Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

2 - Marcato

Marcato (ital.): sinal usado para indicar que as notas musicais devem ser destacadas, como se fossem marteladas.

***

Duda desembarcou do Uber em frente ao edifício onde morava, próximo ao Metrô República e a locais conhecidos como as avenidas Ipiranga e São João. Não havia glamour ali a não ser o fato de que o lugar habitava nas canções de compositores famosos como Caetano Veloso, Rita Lee, Os Mutantes, Eduardo Duzek e tantos outros. Duda subiu os três lances de escada do prédio antigo até seu minúsculo apartamento.

Alguns chamavam isso de estúdio, nome chique dado aos espaços que não passavam de quitinetes de 20 a 30 metros quadrados na região central. Porém de chique não tinham nada a não ser o nome, já que os locais eram apenas moradia temporária de estudantes universitários, imigrantes, solitários de comportamento duvidoso ou simples jovens revoltados em transição entre sair da casa dos pais e voltar para lá.

Em frente ao edifício, como se fossem parte da construção, um tanto de gente se enfileirava na calçada: camelôs, moradores de rua, trabalhadores e desocupados. Durante o dia, a infindável quantidade de lojas atraía um enorme fluxo de pessoas, enquanto a noite abrigava usuários de drogas e sem-teto catadores de papel.

Apesar disso, a noite paulistana sempre impressionou por ser tão diversificada.Era gente do entretenimento: músicos, artistas, atores e dançarinos; gente que trabalhava de madrugada em drogarias, bares, boates, estacionamentos, restaurantes, postos de gasolina e hospitais. Gente de tudo o que era jeito, numa das capitais mais coloridas e heterogêneas do mundo, principalmente ali, no coração da cidade.

Duda destrancou a porta e se deparou com Alex estirado em seu sofá. Ele tinha a chave do apartamento, e não se dava ao trabalho de avisar quando ia passar por lá para dar um "oi" ou simplesmente para dormir na porcaria do seu sofá. Sem querer perder tempo com isso, ela foi direto tomar uma ducha. Falaria com ele em outro momento, agora só queria tomar um banho e, finalmente, dormir.

— Acorda, vagabundo! — Duda puxou a almofada debaixo da cabeça de Alex, fazendo-a bater contra o braço duro e puído do sofá vermelho. Já eram mais de oito horas da manhã e ela precisava sair.

— Ai... Mas que bosta, Duda!

— Vá lavar essa cara! O que veio fazer aqui?

Porra Duda, fica de boa! Só estiquei por aqui porque tava mais perto...

— Perto de onde? Da boca?

— Nada a ver! Eu tô limpo...

Duda o inspecionou atentamente. De fato, ele não estava com aquele aspecto doente de tempos atrás. Talvez só estivesse puxando fumo. Ela esperava que ele, ao menos, estivesse indo às reuniões de apoio da igreja, e que ficasse longe do crack, sua maior preocupação.

Alex era um rapaz loirinho de ar angelical, nem parecia já ter vinte e cinco anos de idade. O sorriso fácil e as tatuagens criativas costumavam atrair uma massa de garotas só para vê-lo palhetar riffs de guitarra distorcida durante os shows.

No entanto, ele estava longe de ser um anjo. A família havia desistido dele depois de inúmeras tentativas de fazê-lo trabalhar de verdade — porque para a família dele, ser músico não era trabalho. Como ele não quis cursar Economia, Administração ou qualquer uma dessas faculdades que, às vezes, apenas formavam futuros auxiliares de escritório meia-boca, botaram-no para fora de casa.

Claro que esse não foi o único motivo. Ele já havia passado da idade de resolver a própria vida, dava uma dor de cabeça interminável por causa do vício, sem contar o fato de ter crescido como filhinho de papai e ter a cabeça de um moleque de quinta-série. A soma de tudo isso deixara seus inflexíveis e intolerantes pais sem alternativa.

Ser forçado a encarar a vida adulta teria feito bem a Alex, se não fossem as fugas para cheirar o que não devia por aí.

— Ontem o Jonas reclamou da banda. Disse que o som tava estranho — Duda comentou enquanto preparava um café.

— E o que ele sabe sobre isso?

— Nada, mas ele também não é surdo. Dá para saber que o som não tá legal, Alex. O que deu em você?

— Eu ando preocupado, é isso.

— Tá precisando de alguma coisa? — Duda questionou, inquieta.

Alex deixara a casa dos pais há um bom tempo e não conseguia se firmar. Ela sabia o quão desafiador era viver de música, mesmo em grandes cidades como São Paulo, onde há muita oferta, mas também, muita gente que não entende de música fazendo música para quem não entende.

— Eu consegui mais uma escola de música para dar aula, o pagamento não é grande coisa, mas é uma grana a mais. Só precisa entrar mais alunos na escola, por enquanto só tenho um.

— Se precisar, me fala. Só não te quero dormindo no meu sofá.

Nem debaixo de algum viaduto.

Duda poderia dividir o apartamento com ele. Poderia, porém não queria. Já tentara uma vez e não dera certo, porque ela prezava muito pela privacidade e era chata demais!

— É sério, Duda! Eu não tô usando nada. Juro. Aquele dia que eu fiquei zoado foi o último dia. Eu fui às reuniões e tô levando a sério. O pessoal da igreja tá ajudando muito.

— Vou ligar pro pastor Pedro pra confirmar.

— Pode ligar! Eu quero mudar, Duda. Por você.

Por um instante, Duda ficou tocada. Alex era como um irmão, seu melhor amigo, mas não passava disso. Eles tinham uma longa história de cumplicidade e superação, algo que não se acha por aí, nem dentro da própria casa. Era certo que ela era meio bruta com ele, entretanto já tinha aguentado muito tranco por causa dos problemas que ele causava. Ambos estavam calejados, eles sabiam disso, e estava tudo bem.

— Ok, eu também te amo. Agora, chispa do meu sofá!

Ela esperou até que Alex saísse para trancar a porta, então caminharam lado a lado, em meio ao grande volume de camelôs e transeuntes, até a Galeria do Rock, famoso ponto de encontro para entusiastas da cultura alternativa na cidade de São Paulo. O centro comercial e cultural era um paraíso para os amantes do rock e suas vertentes, e era onde Duda trabalhava meio período em uma das lojas de vinis, CDs, DVDs e souvenirs. Mesmo parecendo algo ultrapassado, um bom público frequentava o local para garimpar produtos raros.

Ela não se importava em acumular dois empregos para pagar as próprias contas e ainda ajudar Alex, quando necessário. Na verdade, ela gostava de manter a mente e o corpo em atividade, assim não precisava pensar, apenas reagir. Fora assim desde que criara coragem para sair da casa do pai quando estava para completar dezoito anos de idade.

— Vocês têm o LP Kind of Blue do Miles Davis?

Por estar distraída com algo atrás do balcão, Duda se assustou com a pergunta feita por uma voz desconhecida. Intrigada, observou as costas do sujeito alto de jaqueta de couro que procurava entre os vinis o famoso álbum de jazz. Ele era enorme, nem por isso ela o tinha visto entrar na loja.

Ele não se deu ao trabalho de olhar para ela; continuou a busca, absorto. Ela reparou nos cabelos escuros, presos num coque frouxo no alto da cabeça; uma faixa dos fios da nuca eram raspados, e ali podia-se ver parte de uma tatuagem que descia pelo pescoço e desaparecia na gola da roupa.

— Três fileiras para a direita — ela o direcionou e se aproximou a fim de ajudá-lo. Só então ele interrompeu a busca e olhou para ela.

O olhar teve o efeito de um sopro quente. As íris do desconhecido possuíam um tom bem incomum, como mel silvestre estriado de musgo. Caramba..., pensou, surpresa.

— Me desculpe... Onde? — ele perguntou, com um meio sorriso.

— Aqui... — Ela foi até a gôndola onde estava o disco e o separou. Ainda constrangida pelo baque que a aparência do sujeito causava, entregou o álbum a ele.

— Ah, certo. Obrigado. — Sem deixar de encará-la, ele abriu ainda mais o sorriso.

Ela voltou ao caixa e, enquanto ele se demorava garimpando os vinis, ela apreciava a paisagem: pele bronzeada; alto e forte; barba curta em volta de lábios finos e sensuais; o nariz levemente convexo e o maxilar cinzelado lhe davam um ar de deus nórdico. Era possível ver tatuagens espalhadas no pescoço, na superfície das mãos e nos dedos, onde um pouco de pele aparecia.

Que espetáculo! Poderia ter um pôster dele em casa para alegrar suas noites solitárias, ah... com toda certeza poderia...

— Acho que isso é tudo. — O estranho se aproximou do caixa no mesmo passo silencioso que usara para entrar na loja. — Obrigado pela ajuda, hm... como posso chamá-la?

Pega de surpresa em meio às próprias fantasias, sentiu o rosto enrubescer.

— O quê? Ah, meu nome... é Duda.

— Duda! Muito obrigado. A gente se esbarra por aí.

— Até.

Ela o viu deixando a loja e soltou o ar, se dando conta de que ele nem falara o próprio nome.

Que idiota, você ficou parecendo um sorvete esquecido na mesa, toda derretida...

Devia ter perguntado o nome dele. Gostaria de ter assunto para puxar conversa, só para continuar olhando-o e ouvindo sua voz de chocolate quente. Seu fraco por cabeludos tatuados havia elencado o homem como um espécime além das expectativas!

Com um quase sorriso, se recompôs e pegou um livro atrás do balcão. Depois do breve encontro, ela ficou até um pouco mais feliz pelo resto do dia.

[...]

O roqueiro saiu da loja com um disco e um sorriso e, antes de partir, fez uma pausa para olhá-la mais uma vez do corredor.

O que uma mulher linda e talentosa como ela fazia numa galeria empoeirada no centro da cidade? Ele a tinha visto de relance na noite anterior, mas no escuro não dera para perceber tantos detalhes instigantes.

Ela tinha cabelos naturalmente alaranjados, ondulados e fartos, compridos até o meio das costas num corte que valorizava o volume das madeixas brilhantes. Os olhos claros e expressivos cujo tom transitava entre o nevoeiro e o aço, brilhavam no rosto salpicado de sardas, onde um nariz empinado denunciava um temperamento altivo e independente, de quem não levava desaforo para casa. Ela usava um piercing delicado no nariz e os braços estavam cobertos de pulseirinhas de couro. Os lábios rosados se curvavam numa sombra de sorriso enquanto ela lia.

Ela parecia uma imagem melancólica dessas santinhas de camafeu, e ele tinha suas próprias teorias sobre o porquê de ela parecer tão tristonha. Saber que teria a oportunidade de conhecê-la melhor era um desafio que o deixava ansioso.

Adoraria entender essa minha busca sem sentido.

Pensativo, deixou o local, saiu para a rua e, após alguns passos, desceu as escadarias de acesso ao Metrô Anhangabaú. Embarcou num trem e seguiu fazendo baldeações até, enfim, desembarcar na estação Sumaré.

Ali o clima continuava poluído, porém o ar era outro. A região, considerada nobre, ficava na Zona Oeste, num dos pontos mais altos da cidade, tanto geograficamente quanto culturalmente. A paisagem peculiar de céu recortado por antenas de transmissão contava com ruas sinuosas, inclinadas e repletas de árvores que abrigavam uma mistura de casas de alto padrão, vielas grafitadas, prédios baixos típicos dos anos 50, casinhas geminadas e pequenas vilas. Tudo isso junto contribuía para a singularidade e o charme de um dos lugares de maior diversidade na cidade.

Inadvertidamente, sua mente voltou à Duda. Eduarda Ferri. Ruiva, misteriosa e melancólica. Ela não fazia a menor ideia de quem ele era, nem do que estava fazendo por ali.

Ricardo Moreno, ou, como era conhecido no meio musical, Rick Moreno, morava numa cobertura próxima ao Metrô. Ele escolhera o local por ser próximo ao Johnny-John, bar onde ela trabalhava; contudo, antes de vir para tal região da cidade, ele sequer estava no país.

Fazia cinco anos que ele não voltava ao Brasil depois de ter deixado a casa dos avós para um "mochilão" na Europa. Viajara por várias cidades usando parte do dinheiro que conseguira do seguro de vida de sua mãe, que havia falecido deixando-lhe o suficiente para servir de band-aid sobre uma fratura de anos de abandono.

Divagava sobre os reais motivos para ter retornado quando desceu do elevador, direto na sala do próprio flat, então seguiu até uma vitrola para rodar o vinil recém-adquirido.

As notas agudas de um trompete preencheram o ambiente enquanto ele abria o MacBook para acessar a plataforma de gerenciamento de obras a fim de conferir os streamings da Gevecht, uma banda que ele havia produzido enquanto morava na Europa.

O som "porrada" da banda havia "estourado" e lhe rendera um bom dinhero, daí veio um contrato, depois outro, e várias bandas no mesmo estilo começaram a contactá-lo na esperança de que ele fizesse a produção dos seus álbuns.

Sua ascenção no mercado musical foi relativamente rápida depois disso. No momento, ele vivia em estabilidade financeira e emocional; bastava que se mantivesse assim, em equilíbrio.

Depois de conferir os números, enviou os relatórios por e-mail e então se esticou no sofá para se concentrar nos acordes dissonantes da banda do álbum de jazz que ele considerava um dos melhores dos últimos tempos.

Agora que ele estava de volta, novos desafios se apresentavam. Entre reestruturar sua carreira no Brasil e se reconectar com velhos amigos e artistas, ele acompanharia de perto a ruiva, afinal de contas, havia cruzado o oceano para encontrá-la.

***

As mina de Sampa são branquelas que só elas, pudera (...)

As mina de Sampa estão na moda,

na roda, no Rock, no enfoque...

(As Minas de Sampa – Rita Lee)

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro