5. don't call me angel
Nina não costumava frequentar festas como aquela.
Não havia um motivo específico para isso. Às vezes ela tinha outros planos para a noite, outras preferia eventos menores que tomavam lugar na área externa da sua casa da Alemanha onde ela podia se arrastar para a cama depois que todo mundo fosse embora.
Mas ela sabia reconhecer uma festa boa quando estava nela.
A casa de dois andares estava irreconhecível. Quase todos os móveis tinham sido retirados do térreo, dando espaço para barris de cerveja, um bar improvisado na cozinha e uma mesa para um DJ que tinha o cabelo descolorido. Estava lotada, mas o espaço era grande o suficiente para que as pessoas não estivessem desconfortáveis, espalhadas pelos três cômodos de baixo e pelo jardim iluminado por luzes de LED coloridas. A única restrição ficava na escada, protegida por uma corrente que ia de um lado para o outro e por uma folha de papel pendurada com um 'PROIBIDO' escrito em letras garrafais.
Esperava que eles tivessem trancado as portas. Aquela folha não proibiria muita coisa.
Já tinha aproveitado muito do open-bar, participado da competição de virar tequila que acontecia na cozinha e dançado na companhia de Liv. Um pouco de diversão era tudo o que ela precisava depois de uma semana corrida de privação de sono e rotina puxada.
Daria tranquilidade aos seus pais, também, que ficaram animados ao telefone quando Nina casualmente mencionou a festa de sábado a noite. Camille insistiu que ela fosse se divertir e 'usasse o vestido preto que nós compramos na última viagem', o que a mais nova negou no momento, mas acabou acatando no final do dia. Sabia que Cami só queria que ela aproveitasse um pouco a cidade e os novos ares que estavam ao seu redor, depois do semestre complicado que tivera em Dortmund.
Intimamente, era isso que Nina queria também. Era mais simples ignorar todos os seus problemas e acreditar que aquele era realmente um recomeço, longe de casa em um lugar onde ela teria uma segunda chance.
Parte da motivação para sua presença no open-house era essa, a outra tinha nome e sobrenome conhecido e estava no canto do que seria a sala de estar da casa, que agora dava lugar a uma pista de dança lotada.
— E você continua encarando — Olivia comentou no meio do seu falatório ao seguir o olhar de Nina, fazendo-a piscar distraidamente, sentindo suas bochechas esquentarem. — Você deveria ir até lá cumprimentá-lo. Ele a convidou, deve estar ansioso para encontrá-la.
Suas bochechas, nesse momento, ficaram ainda mais vermelhas. Ainda sentia dificuldade de falar sobre Leo Hawkins na frente de Liv e Claire e adicionar Gabe, o namorado da primeira, a esse grupo era como um pesadelo que ela se esforçaria para acordar. Deu de ombros, desconversando. Achava que observá-lo a distância era mais seguro. Seus planos em Silvermount de nada envolviam um jogador de hóquei astuto e perseguido pela professora de Econ121, por mais atraente e simpático que ele fosse.
— Hawkins? — Gabe questionou assim que seguiu o olhar das duas, arqueando as sobrancelhas quando Liv concordou. — Ele te convidou?
A surpresa do jogador de basquete era palpável. A pergunta não surpreendeu Nina, porém, já que Claire tivera a mesma reação quando ela falara sobre o convite assim que voltou a mesa no The Ivy House, se esforçando para disfarçar sua ansiedade. Tinha ficado sabendo pelas amigas que, diferente de Remi Vince, Leo Hawkins não costumava oferecer convites para aquela festa.
E, aparentemente, ele tinha aberto uma exceção para ela.
— Ele a convidou e eles passaram uns trinta segundos se comendo com os olhos no Ivy — Liv falou para o namorado, recebendo um olhar duro de Nina, que não sabia se podia ficar mais constrangida do que já estava. — O que? Você sabe que é verdade.
Não sabia o que exatamente ela queria dizer com 'se comer com os olhos', mas internamente sabia que algo do tipo tinha acontecido.
Nunca assumiria em voz alta.
— Liv só está exagerando — tratou de se recompor, dando de ombros. — Não é nada demais.
Tentou soar confiante, mas sabia que tinha uma ponta de receio em sua voz. A verdade era que ela não queria criar expectativas que alguma coisa iria acontecer entre ela e Leo, porque isso certamente acabaria com seu sono.
Nina gostava de ter controle sobre tudo em sua vida. Talvez esse fosse um dos motivos que explicava porque ela se esforçava tanto para ser bem sucedida na carreira dos seus sonhos: porque isso era algo que ela podia controlar. Relações, de certa forma, eram o completo oposto. E Nina Houston não estava em Silvermount para isso.
Não estava ali para perder o controle.
— Eu não estou exagerando, só acho que você vai precisar de um babador se continuar olhando por muito tempo — Liv arqueou uma das sobrancelhas provocativa, recebendo um rolar de olhos como resposta. — Mas, se você quiser, Gabe pode te apresentar a um amigo também. Se Hawkins não fizer nada hoje...
Nina negou antes mesmo que a amiga pudesse terminar a frase. Todos ainda pareciam encará-la como se ela fosse de outro mundo e não endereçavam segundos olhares em sua direção. Talvez tivessem algum problema com alunos de fora, ela pensou. Sabia que a Oak recebia poucos desses durante o ano e achou que isso seria bem casual, mas ela parecia se destacar de quem já estava lá há mais tempo.
E, ainda, havia Leo Hawkins.
O pensamento fez com que ela voltasse a olhar em sua direção, analisando-o com discrição enquanto ele parecia completamente alheio a sua presença daquela distância. O jogador dava risada enquanto participava de uma competição de dardos a serem arremessados em um alvo, que tinha como penalidade a desapropriação de uma peça de roupa entre os perdedores. Porém, para a tristeza de Nina, Leo continuava com todas as suas intocadas, eliminando mais um dos seus companheiros de time.
Se ela já tinha achado Leo atraente tendo a pior aula da sua vida, tinha que confessar que ele estava ainda melhor com um sorriso no rosto enquanto comemorava um dardo acertado na pontuação máxima. O que significava menos uma peça de roupa no outro homem que jogava com ele e que parecia ser um dos seus companheiros do hóquei. Nina não estava nem um pouco interessada em analisar os gominhos do jogador que tinha acabado de tirar a camisa e o fôlego de quem estava ao seu redor. Continuava com os olhos claros em Leo, assistindo-o jogar a cabeça para trás para dar risada enquanto parecia esperar outro adversário para competir contra ele.
Talvez Liv estivesse certa. Talvez ela pudesse ir até lá cumprimentá-lo, casualmente, fazê-lo notar sua presença...
— Leo Hawkins? — Gabe questionou novamente visivelmente confuso, com uma ruga entre suas sobrancelhas. Nina voltou a atenção a ele com a menção do nome conhecido, esperando que ele continuasse. — Vocês não ouviram falar sobre? Você não ouviu nada sobre?
Olhava diretamente para Nina ao repetir a primeira frase, não escondendo sua surpresa ao assistir a alemã negar firmemente com a cabeça.
— Bem... — Gabe pareceu escolher bem as palavras, receoso de como tudo soaria. — Tem um rumor sobre você e Remi Vince passeando pelo campus. Ninguém vai cruzar seu caminho, Nina, porque ele se certificou que seria o primeiro a fazer um movimento em sua direção.
A alemã não entendeu a informação de primeira mas percebeu, pela expressão desconfortável que surgiu no rosto de Liv, que aquilo não era uma coisa boa.
— O que você quis dizer com cruzar o meu caminho?
— Bem... Remi se certificou que todos mantivessem distância de você — Gabe explicou compassadamente, assistindo a expressão chocada ganhar o rosto da alemã. — Eu sei que não soa bem, mas...
— Deus, como eu não pensei nisso antes? Isso é tão a cara dele, a Claire vai...
— Ele fez o quê?
Nina não deixou que Liv terminasse seus devaneios. Em que mundo alternativo eles estavam que isso era aceitável?
Isso explicava porque quase ninguém ousava olhar na direção da novata. Já não seria fácil se adaptar a Oak graças a reputação que tinha pelo seu pai, mas obviamente seria impossível com um idiota como Remi Vince impedindo que as pessoas conversassem com ela.
Como se ela não pudesse ter escolha.
— O time de hóquei nunca iria atrás de alguém do interesse do capitão e, por mais que o time de futebol americano e eles não se entendam muito bem, Nate está lá então esse ano as coisas estão neutras — Gabe explicou, suspirando. — Vince deve tentar algo hoje.
— Mas foi Leo que a convidou... — Liv pareceu pensar em voz alta, fazendo o namorado negar com a cabeça.
— Todo mundo sabe que Remi está interessado, Liv. Hawkins deve ter feito isso para ajudar o amigo. Ele nunca ficaria no meio de Vince nessa.
A nova informação embrulhou o estômago de Nina. Tudo começava a se encaixar como peças de um quebra-cabeça que antes não fazia sentido. Os olhares cruzados no corredor, a simpatia de Leo, o convite inesperado e o distanciamento dele no open-house, tão alheio a sua presença como se nem a esperasse ali...
Tinha entendido tudo errado.
— Essa é a coisa mais infantil que eu já escutei na vida — Nina falou de uma vez, cruzando os braços. — Ele realmente acha que isso vai me deixar interessada?
— Bem, Clair tem um ponto quanto às decisões estúpidas dele...
— Só ignore, Nina — Gabe continuou, dando de ombros. — Não vale a pena. Ele é imaturo, já provou isso outras trezentas vezes e eu não faço ideia porque infernos Nate e Leo o suportam.
— Odeio falar de pessoas que não conheço o suficiente, mas Gabe tem razão — Liv concordou, colocando as duas mãos nos ombros de Nina enquanto olhava em seus olhos. — Ignore. Ele vai parar quando perceber que você não está interessada.
Mas aquele era um ponto muito sensível para Nina Houston-Löwe.
Ela não sabia ignorar.
Não conseguiria voltar a curtir a festa e aproveitar o open-bar sabendo que todo mundo ao seu redor não podia endereçar um olhar sequer em sua direção sem se tornar persona-non-grata para Remi Vince. A história continuaria a borbulhar na sua mente, ferver seus neurônios e endurecer seus músculos até que ela fosse falar diretamente com ele.
Era assim que funcionava desde quando Nina podia se recordar.
Quando era pequena e seu pai estava no final da carreira, não eram poucas as pessoas que comentavam sobre o declínio do rendimento de Marco Löwe e seu tendência de passar eras no departamento médico do clube que defendia. Todos pareciam ignorar, mas a Nina de dez anos cheia de personalidade achava que era muito mais justo acabar rolando na areia com um coleguinha que tinha feito um comentário ruim sobre seu pai.
O caso rendeu uma advertências e um encaminhamento para a psicóloga, mas essa era uma coisa que ela não conseguiu mudar com o tempo. Não conseguia ignorar.
Como infernos ela deveria seguir sua vida depois daquela nova informação?
— Eu o odeio — Nina anunciou após um tempo em silêncio, juntando as duas sobrancelhas grossas enquanto olhava por cima do seu ombro, procurando Remi Vince pelo lugar.
Ele estava a poucos passos de onde Leo arremessava dardos, comemorando mais uma vitória. Apoiado no balcão do bar e rodeado por várias pessoas, Remi olhava exatamente na sua direção e deu um sorriso convencido quando seus olhares se cruzaram.
Ele se engasgaria no próprio ego se dependesse de Nina Houston.
— Você está certa. Acho que vou dar um oi para Leo Hawkins — falou ao voltar o olhar para o casal, arqueando as sobrancelhas. — Talvez eu deva entrar no jogo.
— Por que eu tenho a sensação que você não vai apenas dar um oi? — Liv questionou, apertando os lábios em uma fina linha. — O que você está pensando em fazer, Nina?
A alemã deu de ombros, fingindo confusão antes que um sorriso enigmático escorregasse pelos seus lábios.
— Eu não estou pensando em nada — com um bico nos lábios, piscou em direção ao casal. — Eu só vou saber até que ponto a proibição de Remi se estende a Leo Hawkins.
Os dois se entreolharam na sua frente, mas antes que pudessem falar qualquer coisa Nina já havia dado as costas a eles e caminhava em direção ao lugar que Leo estava, abrindo um caminho entre as pessoas por onde passava.
Tudo fazia sentido agora. As meninas a encaravam com desgosto enquanto os meninos logo se afastavam, olhando ao redor como se quisessem se certificar que Remi não tinha percebido os dois centésimos de segundos que eles a admiraram, com uma desculpa pronta na ponta da língua se o capitão de hóquei flagrasse a situação.
Era patético, Nina pensou. O que infernos Remi Vince representava na Oak para ter tamanha importância?
— Procurando por um adversário á altura? — Nina falou assim que parou atrás de Leo, cruzando os braços de uma forma que valorizava seus seios, expostos pelo vestido. — Vamos jogar.
Hawkins congelou ao ouvir sua voz, deixando que o sorriso sumisse do seu rosto antes de se virar, reconhecendo a dona dela na sequência. Ele queria não ter tido uma reação tão idiota, mas foi inevitável impedir que seus olhos escuros descessem por todo o corpo desenhado pelo vestido escuro que vestia e demorassem no sorriso que ela tinha nos lábios de quem sabia exatamente o que estava fazendo.
O tipo irresistível de sorriso que ele percebeu que encaixava perfeitamente em Nina Houston.
— Você veio... — murmurou mais para si do que para ela, alto o suficiente para chegar em seus ouvidos.
Não tinha notado sua presença até aquela altura e, depois de alguns shots alcoólicos, resolveu que pararia de pensar na alemã. Ela era problema de Remi, como Leo repetia para si mesmo toda vez que a imagem de Nina cruzava seu pensamento, como se a repetição pudesse convencê-lo disso.
— Não pude ignorar seu convite — Nina respondeu como se fosse óbvio, dando de ombros. — Vamos jogar, Hawkins.
Levou um tempo para que Leo pudesse entender o que ela havia dito, como se tivesse feito em outra língua. Sua atenção estava muito focada nos cabelos loiros que escorriam pelos ombros, no vestido que acabava na metade das suas coxas e valorizava seus seios e no sorriso brilhante a um palmo do seu rosto.
Ele a encarou com as sobrancelhas arqueadas, formando uma ruga de preocupação entre elas, a mandíbula travada e não foi nem um pouco casual ao engolir em seco, fazendo seu pomo de adão subir e descer de forma notável. Desviou o olhar da alemã por um segundo para olhar na direção que ela sabia que Remi estava, cercado de três ou quatro amigos e duas meninas que, assim como ela, eram calouras.
Talvez aquela fosse a hora dele aparecer por ali.
— O que? — Nina provocou, fingindo não saber exatamente porque Leo Hawkins estava receoso de jogar um jogo que envolvia a perda de roupas com ela. — Não costuma jogar com garotas? Desculpa Hawkins, eu não vou aceitar um não como resposta.
— Eu só... Talvez nós não... Você acha...
Não conseguiu completar uma frase sequer. Enquanto procurava qualquer coisa útil para dizer e convencê-la que aquela era uma péssima ideia, Nina já havia caminhado até o alvo e retirado os dardos jogados por ele anteriormente, voltando com eles na mão e um sorriso malino no rosto de quem sabia exatamente o que estava fazendo.
— Pronto?
Posicionou-se ao lado de Leo e ele engoliu em seco mais uma vez, provando de uma vez por todas que pronto era exatamente o que ele não estava. Não deveria estar jogando aquele jogo com Nina, não deveria estar analisando que ela só vestia uma única peça, o vestido que definia bem seu corpo, e muito menos deveria estar imaginando como ela ficaria sem ele.
Era tão divertido ganhar dos seus companheiros de time até o momento que eles ficavam apenas de boxers e o jogo estava encerrado. Mas nem o pensamento de fazer isso com Nina era aceitável.
Desviou o olhar mais uma vez para Remi, quase como se pedisse permissão para estar na companhia dela. Sabia que era um gesto estúpido, que a maneira que Remi estava mantendo todos longe dela era mais estúpida ainda e que ela era a única que podia decidir com quem queria estar ou não, mas ele era seu amigo por tempo o suficiente para que ele retrocedesse com Nina.
Não valia a pena comprar aquela confusão. Ele e Remi tinham crescido juntos em Silvermount e passado por coisas demais para iniciarem uma disputa que não levaria a lugar nenhum. Apesar de ter algumas atitudes questionáveis, Nate e ele eram as únicas pessoas do mundo que Leo sabia que podia confiar sem amarras. Estariam ali se ele precisasse de um favor, qualquer fosse o tipo dele.
Se o preço para continuar sua amizade com Remi era se manter longe de Nina, era isso o que ele faria.
Aparentemente, só não naquela noite.
— Você pode começar — Nina voltou a falar para chamar sua atenção, entregando um dardo para ele antes que pudesse desistir. — Estou esperando.
Estava feito.
E ele estava fodido.
Pegou o dardo e ignorou o quão escorregadio o objeto parecia em suas mãos. Talvez estivesse suando em excesso pelo número de pessoas que haviam enfiado na sua sala ou, e essa era a hipótese mais aceitável, porque temia pelo o que aconteceria nos próximos minutos.
Fez seu lançamento e, da forma mais covarde possível, arremessou o dardo diretamente na parede. Não tão longe, para não parecer que tinha sido intencional — apesar de ter sido —, mas perto o suficiente para simular um nervosismo de principiante.
— Merda — murmurou frustrado, rezando para que tivesse soado convincente apesar do tom vacilante que tinha na voz. — Fora.
— Oh, Hawkins, pelo amor de Deus — respondeu enfurecida, rolando os olhos antes de pegar um dardo da pilha que tinha colocado em cima de um dos bistrôs. — Eu sei que você pode fazer melhor que isso.
E como se tivesse treinado aquilo por sua vida toda, Nina lançou um dardo que acertou perfeitamente o número 100 que ficava no centro do alvo. Cem pontos para Houston, zero para Hawkins, o que significava uma peça a menos para o último.
Graças a Deus, ele pensou. Ela era boa.
— Uau, não sabia que tínhamos uma profissional aqui.
— Tente crescer com quatro irmãos dentro de casa. Seus pais provavelmente vão inventar todas as brincadeiras possíveis para manter todos entretidos.
Falava com um tom de saudosismo que fez Leo imaginar como teria sido a infância de Nina na casa dos Houston-Löwe. Barulhenta. Calorosa também, apesar dele já ter escutado reclamações sobre a frieza dos alemães. Mas, com certeza, bem diferente da solidão que fora a sua.
— Sapatos não contam — Nina anunciou assim que percebeu que ele se apressou para pisar nos calcanhares para se desfazer dos tênis que calçava, cruzando os braços em sua direção. — As meias, no mínimo.
Se pensou alguma coisa naquele momento, não ousou retrucá-la. Fez exatamente o que ela disse e se desfez de suas meias, deixando-as no chão perto de onde estavam seus sapatos.
— Não acredito que estou seguindo suas regras — grunhiu mal humorado, apertando os olhos enquanto a observava sorrir.
— É assim que as coisas são, Hawkins. Se acostume.
O sorriso apareceu nos lábios do jogador antes que ele pudesse barrá-lo. Duvidava que houvesse outra pessoa como Nina Houston ali, que tinha a personalidade de uma brisa marítima que a qualquer momento podia se tornar um furacão.
Era confortável estar perto dela. Cheio de segundos olhares, sorrisos contidos e proposições audaciosas, Leo gostava de estar ao seu redor, por mais estranho que isso pudesse soar. Quando havia sido a última vez que alguém tinha o desafiado nos dardos e colocado uma regra sobre os sapatos?
Nunca. As coisas pareciam ser diferentes com Nina Houston-Löwe.
Pela presença da nova participante, uma pequena multidão se formou ao redor dos dois, garantindo torcida personalizada para cada um deles e plateia para o que se seguiria durante o resto da brincadeira. Remi endireitou sua coluna, de longe, apertando os olhos para poder acompanhar cada movimento de Nina e saber até onde ela levaria a competição.
Leo não quis deixar óbvio demais e, com certo receio, arremessou o próximo dardo para que ele atingisse o número 25.
Na sequência, Nina rolou os olhos com o resultado, não precisando de muito preparo antes de arremessar o seu no número 75, comemorando com um sorriso orgulhoso no rosto.
— Diga adeus ao seu casaco.
Mais uma peça foi ao chão e mais pessoas se juntaram para assistir o joguinho que envolvia Hawkins e a filha mais velha de Marco Löwe.
Mais uma rodada. Cinquenta para Leo e, novamente, um cem para Nina após um arremesso perfeito.
— A camisa...
Só anunciou com desinteresse na voz enquanto checava suas unhas e Leo seguiu seus comandos mais uma vez, suspirando pesadamente assim que se questionava mentalmente onde ele mesmo tinha entrado. Mais um arremesso ruim, e ele seria ruim, e suas calças se juntariam ao monte de roupas acumuladas ao chão.
Era comum que os caras terminassem de cueca naquele jogo, mas Hawkins nunca tinha chegado naquele ponto. Podia orgulhar-se ao dizer que era bom demais e até um desafio para quem ousava competir contra ele naquelas festas.
Mas tinha que ser ruim contra Nina. Mesmo que estivesse começando a confirmar que ela seria uma adversária à sua altura se não houvesse tanta gente ao seu redor na expectativa que ela se desfizesse da única peça de roupa em seu corpo.
Ela tentou disfarçar, mas levou os olhos claros até o corpo dele quando a gola passou pelos seus cabelos e a peça de roupa se juntou a pilha no chão. Leo tinha o corpo definido, assim como os outros jogadores que ele tinha competido em outras rodadas, mas a atenção dela se prendeu na mancha escura que havia em suas costelas e desaparecia no limite da sua calça.
Era de um amontoado de cores diferentes, mas podia dizer pela cor amarela em evidência que devia ser de alguns dias atrás. Em alguns lugares não havia mais rastro de sangue pisado, mas em outros, ainda roxos, o tecido ainda não tinha se recuperado da pancada que ele tinha levado ali, formando uma equimose que parecia dolorosa.
— Resultado de uma jogada de uns dias atrás — Leo explicou ao seguir o olhar nela até seu machucado, dando de ombros. — Nada demais.
A alemã ficou desconcertada, mas tentou evitar que ele percebesse que suas bochechas tinham ficado vermelhas ao ser pega no flagra, entregando o dardo na sua mão sem falar mais nada.
Seu plano quase perdeu o foco naquele momento. Queria provocar Leo, assistir a reação de Remi á tudo e no fim, com sorte, provar a ele que ela ficava com quem quisesse e o capitão de hóquei não tinha nada com isso.
Mas isso envolveria usar Leo, mesmo que de uma forma não tão nociva. E ao levar o olhar para ele, assistindo-o apertar os olhos para se concentrar enquanto mirava o alvo a alguns passos de distância dos dois, quase desistiu de tudo.
Por que você se importa? Repetia em sua cabeça, engolindo em seco assim que ele acertou o número cinquenta, levando a diversos murmúrios infelizes que seguiram de pessoas que sabiam que Leo era capaz de muito mais que isso.
Eu não me importo. O pensamento ressoou na sua cabeça enquanto tomava distância, travando a mandíbula. Eu não me importo.
Nina mirou o número cem, mas não com a força que usava antes. Na verdade, ela mal tinha se dedicado aquela jogada e, como previsto assim que ela soltou o objeto, o dardo não teve força para grudar no alvo e caiu no chão, assim como o primeiro de Leo.
Zero pontos para Nina Houston-Löwe naquela rodada.
Uma peça a menos para ela.
— Ops...
Como se soubesse exatamente o que estava fazendo e ao recuperar sua postura, Nina descalçou os sapatos e manteve um sorriso provocativo nos lábios, ignorando toda a multidão que a encarava ansiosa para saber seu próximo passo.
Seu foco estava preso em Leo. Mais especificamente nos olhos escuros dele que pareciam pretos devido a pouca iluminação do lugar, mas brilhavam como se ele estivesse de frente a algo que desejava muito.
Ele realmente desejava?
Não saberia responder. Mas aquele não era exatamente seu objetivo naquela noite.
— Você não precisa... — tentou argumentar mas Nina negou com a cabeça, interrompendo-o.
— Relaxe, Hawkins. É só um jogo.
Levou as mãos para baixo do vestido e, de repente, a sala toda perdeu o volume na cabeça de Leo. Tentou, mas não conseguiu não acompanhar os movimentos dela com o olhar, esquecendo Remi, a multidão e o jogo de uma vez só, trincando os dentes para evitar que ele ficasse duro no meio de todo mundo com uma cena simples como aquela.
Para o alívio de Leo e a surpresa de todos, a peça que ela tinha escolhido para desenrolar e tirar, juntando a pilha de roupas dele, era uma meia calça praticamente imperceptível embaixo do seu vestido. Por hora, o vestido e as roupas íntimas de Nina estavam intactas. Mas o olhar de desejo dele que ferveu em sua pele não poderia ser esquecido.
Como infernos a lembrança daquela cena o ajudaria a pensar com a cabeça de cima?
— Não quero mais jogar com você — Leo anunciou de uma vez ao puxar ar para dentro dos seus pulmões, jurando que escorria uma gota de suor pelas suas costas. — Acho que já tivemos demais por uma noite.
— Ah não, você vai desistir agora? Estava começando a ficar divertido — o tom era o mesmo de provocação de antes e Leo assentiu firme. — Ok, alguém quer tomar o lugar dele? Ainda tenho algumas peças sobrando...
Nina Houston-Löwe era inacreditável.
Foi a única coisa que se passou pela cabeça de Leo enquanto ele passava os olhos por cada um dos presentes que tinha a atenção nos dois desde que o jogo tinha começado. Sabia, por conhecer metade dos homens que estavam ali, que eles fariam de tudo para ganhar da alemã para descobrir até onde ela ia com a brincadeira de se desfazer das roupas, mas nenhum ousaria se pronunciar com o aviso de Remi rondando o campus.
Vince a queria. E esse era um caso perdido para qualquer outro.
— Talvez eu devesse me juntar a você.
Leo quase ficou aliviado quando notou a presença de Remi no meio dos telespectadores daquela brincadeira. Era óbvio que aquela era a hora que ele faria sua jogada, com uma multidão de prova e um desafio novo colocado em cima da mesa, exatamente como ele diria que gostava. Mas parte de Hawkins estava incomodado, com uma crescente chama invisível que ardia sem controle dentro de si.
Ele não queria que Vince continuasse o jogo que ele tinha começado com Nina.
Na verdade, não queria que ninguém tomasse o seu lugar.
— Eu estava me perguntando quando nos conheceríamos.
O ar que Leo nem sabia que segurava saiu dos seus pulmões assim que a voz de Nina se fez audível. Apesar da fala, ela não parecia muito contente em se deparar com os olhos claros de Remi, levantando um pouco mais seu queixo para compensar a diferença de altura entre eles.
— Pensava o mesmo — Remi anunciou, galanteador como sempre era, estampando um sorriso nos seus lábios que seria notado até por quem estivesse a quilômetros dali. — Ouvi muito sobre você, Nina Löwe.
A alemã estremeceu com o sobrenome do seu pai sendo dito em alto e bom tom. Era tão mais confortável quando Leo usava o Houston que ouvir Löwe retirou o sorriso do seu rosto por instantes, antes que ela recuperasse sua pose e voltasse a encarar Remi com um interesse fingido.
Óbvio que alguém como Remi estaria muito mais interessada no sobrenome do seu pai do que em qualquer outra coisa.
— Na verdade, eu também ouvi muito de você. — Cruzou os braços, apertando as sobrancelhas escuras enquanto o fitava com curiosidade. — Achei que Claire estava exagerando quando falou sobre você, mas ouvi algo aqui hoje que provou seu ponto.
Foi a vez de Remi estremecer, disfarçando a surpresa em ouvir o nome da irmã de Nate ao trocar o pé que apoiava o peso do seu corpo, desconfortável. Qualquer um teria deixado aquilo passar despercebido, mas Nina notou que tinha tocado em um ponto fraco de Remi Vince.
Talvez houvesse uma grande história ali.
Se ele soubesse que Nina e Claire se conheciam, definitivamente nunca teria feito um movimento.
— Devo confessar que não foi muito legal saber que você está estabelecendo limites sobre mim antes mesmo de me conhecer — continuou, já que não obteve nenhuma resposta além da corporal do capitão.
As sobrancelhas de Remi se levantaram em surpresa e não conteve a risada que fugiu dos seus lábios logo a seguir, deixando o clima estranho de antes para trás. A expressão que se seguiu no rosto da alemã, porém, não era de quem tinha acabado de ouvir uma piada.
— Esqueça isso — murmurou desinteressado, desviando o olhar da alemã enquanto procurava outro rosto conhecido ali. Se Claire e Nina se conheciam, havia uma chance da primeira estar ali. — Escute, Löwe...
— Escute, Vince — ela o interrompeu, levantando um dedo em sua direção. — Por causa da sua brincadeirinha, as meninas do campus parecem me odiar sem razão nenhuma e os meninos não tem coragem de trocar uma palavra comigo. Eu tive uma primeira semana de merda e você tem a audácia de me pedir para esquecer isso sem ouvir metade do que eu tenho para dizer...
Remi rolou os olhos, ansiando sair dali o mais rápido possível.
O que? Ele chamaria isso de código dos garotos.
E, sobre as garotas, ele não podia dizer que tinha uma culpa direta por isso.
— Você deveria se questionar se eu tenho interesse em ficar perto dessa sua aura tóxica de quem nunca recebeu um não na vida e acha que pode ter tudo que quiser antes de fazer isso. A resposta, se não tiver ficado óbvio até agora, é não.
Remi já tinha escutado muita coisa nos três anos na Oak e, apesar de poucos, algumas eram memoráveis.
A maioria das suas conversas com Claire Duncan ia pelo mesmo caminho desde que ele tinha derrotado ela em um prêmio de notas dois anos antes e eles tinham tido algumas discussões, mas ele já tinha chegado a uma fase que concordava em discordar e aceitar que ele e Clair nunca se acertariam.
Mas aquilo que Nina tinha acabado de dizer?
Legendário.
Porque tinha sido tão pontual que ele quase se sentiu ofendido.
— Porra, você fala como se não fosse exatamente igual — Remi falou sem alterar o tom de voz, procurando um rosto específico entre a multidão. — Como infernos é crescer com um pai que sempre te deu tudo? Você sabe como é isso, foi assim que você chegou até a Oak, certo? Na verdade, por que infernos você deixou a Alemanha pela América, Löwe? O que você tem guardado no armário?
Nina vacilou, mas ninguém percebeu. Ele não tinha como saber, falou para si mesma. Ninguém tinha como saber.
— Você não sabe nada sobre mim, Vince...
— Eu sei que você não parece tão diferente de mim — ele a ignorou, dando de ombros. — E que você não é quem convence a todos de ser. Eu consigo ver daqui.
A alemã sorriu dessa vez. Não era, mas tinha a convicção que seus segredos estavam bem escondidos e seguros longe de Remi Vince. Não havia uma sequer prova que ele pudesse encontrar pelo caminho que mancharia a imagem intacta que ela criou para Silvermount.
Tinha se certificado disso.
— É só isso que você tem? — fingiu surpresa, dando de ombros. — Esperava mais.
Remi travou a mandíbula ao encontrar exatamente quem procurava entre algumas pessoas desconhecidas que se amontoavam ao redor dos dois. Engoliu em seco, deixando seus lábios entreabertos enquanto tentava desvendar qual era o sentimento que estava expresso no rosto de Claire Duncan. Desgosto? Talvez. Desapontamento? Certamente.
O que ela estava fazendo ali? O que ela estava fazendo ali depois de tudo?
— Escute, Löwe — Remi tentou mais uma vez, suspirando fundo ao voltar o olhar para a alemã. — Eu não vou perder meu tempo com você. Você já deu seu recado, fique a vontade para ir embora agora. Da última vez que eu chequei, calouros precisavam de um convite para estar aqui e não tenho o mínimo interesse em mantê-la aqui.
Ela arqueou as sobrancelhas em surpresa, apertando os lábios em uma fina linha enquanto mais pessoas começavam a perceber que algo acontecia entre os dois e se aproximavam para escutar. A música, nesse momento, parecia distante e desinteressante.
Leo, a poucos passos dos dois, mal conseguia piscar. Por alguns momentos, quis intervir. Achou que Remi tinha sido baixo e pensou em retrucá-lo, mas desistiu antes que pudesse fazer algum movimento.
— Meu Deus, quantos anos você tem? — Nina deu risada antes de continuar, rolando os olhos. — Não foi nem você que me convidou.
Ela teve que dizer, levando seu olhar até Leo, buscando qualquer reação nele.
Naquele momento, queria que ele falasse alguma coisa. Qualquer coisa, por Deus, Nina pensou, mantendo os olhos verdes presos nele, implorando para que ele provasse que não tinha um ego tão grande quanto o de Remi.
Queria que Leo provasse que ela não tinha entendido tudo errado.
Mas ele não parecia disposto de sair de onde estava, apesar de ter os olhos escuros fixos nela como se quisesse dizer alguma coisa.
Algo que ele nunca chegou a dizer.
— Por que você acha que Hawkins te convidou, Nina? — era uma pergunta retórica e ela sabia que não precisava pensar muito para ter uma resposta.
Nem Remi parecia esperar uma, travando a mandíbula antes de abandonar o copo em cima do balcão que se apoiava e deixá-la sozinha, no meio de sussurros e cochichos de quem tinha acabado de prestigiar a discussão dos dois.
Nina queria retrucar, brigar e pedir para ele engolir todo aquele ego que tinha nas costas, mas sabia que não valia a pena. Vince vinha de muitos anos de soberania no campus, e podia apostar que ele sempre fora assim a sua vida inteira para ela tentar mudar isso em uma semana.
E conhecer aquele tipo de idiota não a chateava. Conhecia outras dezenas do mesmo tipo. O dinheiro e o poder costumava moldar aqueles idiotas muito bem.
Mas estar fodidamente errada sobre Leo a tirava do sério.
Endereçou um último olhar para ele antes de se mover de onde estava, assistindo-o desviar a atenção para os próprios pés, fingindo que não tinha nada com aquela discussão.
Fugindo do seu olhar, das respostas que ela procurava, de uma chance de provar que não era tão idiota quanto ela achava naquele momento e de explicar que o que ela viu no olhar dele quando se desfez de uma das suas roupas tinha tido algum significado.
Fugindo de complicar as coisas de uma vez. Mantendo-se na sua zona de conforto que nunca fora tão desconfortável como naquele momento.
Só voltou a levantar a cabeça quando percebeu que ela tinha dado as costas, ainda a tempo de assistir Nina Houston-Löwe deixar a casa com a pressa de quem tinha hora marcada para estar em outro lugar.
Convicto que fora naquele exato momento que ela decidiu que ele não valia a pena.
E vamos de mais um capítulo para vocês!!!! Esse, particularmente, eu reescrevi umas trinta vezes (juro). Tô trabalhando com capítulos mais curtos mas esse ficou e-nor-me (culpem Leo e Nina, quando eu vi os dois estavam jogando dardos sem autorização da autora hahaha), porém voltaremos ao padrão normal nos próximos. Teve muita coisa nesse capítulo e eu espero que vocês tenham gostado! Confesso que escrever essas ceninhas de Leo e Nina me divertem muito, mas também adoro poder jogar um pouco com Remi e Claire. Inclusive quero saber a opinião de vocês sobre tudo! Sobre nossos principais se bicando, sobre Nina e suas decisões questionáveis, sobre Remi ser um pé no saco (muita gente já conseguiu reconhecer isso no capítulo passado hahaha) e sobre sua relação difícil com a Clair.
Quero saber também se estão curtindo a história! Ainda fico muito insegura sobre tudo, mas sigo firme tentando dar algo legal para vocês lerem durante esse tempo difícil (e para me distrair também). Espero que todos estejam seguros e saudáveis ❤
Para reclamações/dúvidas/critícas/sugestões/surtos/devoluções, me encontrem no twitter (lulissx).
Até a próxima!
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