30 - Acidente
Acidente Musical: sinal que muda a entoação de uma nota definindo se deverá soar um pouco mais aguda ou um pouco mais grave em relação à nota natural.
Mais uma vez, o Johnny-John começou a encher de gente antes de anoitecer. Às 19h a casa já estava lotada, e foi uma loucura dar conta de atender todo mundo. Duda não teve muito tempo para pensar em Rick, ao menos não até o começo do show.
Do balcão, ela pôde ouvir comentários sobre a troca de integrante. Rick ainda não tinha feito contrabaixo na banda, então a novidade causou um certo frenesi no público que costumava ir ao bar só para assistir à Dropp.
Nessa noite, a banda trouxe algumas novidades além de Rick no contrabaixo. Para começar, eles abriram o show com uma música autoral. O som original trouxe uma pegada bem "porrada" em um arranjo inédito e cheio de dinâmica. Quando Dani entrou cantando, e junto a ele, Rick soltou a voz num gutural, o público foi ao delírio, e Duda quase foi a óbito. A energia, a pulsação, a força da banda bateram com tudo contra o seu peito, fazendo o coração acelerar.
Foi então que ela entendeu por que o contrabaixo era o principal instrumento para Rick. O som dele era perfeito, preciso, pesado e profundo. As notas graves do baixo elétrico de cinco cordas sustentavam a banda e preenchiam tudo. Era extraordinariamente excitante, em todas as esferas.
Impressionada pela performance dos músicos e, principalmente, com a forma como Rick crescia no palco com os cabelos longos sobre o rosto, o jeito como ele apoiava o peso do corpo em uma das pernas flexionada à frente, enquanto a outra se dobrava para trás, o músculo do bíceps enaltecido pela curva do contrabaixo e pelo colete de couro, as correntes que pendiam sobre parte do peito nu, e o som arranhado da voz... Tudo isso junto fez com que Duda se afastasse completamente da realidade a ponto de não perceber quando um rapaz bêbado deixou cair um copo de vidro sobre o balcão. Enquanto ela estava vidrada na figura de Rick, sentiu uma fisgada de dor braço mas o ignorou quando seus olhos encontraram os dele. Ele sustentou o olhar do palco, e errou uma nota.
Rick nunca errava uma nota.
Quase ninguém notou, apenas Alex que o olhou de soslaio; e Duda, claro, porque estava distraída para todo resto, menos para ele. Ela percebeu que Rick não tirava os olhos dela agora, e uma ruga entre os olhos fazia ele parecer meio irritado, distraído, parecia... preocupado?
— Duda, o que aconteceu aqui? — era a voz de Jonas ao seu lado, chamando-a de volta à terra. Ela olhou para ele, depois para o balcão onde havia cacos de vidro espalhados e o fundo de um copo com uma ponta proeminente de onde pingava um líquido vermelho. Havia mais do líquido viscoso sobre o balcão.
— O que foi? — Ela observou o líquido, aturdida, até que sentiu que o fluido vermelho escorria do seu próprio braço onde a fisgada de dor persistia. Assim que o cérebro entendeu e se reconectou com o corpo, ela sentiu a dor aumentar e, junto da dor, um solavanco no estômago.
— Caralho, Duda! Você vai ter que levar pontos, venha aqui...
Jonas a puxou pelo braço ileso, afastando-a do balcão. Ela sentiu uma vertigem quando viu o sangue que escorria ao longo do antebraço até perto do pulso, encharcava as pulseiras, descia pela palma da mão até a ponta dos dedos e pingava no chão. Uma imagem distante voltou à sua memória como um chute no peito. Sentiu o ar fugir dos pulmões e a visão escurecer.
— Duda... você está bem? — Jonas se preocupou por vê-la pálida e trêmula — você tem problemas em ver sangue? Se acalma... tem muita gente que tem isso. Respira fundo, não olha pro braço...
Jonas usou um guardanapo de pano para enrolar o braço dela. O tecido rapidamente começou a ficar tingido de vermelho. Duda respirou fundo várias vezes, um exercício sugerido pelo terapeuta, e começou uma contagem regressiva a partir do número vinte.
Não era pânico de sangue. Não era isso o que fazia seu coração pulsar sem controle, o suor frio brotar em sua testa e o corpo enregelar como se a temperatura tivesse caído mais de dez graus. Precisava se lembrar que esse não era aquele sangue. Era outro, mais vivo, menos escuro.
Enquanto ela buscava se controlar, Jonas fez um telefonema. Uma pequena comoção ocorria em frente ao balcão enquanto alguns curiosos se aproximavam para ver a bartender sangrando, até que Júlio apareceu e dispersou todo mundo.
— Eita, porra! Vai ter que ir ao pronto-socorro. Jonas, vou ver se o Matteo tá na área pra te dar um help até eu voltar, tranquilo?
Matteo era o outro sócio do bar, um homem relativamente jovem, careca e de estrutura avantajada. Dificilmente ele aparecia no local durante os shows, pois costumava tratar dos assuntos burocráticos, preferindo às tardes para fazer a contabilidade com Júlio.
— Vem comigo — Júlio empurrou a multidão até a porta e a levou até um Porsche Carrera. Duda não ligava para carros nem se impressionava com essas marcas importadas, mas ficou profundamente preocupada em manchar de sangue qualquer coisa ali dentro. O cheiro já era caro, imagine o preço daquela coisa. Quando Júlio deu a partida no veículo e acelerou, aí sim, ela se impressionou. Inevitavelmente, comparou o ruído do motor e a maciez da aceleração a um solo de guitarra distorcida numa balada do Whitesnake.
Que delícia...
***
Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia
(Na Sua Estante - Pitty)
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