando o tempo para ela. Ela queria tocar em outra pulsação, outro acento métrico. A fórmula de compasso deu errado, e ela não ia aprender isso na escola, porque não ia mais frequentar as aulas... Ela não ia descobrir a diferença entre o compasso que desenhava círculos e o compasso que definia o andamento da sua vida, mas... Rick estava sobre ela agora, amarrando seu braço com alguma coisa. Rick? Por que, Rick? Duda ainda não conhecia Rick... não foi Alex quem irrompeu no quarto há pouco?


[...] eu posso vê-lo daqui a alguns anos em um bar,

falando sobre um jogo de futebol

Com aquela mesma estrondosa opinião, mas ninguém está escutando

Cansado e resmungando sobre as mesmas coisas amargas

Bêbado e resmungando sobre como eu não sei cantar

Mas tudo que você é, é cruel, um mentiroso, e patético, e sozinho na vida

E cruel, cruel, cruel..."


Finalmente, a dor estava passando. Duda sentiu os vampiros, os estilhaços de madeira, Henry, Isadora, Alex, Rick, tudo orbitando ao seu redor, evaporando como a imagem de um projetor fora de foco. Aos poucos, a luz foi se apagando e tudo em volta começou a escurecer. Rick foi desaparecendo... ele continuava ali segurando-a, mas estava desaparecendo. O seu Rick, a quem ela amava, de quem dependia para respirar, ele nunca existira de fato, e estava se esfacelando e, com ele, o ar se foi e tudo foi ficando mais escuro, até que finalmente o breu assumiu a forma da existência.

***

Os pecados são todos meus

Deus sabe a minha confissão

Não há o que perdoar

Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão

Quem poderá fazer aquele amor morrer

Se o amor é como um grão?"

(Drão — Gilberto Gil)

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