22 - Trítono
Trítono: intervalo de três tons cuja sonoridade causa um desconforto auditivo, uma espécie de tensão que obriga a execução de um acorde posterior que elimine essa tensão e cause a sensação de repouso. Pela dificuldade de entoação, era chamado na Época Medieval de "Diabolus in Musica".
Duda preparava uma Margarita quando Alex deu a volta ao balcão e a abraçou por trás, fazendo-a se mover ao ritmo da música. Jonas lhe lançou um olhar atravessado e o mandou se retirar de lá, então ele soltou Duda e abraçou Jonas, que tentou se desvencilhar, fingindo-se de bravo. Duda deu uma gargalhada e entregou a bebida a um dos clientes à sua frente.
— O que estão achando da banda? — ela perguntou ao casal.
— Muito boa! Nunca tinha vindo aqui, gostei muito da vibe! Os músicos são muito bons!
— É que você ainda não me ouviu tocar — Alex se intrometeu na conversa — , eu sou o guitarrista oficial da banda!
— É mesmo? — a garota se ajeitou no banco, para irritação do acompanhante.
— Alex, quanto você já bebeu? — Duda questionou, divertida. Fazia muito tempo que ela não o via tão animado.
— Não sei... Jonas, meu parceiro! Tá anotando aí?
— Claro que estou, e pelas minhas contas, você já perdeu três noites de cachê — o homem respondeu, ranzinza.
— Acho melhor você parar — Duda aconselhou, tirando o copo da mão do amigo, que protestou e tentou alcançar a bebida de volta.
— Para de ser chata! Eu fiquei três dias limpo, nem Coca-Cola eu tomava naquele sítio — ele conseguiu reaver o copo. Duda deu um tapa no braço dele, que revidou agarrando seu pulso e puxando-a para si. Ela ia responder, quando ele lhe tascou um beijo bem dado na boca —, eu tava com saudade dessa tua chatice!
Duda riu, sem graça. Às vezes ele fazia isso, cumprimentava-a com um selinho, coisa comum quando se tem muita intimidade com alguém. O beijo não teve nenhuma conotação sensual, nada disso, porém, no momento, ela se sentiu mal. Automaticamente, olhou para o palco e pegou Rick encarando-a.
Foi como se ela tivesse sido pega comendo os brigadeiros na véspera da festa de aniversário. A expressão dele não revelava nada, como sempre, e ela se convenceu de que não estava fazendo nada de errado, que a história dela com Alex já vinha de muito mais tempo e que Rick não tinha o direito de julgá-la e...
A quem está tentando enganar? Ela ficou com um certo pânico, sim, principalmente ao se ver procurando tantas justificativas para algo tão simples. Ela já tinha passado pela mesma situação com Enzo, quando obviamente escolheu o amigo no lugar do namorado, e esse foi o pivô da separação. Ela não queria imaginar uma situação similar com Rick, uma que tivesse que escolher entre um e outro, porque...
Porque não.
Resoluta, empurrou a preocupação para o fundo da consciência. Pensaria sobre isso mais tarde, afinal, a noite estava bombando e os clientes não paravam de pedir drinques.
Duda passou a maior parte do tempo seguinte de costas para o balcão preparando bebidas enquanto Jonas atendia o público, e quase não conseguiu assistir ao show, se contentando apenas a breves vislumbres, principalmente na hora dos solos de guitarra.
— Por que você não tocou hoje? — fez a pergunta a fim de distrair Alex, já que ele estava a ponto de arrumar confusão com o casal à sua frente porque não parava de xavecar a garota.
— Rick, o "fodão", falou que eu tenho que ensaiar antes. O cu dele! Toco nessa porra desde o começo, quem é ele pra decidir isso?
Duda ficou sentida com o comentário. Não era justo, afinal, todos vinham notando que a banda havia melhorado muito. E não era porque Rick, às vezes, tocava no lugar de Alex, mas sim porque o grupo estava muito mais sincronizado e os arranjos muito mais refinados.
— Para de ser babaca, Alex! Vê se cresce! – Ele olhou para ela surpreso, então deu uma gargalhada e a puxou para outro beijo. Ela o empurrou com raiva e se afastou — Babaca do caralho!
Finalmente, Alex saiu de perto do bar e foi se divertir em algum outro canto do salão, para alívio de todos. Ela sentiu um cansaço súbito, talvez por passar tantas horas inclinada na preparação de drinques, pelo volume alto da música, pela arrumação da casa e por ficar fornicando a noite toda. Só desejava deitar a cabeça no travesseiro e dormir muitas horas seguidas e, de preferência, com um Moreno ao seu lado. Desde que chegara com Alex, não conseguira conversar com Rick, pois ele passara o tempo todo enrolado com algo no palco. A banda estava terminando a última música quando ela observou, desanimada, o local apinhado de gente.
Isso ainda vai longe...
São Paulo era uma cidade esquisita. Dificilmente era possível prever quando um lugar estaria cheio ou vazio. O domingo costumava ser um dia tranquilo no Johnny-John; porém, nessa noite, o bar estava excepcionalmente lotado.
Ela seguiu preparando drinques e, num dado momento, viu Júlio, Nico, Rick e uma loira espetacular conversando na mesa de som. Sentiu-se melancólica, pois não podia se juntar a eles. A história com Rick nem chegava a ser algo de fato, e ela não sabia como se portar, nem o que podia ou não fazer com ele em público. Constatar isso amplificava ainda mais seu incômodo. Não via a hora de tudo acabar para finalmente conseguir mais um tempinho com ele e, se tivesse sorte, descobrir em que pé andavam as coisas.
***
Rick estava puto. Muito. Principalmente consigo mesmo. Tinha passado o dia na correria, de manhã fora trabalhar na gravação de algumas trilhas para uma vinheta, o que o manteve no estúdio de gravação até quase duas horas da tarde. Quando chegou em casa, só teve tempo de tomar um banho e separar o equipamento.
As pessoas imaginam que é só pegar uma guitarra, pôr nas costas e sair fazendo show, o que elas não sabem é que existe uma série de equipamentos que o guitarrista precisa carregar, como pedais de efeito, cabos, interfaces, uma parafernália de itens que só um músico entende.
Quando estava a caminho do Johnny-John, recebeu uma ligação de Alex perguntando se podia tocar. Obviamente, depois de ter perdido um tempão separando o equipamento, Rick sugeriu que ele tocasse no próximo fim de semana, assim poderia ensaiar os novos arranjos. O rapaz ficou contrariado, porém acabou aceitando.
Já no bar, houve um problema com a parte elétrica. A iluminação estava causando ruído nos amplificadores e Rick ficou debruçado com o técnico de som em cima disso um tempão, até isolar o problema, que não passava de uma tomada sem aterro.
Por conta disso, o show começou atrasado. A casa estava lotada e ele teve que ficar vendo Alex cercando Duda a noite toda. O que mais o irritou foi o fato de ela parecer bem mais feliz e radiante perto do guitarrista. Rick nunca a via assim e o fato de ficar irritado com isso o irritava ainda mais.
No intervalo do show, ele foi até o beco e chegou a fumar quatro cigarros seguidos. Enquanto tentava relaxar e esperava que Duda fosse até ele para um beijo, um abraço ou um afago, para sua surpresa, foi alguém do seu passado que apareceu por ali.
— Rick Moreno! Não posso acreditar!
Ela já o tinha visto no palco, por que a surpresa?
Mau-humor no beco: check.
— Vanessa... quanto tempo!
Ele procurou imprimir na voz um pouco mais de empolgação do que realmente sentia, afinal, ele estava esperando outra pessoa. Se Vanessa tivesse aparecido por ali há um mês ou qualquer outro dia que não fosse nesse fim de semana, ele estaria de boa. Mas não nessa noite.
Rick tivera um affair com Vanessa por algum tempo antes de deixar o Brasil. Era uma relação casual, eles se divertiam juntos, porém sem laços afetivos significativos. Tanto que, quando ele foi embora, a única queixa dela foi que ele poderia ter usado o dinheiro para levá-la também para fora do país.
Agora ela aparecia ali, do nada, com os cabelos platinados e lisos até o meio das costas, os seios de silicone, cílios falsos e maquiagem impecável, parecia uma Barbie empalhada. Sem ofensas, ela estava bem gostosa, e não é que ele não tinha olhos para esse tipo de beleza, ele só não curtia mais esse visual todo montado e artificial, embora no passado não tivesse sido um problema para ele. A impressão era que, se ele a tocasse com um pouco só de força, ela se partiria em pequenos pedaços por causa de tantas camadas de maquiagem e outros acessórios que ela usava para compor o visual.
— Senti sua falta! Você tava bem gostoso no palco — ela se insinuou.
Ele sorriu educadamente e deu a desculpa de voltar ao palco para se esquivar dela. Nesse meio tempo, Júlio encontrou com ela e garantiu que ela não fosse embora até o fim do show.
Rick começou a segunda entrada com os olhos no bar. Num dado momento, testemunhou um beijo entre Alex e Duda, e foi a gota d'água para ele. Alguma coisa se fechou em seu peito, causando um mal-estar generalizado. Já ouvira falar sobre ciúmes e sempre achara o sentimento algo completamente sem sentido, até essa noite.
Agora estava ali, cercado pela conversa fiada de Vanessa e Júlio, louco por um cigarro, louco para tirar Duda de trás daquele balcão e cheio de vontade de reafirmar sua posse sobre ela com uma rapidinha no banheiro ou em qualquer canto desse lugar.
Que machista de merda você é!
— Quer fumar? — Vanessa perguntou.
— Pode ser
Na verdade, não! Eu só queria ir embora desta bosta de lugar com a minha ruiva...
Eles foram até o beco. Vanessa pediu que ele acendesse o cigarro para ela, e então, se aproveitando da proximidade, ela se enfiou agilmente entre os braços dele e o beijou nos lábios.
Pego de surpresa, com um cigarro na mão e o isqueiro em outra, ele travou, e nesse momento, nesse exato e maldito momento, uma Duda que não tinha arrumado um fiapo de tempo para falar com ele a noite toda, se materializou no beco, bem atrás deles.
Puta merda!
***
Não existe amor em SP,
os bares estão cheios de almas tão vazias
A ganância vibra, a vaidade excita.
Devolva minha vida e morra afogada em teu próprio mar de fel.
Aqui ninguém vai pro céu
(Não Existe Amor Em SP - Criolo)
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