19. are you scared of what's to come?
*Esse capítulo tem uma descrição de uma ataque de pânico. Se não se sentir confortável com o conteúdo, recomendo que pule a parte final do capítulo*
O cenário da confusão já estava formado quando Nina e Leo chegaram até o local, menos de quinze minutos depois da ligação de Olivia.
A porta da entrada estava escancarada. Remi estava sentado no sofá, com sangue escorrendo do seu supercílio aberto enquanto ele mantinha sua cabeça erguida para não manchar o tecido claro da sua blusa. Liv estava parada na escada com o celular em uma das mãos enquanto acabava com as unhas da outra. De longe podiam escutar os apelos de Claire que vinham do andar de cima.
Além disso, havia trejeitos da confusão espalhados por toda a sala de estar. Cacos de vidro espalhados pelo chão, o espelho da parede de entrada em pedaços e três jogadores do time parados perto da entrada, com os braços cruzados e os semblantes preocupados.
Leo tinha o olhar espalhado por toda parte quando entrou em casa, seguido de perto por Nina. O jogador apontou para todo o vidro espalhado pelo chão para que a alemã não pisasse no lugar errado, guiando-a pela base das suas costas em um trajeto que suas mãos tinham feito outrora em um contexto completamente diferente daquele. Ele, particularmente, ainda queria estar preso naquela lavanderia fazendo aquele e outros caminhos pelo corpo dela, mas deixaria para xingar os amigos em outro momento.
Remi arqueou as sobrancelhas em curiosidade ao notar o gesto, deixando um sorriso indecente escapar dos seus lábios finos. Ah, ele sabia exatamente o que tinha acontecido ali.
— Que porra é essa? — Leo perguntou assim que chegou perto de Remi, colocando as mãos na cintura enquanto avaliava toda a situação. — Vocês estão destruindo a casa quando eu não estou presente agora?
— Sim, não conseguimos nos controlar — Remi usou de toda sua ironia para responder, angulando ainda mais o rosto assim que notou uma gota de sangue escorrer pela sua pele. — Ah, caralho. O que eu posso fazer quanto a isso?
Apontou, da forma que podia, para a sobrancelha cortada. Ficaria uma cicatriz por ali, para dizer o mínimo. O hematoma que se formaria no dia seguinte muito provavelmente impediria Vince de enxergar com o olho direito por alguns dias.
— Você precisa colocar alguma coisa aí — Nina murmurou, olhando por um instante para Remi antes de correr na cozinha, voltando com um saco de gelo e um pano de prato. — Vai doer, mas vai doer ainda mais se você não colocar nada. Acredite em mim.
A alemã se sentou ao lado de Remi antes de enrolar o gelo no pano e pressionar — nada delicadamente — no olho machucado do jogador. Quando a superfície gelada encostou no corte, Remi grunhiu de dor como uma criança pequena, com o diferencial de ter usado todas as palavras feias que conhecia para amaldiçoar a ação entredentes.
— Você pode ser menos violenta? — questionou, abafando um murmúrio de dor quando Nina apertou ainda mais o gelo contra seu rosto. — Porra Houston, eu tô falando sério. Nós já fizemos as pazes, não é?
Leo segurou o riso quando Remi terminou de falar, negando com a cabeça no momento que Nina olhou para trás procurando-o.
— Aposto que você está me castigando por ter estragado a noite de vocês dois. Aliás, como foi?
— Cale a boca, Remi — Leo o repreendeu, cruzando os braços. Foi a vez de Nina prender uma risada, achando extremamente adorável a forma que ele tinha ficado sem graça com a fala de Vince. Não deixou de notar, porém, o quão bem os braços dele ficavam daquela forma e em como ela se sentiu quando eles estavam ao seu redor. — Não é da sua conta.
— Então vocês finalmente se beijaram? — Liv falou alto, do outro lado da sala. — Não que eu precise perguntar, a tinta que deveria estar no rosto da Nina está toda no rosto do Leo, então eu acredito que a língua dela também esteve em outro lugar...
— Pelo amor de Deus, Liv — Nina a impediu de continuar, arqueando as sobrancelhas em sua direção. — Será que vocês podem falar o que aconteceu aqui e pararem de falar sobre a nossa vida?
— Nossa vida — Remi murmurou sozinho, levando o olhar em direção a Leo. — Ela já está falando no plural, Leo, então eu acho que é real...
— O que aconteceu? — Hawkins questionou, ignorando a brincadeira de Remi. Sabia que ele estava falando isso só para não piorar uma situação que, pelo cenário, já estava péssima. — Nate está lá em cima?
Olivia pensou em responder, mas se calou assim que percebeu que aquela era uma situação delicada e a história não era sua para contar. Voltou a roer suas unhas pintadas de azul, arqueando as sobrancelhas enquanto esperava a resposta vir de Remi.
Esse, por fim, suspirou pesadamente ao perceber que não tinha como fugir da verdade. Não conseguiria mais fugir ou esconder — sua vida inteira — por muito tempo. Seria só a ponta do iceberg que em breve se revelaria por si só: sua infância complicada, a forma que seu pai friamente o colocou em um reformatório cruel, a perda da única pessoa que o conhecera de verdade e a abdicação da chance de sentir algo novamente que tivera no primeiro ano de faculdade. Sua chance com Claire.
— Nate sabe sobre a Claire — falou de uma vez, travando a mandíbula marcada. — Não sei como e não me importo mais, na verdade. Mas ele perdeu a cabeça.
— Nate te bateu? — Leo perguntou, incrédulo. Em dois anos, nunca tinha visto Nate nem levantar a voz. — Nate Duncan te socou?
— Eu realmente preciso responder essa pergunta?
O tom de voz que Remi usava era contido, mas nesse momento suas narinas se inflaram por um instante. Não estava chateado pela maneira que Nate tinha agido. Ele teria feito a mesma coisa se estivesse no seu lugar. Estava chateado — muito mais — com si mesmo. Por ter feito um dos seus poucos amigos de verdade ser obrigado a socá-lo pela sua junção de atitudes idiotas.
Nem tentou se defender ou revidar, quando aconteceu. A sala estava lotada, estavam em um esquenta para uma festa que aconteceria mais tarde na cidade. Em um segundo, Remi fazia alguma brincadeira sobre o jogo que alguns caras do time disputavam no vídeo game, no outro ele já estava sendo jogado contra o espelho da sala por Nate.
Não entendeu nada de primeira. Foi só pouco antes do soco — que Nate foi delicado o suficiente para avisá-lo que ia fazer isso antes de socá-lo — que conseguiu compreender o que o amigo dizia. 'Ela é minha irmã, seu filho da puta' fora a frase repetida mais de cinco vezes durante o confronto que só teve um lutador. Remi era só o saco de pancada. Se fosse suficiente para pagar seus pecados, desejou receber mais alguns socos como aquele que colocaria fim da sua inexistente carreira de modelo — a segunda opção que nunca pensou em seguir, mas que sempre esteve à disposição pela fama da sua mãe.
Não teve tempo de explicar nada, nem sabia o que dizer quando Nate disparou para seu quarto, batendo portas pelo caminho. Ligou para Claire assim que parou de hiperventilar, suspirando aliviado quando percebeu que ela ainda tinha seu número salvo. No instante seguinte ela chegou para esmurrar a porta do irmão que se negava a vê-la por ter escondido aquele segredo dele.
Aquela era a história da grande confusão. Os caras do time que estavam na porta eram os responsáveis por ter tirado Nate de cima de Remi. O espelho tinha quebrado quando Remi fora pressionado com tudo contra ele. O resto do vidro ou era da garrafa de Remi segurava ou do estrago que a raiva de Nate fez no caminho até seu quarto.
— Que merda — Leo limitou-se a dizer, engolindo em seco quando viu Vince assentir. Merda era melhor palavra para descrever aquela situação. Dizer que tudo ia ficar bem seria uma mentira que Leo não podia contar. — Deixe ele esfriar a cabeça. Não vai sair nada bom dessa situação agora.
— Eu vou deixar e acho que ele está indo até a Sophie — Remi concordou, suspirando. — Talvez seja o melhor. Ele vai voltar com um humor melhor depois de vê-la. Olhe só pra você, está brilhando como um idiota depois de uma noite com a Nina.
Nesse momento, a alemã aproveitou para apertar ainda mais o gelo contra o corte de Remi, fazendo-o grunhir de dor pela brincadeira fora de hora.
— Solta isso, Houston. Você tá me castigando mais do que ajudando aqui.
Roubou o pano de prato da mão dela, colocando-o com muita mais delicadeza no próprio rosto. A sensação do gelo — agora — era muito satisfatória, aliviando a pulsação que o hematoma começava a propagar pela sua cabeça.
— E a Clair? — Nina perguntou, andando até onde Liv estava parada, recebendo um aceno em negação como resposta. — O Nate também não quer falar com ela?
— Ele não quer conversar com ninguém — Liv respondeu, apertando os lábios em uma fina linha enquanto trocava o peso do corpo entre suas pernas. — E Claire não quer deixá-lo dirigir dessa forma. Acho que eles vão acabar indo para casa juntos.
— Talvez seja o melhor — Nina tentou melhorar o clima, fazendo uma careta quando percebeu que suas palavras não mudaram nada no ambiente da cena. — Nós deveríamos ir lá em cima tentar falar com ela?
— Não acho que seja ideal — Liv murmurou, tensa. Estava na escada justamente depois de Claire implorar para ela não deixar ninguém subir. Nem ela, nem Remi, nem os novos presentes. — Vamos esperar um pouco.
Nina assentiu, buscando o olhar de Leo no meio daquela confusão. Não queria estar ali. Não conseguia não se sentir como uma intrusa no meio da cena. Os outros se conheciam há muito mais tempo e apesar dela saber da história completa — ou a parte que Claire se sentia a vontade de dividir com as pessoas — só estava em Silvermount há poucos meses. Abraçou o próprio corpo, desconfortável. Ainda vestia um dos casacos de Leo que fora esquecido no Jeep por cima da sua jersey. Estava frio — congelando, para falar a verdade — mas ela só percebeu isso quando já estava fora de casa.
As batidas na porta de madeira cessaram e, dois instantes depois, Nate desceu pela escada batendo os pés. Claire vinha em seu encalço, segurando-o pela jaqueta e fazendo o máximo para acompanhar seus passos apressados. Nada fora dito durante todo esse momento e, da mesma forma que ele aparecera no topo dos degraus, desaparecera pela porta principal da casa que dividia com os meninos, sem lançar nenhum olhar em direção a eles.
Claire o seguiu e logo conseguiram ouvir o som do seu carro dando partida, cantando pneu para longe daquela avenida pouco movimentada de Silvermount. Deixando para trás um silêncio constrangedor, o ambiente destroçado e os quatro presentes que se olhavam em curiosidade.
Não seria naquela noite que as coisas seriam resolvidas. Para Remi talvez levaria sua vida inteira.
— Acho que essa é nossa deixa — Liv falou, pigarreando para tornar sua voz mais firme. — Quer uma carona, Nina?
Leo desviou o olhar para ela, escondendo toda sua frustração quando viu a alemã assentir. Fazia sentido ela ir para casa, o clima de antes tinha evaporado como uma gota d'água em contato com uma chapa quente. Mas isso não queria dizer que Hawkins não desejava passar a noite e acordar ao lado dela.
— Melhoras, Remi — Nina desejou, oferecendo um sorriso empático em direção ao loiro quando ele assentiu em sua direção, agradecido. — Você pode me levar até a porta?
Perguntou para Leo, passando as suas mãos inquietas pela jersey assim que o viu assentir diversas vezes e acompanhar seus passos em direção a saída. Não estava um clima estranho entre os dois, mas era no mínimo peculiar a maneira que ela não conseguia olhá-lo nos olhos sem lembrar da sensação de sentir os lábios de Leo nos seus. Era como se, a cada vez que piscasse, seu cérebro a enganasse com flashes dos momentos que passaram no escuro. A sensação de desejo que queimava, até agora, nas suas entranhas.
— Um minuto — Nina pediu assim que Liv passou por ela em direção ao carro, concordando com um aceno.
Não achou que se sentiria assim com Leo, mas fugiu do seu olhar e entrelaçou seus dedos na frente do seu corpo para não deixá-los sem função. Demorou até levantar seus olhos claros até a imagem dele, apoiado no batente da porta com os braços cruzados — evidenciando seus músculos — com um sorriso adorável no canto dos lábios e os olhos escuros brilhantes enquanto a observava.
— Não queria que a noite tivesse acabado assim — Leo quebrou o silêncio estranho, arqueando as sobrancelhas na direção dela.
— Nem eu — foi sincera, concordando ao levantar seus ombros e deixá-los cair. Droga, estava sem graça. Qualquer outra pessoa em milhares de quilômetros podia dizer isso.
Mais uma vez, levou seu olhar para longe — para a noite que chegava ao fim em Silvermount — antes de encarar Leo mais uma vez.
Se desfez quando ele, pretensiosamente, arrumou sua postura e deu um passo em direção dela, tomando Nina em um abraço que deixou todas suas terminações nervosas em alerta. A alemã sabia que gostava — muito — daquele contato de Leo. Gostava de como se corpo se encaixava nos seus braços, gostava de afundar sua cabeça no pescoço dele, aproveitando aquele momento para encher os pulmões da forma que podia para sentir o seu cheiro — uma mistura de perfume amadeirado, menta e sabonete — infectá-la.
Passou a ponta do nariz gelado por toda a extensão do pescoço dela antes de encontrar o ponto — bem embaixo do lóbulo da sua orelha — e depositar um beijo delicado que arrepiou todos os seus pelos. Nina fechou os olhos, apreciando o carinho e a recém descoberta do seu novo ponto fraco.
Aquela parte específica do seu pescoço ou Leo?
— Se eu não tivesse que mediar os danos... — Leo comentou contra seu cabelo, segurando-a pela cintura. — Eu te convidaria para ficar.
— Tudo bem — Nina assentiu, sorrindo sem mostrar os dentes mesmo que ele não pudesse ver. Era seu desejo também, mesmo que o clima já tivesse ido embora. Apenas deitar ao lado de Leo, ou se esparramar nos braços dele, seria suficiente para ajudá-la a dormir. — Não precisamos ter pressa. Acho que você tem um problema maior agora.
Leo sorriu ao se afastar dela, concordando. Nina estava certa, não precisavam ter pressa. Mas calma era tudo o que ele não conseguia pensar em ter quando colocava os olhos naquela mulher. Já tinha esperado por tempo demais, não queria esperar o semestre acabar para assisti-la voltar para a Alemanha.
— Posso assistir seu teste amanhã? — perguntou, baixinho, como se fosse um segredo.
— Você não precisa.
— Não estou perguntando se eu preciso ou não, estou perguntando se eu posso te ver amanhã — repetiu, arqueando as sobrancelhas quando Nina rolou os olhos, um segundo antes de deixar um sorriso escapar pelos seus lábios. — Eu quero, se minha opinião valer de algo.
— Vale um pouquinho — Nina gesticulou com os dedos, sorrindo assim que o viu fazer o mesmo. — Tudo bem. Amanhã às duas horas, na arena de patinação.
— Posso te dar um beijo de boa sorte? — Leo questionou, astuto. Nina levantou os ombros e os deixou cair, escondendo um sorriso. — Agora e amanhã?
— Você não precisa perguntar sempre, sabe...
Nina sorriu, fechando os olhos no momento em que Leo colocou a mão em seu rosto, diminuindo o espaço que estava entre os dois. Quando seus lábios se encontraram, foi exatamente como a primeira vez. Todos os fogos de artifício explodindo dentro dela e os sentimentos que eram melhores descritos em filmes de romances. Para Leo, era mais como um formigar que ia da ponta dos seus dedos que estavam no rosto dela até o seu coração, que batia com mais força contra sua parede torácica.
Era síncrono. Todos os movimentos, todos os sentimentos, a mistura de desejo e carinho na medida certa. Era diferente. Novo, convidativo para que ficassem se beijando a noite toda sem querer que chegasse ao fim.
— Eu realmente preciso ir — murmurou contra os lábios dele, não evitando sorrir.
— Não estou te mantendo aqui — Leo respondeu, puxando suas mãos de volta para si mesmo.
De verdade, não estava. Não fisicamente. Mas devia existir um fio — invisível, de força incomparável — que enrolava, prendia e impedia que Nina se afastasse dele.
— Te vejo amanhã.
Murmurou, em despedida, dando as costas para Leo antes que o fio invisível a puxasse de volta, mordendo o lábio inferior com força tentando guardar o gosto dele em sua boca pela maior tempo possível.
Olhou para trás antes de entrar no carro, só para ver Leo parado ali, com um sorriso bobo nos lábios e o rosto completamente sujo de tinta azul que tinha vindo dela. Sorriu com a cena, sentindo seu coração aquecer ao vê-lo observá-la com os olhos brilhantes e a feição que ela sabia que Leo usava apenas para ela.
Soube, naquele momento, que ele estava certo quando disse a ela mais cedo que não haveria volta.
Era impossível.
Impossível negar que estava completamente envolvida na nuvem de fumaça que era Leo Hawkins.
Nina chegou na arena muito antes das duas horas, quando o lugar ainda estava completamente vazio e os diretores do clube de patinação ainda não ocupavam as cadeiras vermelhas mais altas da arquibancada.
Seguiu direto para o vestiário, trocando sua calça de moletom confortável por uma legging escura que se aderia ao seu corpo. Seus cabelos loiros estavam firmemente presos em um rabo de cavalo — ninguém deveria ser autorizado a entrar na pista de cabelo solto — e os patins novos estavam em cima da sua bolsa de academia.
Estava nervosa, podia perceber pela sua imagem refletida no espelho do vestiário. Entrelaçava os dedos vez ou outra, estalando-os e repetindo para si mesma na sua língua materna que ela ia ficar bem.
Era só um teste. Só. Um. Teste.
Sentia-se na beira de um ataque de pânico desde que tinha acordado, bem antes do sol aparecer no horizonte de Silvermount. Mal tinha dormido e gostaria de dizer que isso era por causa de Leo e da noite anterior, mas esses pensamentos bons já não estavam á vista dentro da sua cabeça.
Tudo o que conseguia pensar era no teste. E de como ela não era capaz de vencê-los sem seus comprimidos.
Esfregou os olhos claros, encarando-se no espelho. Estava um caco. Nem a maquiagem que tinha escolhido colocar no rosto escondia a cara de alguém que tinha passado a noite em claro.
Bufou irritada ao checar o relógio uma última vez e perceber que ainda faltavam vinte minutos para o início das apresentações. Xingou, em várias línguas, antes de enfiar a mão na bolsa e tirar de lá o frasco laranja lotado de comprimidos que tinha conseguido mais cedo com uma garota nos dormitórios.
Não podia ficar sem eles. Não agora.
Seus olhos se encheram de lágrimas no momento que ela enfiou dois comprimidos na boca, com as mãos trêmulas e o coração acelerado contra sua parede torácica. Estava desapontando tantas pessoas com aquela singela escolha. Podia rever, com os olhos fechados, o semblante preocupado da sua mãe quando ela acordou no hospital. As olheiras no rosto de seu pai. Os olhares desesperados dos seus irmãos quando puderam vê-la pela primeira vez.
Leo. O que Leo diria se soubesse?
— Nina?
A voz conhecida fez seu coração dar uma volta por trás do seu esterno. Fez o máximo para esconder o frasco atrás do corpo, engolindo em seco ao se deparar com os olhos castanhos de Leo Hawkins observando-a de longe, como se tivesse se materializado dos seus pensamentos.
— Você está bem?
— Analgésicos — murmurou como resposta, fugindo dos olhos curiosos de Hawkins ao esconder o frasco laranja dentro da bolsa de academia. Tremia, mas tentou ser o mais convincente possível ao colocar as mãos atrás do corpo e encará-lo pela primeira vez. — Você realmente veio.
— Eu quero te assistir — Leo falou como se fosse óbvio, esquecendo-se da cena anterior assim que a viu sorrir, mantendo os lábios pressionados em uma linha. — Tentei te ligar a manhã inteira.
— Estava treinando desde cedo.
Era óbvio que ela estava. Podia apostar seu carro que era tudo o que ela tinha feita durante cada hora livre que tivera durante a semana quando não estava ajudando-o. Aquela era Nina Houston-Löwe. A pessoa mais dedicada em conseguir o que queria na vida. Leo se perguntou a quem na família ela tinha puxado isso.
— Você ao menos dormiu um pouco essa noite?
Deu de ombros, cansada demais para mentir. Também não conseguiria mentir para Leo. Ele tinha um alarme, um aparelho super dotado por trás dos seus olhos que sabia dizer exatamente quando Nina estava mentindo.
— Porra, Houston — xingou, negando com a cabeça. — Teimosa pra caralho.
Ela sorriu, dando de ombros mais uma vez. Não havia nenhuma novidade naquela afirmação, mas Leo desejou tê-la prendido em seus braços na noite anterior só para que descansasse um pouco. Faria bem ao seu corpo e as olheiras que estavam marcadas embaixo dos seus olhos.
Leo deu um passo na direção da alemã para que pudesse colocar as duas mãos no seu rosto, acariciando as suas maçãs marcadas por iluminador com os polegares antes que descesse um deles até seus lábios, sentindo, com o dedo, a mesma maciez que tinha provado no dia anterior.
Nina fechou os olhos com o carinho, segurando as mãos dele por baixo das suas por alguns instantes antes de abrir os olhos, deparando-se com a imensidão que os olhos escuros de Hawkins escondiam.
Bem a sua frente.
A um suspiro de distância.
Ele, seus lábios rosados e a infinitude de sinais que enfeitavam seu rosto. Ele, as covinhas adoráveis nos cantos das suas bochechas e o furo no queixo que não podia ser posicionado de forma melhor. Ele.
Foi como se todo o ar tivesse sido tirado dos pulmões de Nina. Nos seus ouvidos, conseguia sentir seu coração pulsar. Rápido, barulhento, como nunca antes. Seus olhos não conseguiram decidir onde queriam se focar: se era nos olhos escuros que pareciam abrigar a beleza inteira do mundo ou nos lábios que ela não aguentava mais apreciar a distância.
Ele a beijou depois desse momento de inquietação. Um beijo delicado, carinhoso, como um beijo de boa sorte deve ser. Doce, inesquecível, impetuoso. Quando se afastou, Nina sentiu falta quase que imediatamente.
— Estou torcendo por você — murmurou baixinho, sem abrir os olhos antes de juntar seus lábios novamente, dessa vez em um selinho demorado. — Se precisar de um olhar de conforto no meio da arquibancada, estarei lá por você.
Nina assentiu, piscando diversas vezes. A culpa a invadiu de uma vez só, arrebatando-a do seus próprios sapatos.
Mal conseguiu encarar Leo depois dos comprimidos. Fugiu daqueles olhos castanhos que brilhavam de orgulho, cobrando silenciosamente aquele segredo Nina não podia contar. Não deixou de se perguntar se Leo sempre ficava assim toda vez que a observava. Desejou que sim. Desejou que alguém a visse mais que alguém que precisava de remédios para ser a melhor. Alguém que não se garantia o suficiente sozinha.
— Tem algo mais que eu quero conversar com você — Leo continuou, incerto. Pânico correu pelas entranhas de Nina. Remi teria falado algo sobre os comprimidos? Tremeu, assentindo em um pedido silencioso que ele continuasse. — Eu marquei uma consulta com o médico na sexta. Em Boston, pela manhã. Provavelmente terei que passar o fim de semana inteiro lá para fazer os exames e pensei...
Parou, envergonhado. Não sabia como pedir aquilo. Parecia íntimo. Mais íntimo que as conversas que costumavam ter e com as intimidades que trocaram na festa do dia anterior.
— Queria saber se você pode ir comigo — falou de uma vez, engolindo em seco. — Tudo bem se você não puder. Eu queria uma companhia. Sua companhia, na verdade.
Nina relaxou os ombros, sentindo um peso sair das suas costas. Ele não tinha descoberto nada. Seu segredo — e o frasco laranja — estava salvo.
Não podia lidar com seus próprios problemas, mas estaria presente para ajudar Leo com os dele. Ele merecia alguém ao seu lado. Talvez não ela sóbria, incapaz de vencer um teste sozinha. Mas aquela versão que tornava impossível vencê-la era capaz disso.
— Tudo bem — concordou. — Não tenho aula sexta.
— Mas você não precisa ir se não quiser... — repetiu as palavras dela do dia anterior, arqueando as sobrancelhas enquanto falava. Não queria ser um fardo.
— Eu quero ir — respondeu com firmeza, confortável quando viu os ombros dele relaxarem e a ruga de preocupação sumir do meio da sua testa. — Eu quero passar esse tempo com você.
— Achei que ia te perder de vista quando nosso tempo de estudo acabasse...
Nina sorriu com a afirmação. Era isso que achava também, no dia que ele engoliu todo o orgulho que tinha para pedir sua ajuda. Agora, não conseguia ver isso acontecer.
Estar na presença de Leo era viciante. Era a lufada de ar fresco que precisava, a presença que agitava seu coração de uma maneira boa e não como acontecia quando ela estava utilizando os comprimidos. Era algo real para se apegar. Era a única coisa que Nina sabia que era real na bagunça que estava vivendo.
— Não tenho planos de deixar isso acontecer.
•••
Leo só notou que estava nervoso quando uniu suas duas palmas e percebeu que elas estavam suadas como costumavam ficar em dias de jogos. Ou enquanto esperava pelo resultado da prova de microeconomia intermediária.
Podia sentir os batimentos do seu coração como se ele estivesse em seus ouvidos e olhar para o lado para ver Remi — com óculos escuros no rosto para esconder o machucado feio da noite anterior — e Liv, tranquilamente sentada ao seu lado, só o deixava trezentas vezes mais nervoso.
Ele sabia o que aquele teste significava para Nina. Sabia que aquela garota teimosa pra caralho não tinha descansado um segundo sequer até ter chegado à apresentação que queria, qual fosse ela. E ele era o único, de todos aqueles presentes, que podia afirmar isso sem dúvida alguma.
— Você vai infartar antes dela entrar na pista — Remi comentou, relaxando as costas e apoiando uma das mãos no ombro de Leo. — Relaxe. As primeiras duas pessoas foram uma vergonha e eu realmente acho que você a ensinou melhor que isso.
Era uma piada, mas Leo não conseguiu relaxar. Mexia a perna sem parar, apoiava os cotovelos nas coxas e checava o relógio de minuto em minuto para saber quando a apresentação atual acabaria.
— Você acha que o Nate vai me perdoar em algum momento?
A mudança brusca de assunto foi o que fez Leo parar. Arqueou as sobrancelhas, desviando o olhar de Nina — para fora da pista enquanto esperava sua vez — para Remi, que engoliu em seco assim que percebeu que havia um pouco de preocupação em seu olhar.
Não conseguiram conversar muito na noite anterior. Remi insistiu que estava bem quando Leo bateu duas vezes na porta do seu quarto, por mais que Vince mal tivesse pregado os olhos durante a noite. Continuava a pensar na confusão. Em Nate furioso. Em Claire desapontada — mais uma vez — ao achar que ele tinha sido o responsável por espalhar a história antiga.
Talvez ela não soubesse o poder que tinha em mãos. Não soubesse que, depois de Gabrielle, foi a única que sequer teve a chance de colocar as mãos em seu coração.
— Eu acho que vocês vão superar isso — Leo foi sincero. Nate não era de guardar mágoas, mesmo que isso afetasse uma das pessoas que ele mais amava na vida. — Mas não acho justo que você continue fugindo da constatação óbvia de que Claire foi muito mais que um caso para você.
Remi não sentia que fugia disso. Para ele, estava bem claro em seus pensamentos o quanto tinha gostado de Claire Duncan. Podia ver isso em todos os esforços que fazia — até aquele momento — para afastá-la de si.
Sua vida só era complicada demais. Seus sentimentos, complexos. O medo continuava ali, assombrando-o constantemente toda vez que se olhava no espelho. Toda vez que sorria, se divertia e se sentia feliz, a mesma voz reverberando pela sua cabeça: ele merecia ser feliz depois de tudo o que fez? Depois de estragar tudo o que tocava?
— É complicado — sua resposta padrão foi ativada. Leo suspirou, notando que não ia conseguir mais que isso. — Minha vida é complicada, Leo.
— Sempre é. Mas as vezes vale a pena se jogar no meio de uma bagunça, não é? — respondeu, dando de ombros. — Você me disse isso. E olhe só onde eu estou agora. Feliz pra caralho por ter beijado essa garota ontem.
A primeira frase de Leo ficou na cabeça de Remi e a segunda o fez rir. Estava feliz pelo amigo. Hawkins tinha o coração enorme, merecia ter alguém para compartilhá-lo mesmo que isso significasse que Remi perderia seu único amigo solteiro restante.
Talvez deveria escutar seu próprio conselho também. Talvez... talvez fizesse bem para ele contar sua história para outra pessoa. Parar de guardar aquele peso grande demais para ser carregado sozinho.
Ponderou, por trás dos óculos escuros que o permitia olhar para todo lugar sem ser desmascarado. Encarou Leo, mas a atenção do amigo já não estava mais nele.
Talvez outra hora.
A música soou no momento que Nina se posicionou no meio da pista, antes de puxar uma grande lufada de ar e começar a se mexer seguindo a melodia do piano. Comptine d'un autre ete - l'apres-midi tinha sido a escolha, famosa por ser a trilha sonora de Amélie Poulain. Leo reconhecia os acordes — era uma clássica para quem tocava piano — mas ainda não sabia, nessa altura, o quanto Nina gostava daquele filme.
Patinava como se fosse nata. Não dava um passo em falso ou fazia um movimento errado. Seus movimentos eram todos coordenados e ela tinha levado a leveza das práticas de ballet para a pista de gelo. Ninguém acreditaria que ela precisara de aulas para chegar naquele nível. Todos estavam obcecados demais com a maneira que ela mexia suas mãos e seu quadril de forma conexa.
As lâminas cortavam o gelo enquanto ela patinava de costas, olhando por cima do ombro para ter certeza que estava longe do limite da pista enquanto fazia mais uma curva. Mantia seus joelhos levemente dobrados, sua postura impecável e seu queixo levantado no ar enquanto rodopiava em um dos simples movimentos que Leo tinha ensinado a ela.
A apresentação era como uma dança lenta de uma coreografia bem ensinada. Não parecia amadora, apesar de deixar os axels, triple toes e lutz para os profissionais. Nina explorava o que sabia fazer de melhor: a delicadeza de parecer flutuar em cima do gelo, como se os patins não existissem.
Levantou uma perna, rodopiando diversas vezes em cima de uma só lâmina para terminar sua exibição que não demorara mais de dois minutos e cinquenta segundos em um Scratch Spin. Aquilo não era algo que Leo tinha ensinado a Nina. Aquilo era o resultado de horas de pesquisa, prática na sala comum das Kappa Gamma — de frente ao espelho que cobria metade da parede — e horas a mais naquela mesma pista de gelo.
Quando a música chegou ao fim, os aplausos chegaram aos seus ouvidos e vieram de todos os lados. Leo se levantou, boquiaberto, sentindo seu coração explodir de orgulho da mulher que patinava em direção a saída da pista de gelo.
— Ela conseguiu — Remi murmurou, se levantando junto a Leo e Liv para aplaudi-la. — Você nunca disse que era um professor tão bom, Hawkins.
— É óbvio que ela conseguiu — Leo respondeu sem desviar o olhar dela, não contendo o sorriso orgulhoso que pulava dos seus lábios. Todo o mérito era seu. Até ponderou, em silêncio, se ela precisava mesmo das aulas iniciais que tiveram. — Essa é a minha garota.
— Acho que vou precisar vomitar depois dessa — Remi grunhiu, fazendo uma careta de nojo por trás dos óculos escuros. — Juro.
Nina não notou o quanto tremia até sair da pista de gelo e ter que encaixar os protetores de lâmina nos patins. Errou. Uma, duas, três vezes até finalmente acertar e poder sair do gelo.
Não tinha sido uma apresentação de profissional, ela sabia, mas não se importava. Tudo o que precisava era ser aceita para que pudesse ficar um pouco mais perto do currículo perfeito.
Estava exausta. Nem Leo, que havia passado praticamente as últimas três semanas ao seu lado, sabia o quanto ela tinha se dedicado exaustivamente a aquele dia. Dormindo por menos de três horas por noite, sendo a primeira a entrar na pista de patinação e a última a sair, quando não estava nas suas aulas ou nos seus eventos obrigatórios da Kappa Gamma ou até com Leo. Se parasse para pensar, os últimos dias tinham sido um borrão doloroso de automedicação até o nível de que ela podia jurar para si mesma que nunca mais precisava dormir em sua vida.
Assustou-se ao se deparar com a imagem de Leo a três passos de distância, na arquibancada mais próxima da pista de gelo. Não tinha visto que ele tinha descido, mas estava grata por sua presença ali. O sorriso orgulhoso que ele ostentava no rosto provava o que Nina imaginara: tinha surpreendido. Ele e todos os outros poucos presentes para o teste.
Por que, então, não conseguia se sentir feliz? Por que não conseguiu sorrir de volta para ele, nem sentir seu toque quando ele a tomou nos braços para um abraço apertado?
Porque era um fraude. Uma mentira. Uma trapaceira. Não era ela a responsável por aquela performance quase perfeita ou por suas notas exemplares. Era o remédio. Aquele pote laranja escondido na sua bolsa, aquele segredo que roubaria todos os olhares orgulhosos que já tinha recebido na vida se fosse descoberto.
Voltou a si apenas quando percebeu que tinha as unhas cravadas nos ombros de Leo, enquanto o apertava como se sua vida dependesse disso. Ele também iria embora se soubesse a verdade? Se soubesse da sua roupa sujas, dos seus segredos e do fundo do poço que estivera no ano anterior?
— Você foi tão bem — Leo murmurou no seu ouvido, mas ela não teve nenhuma reação. Se ele a soltasse naquele momento, a alemã iria para o chão. Buscava encontrar forças em algum lugar, mas não encontrava. Estava tudo escuro. — Estou tão orgulhoso de você.
As palavras ocuparam toda sua cabeça antes que ele se afastasse minimamente para ver seu rosto. Leo sorriu. Aquele estúpido sorriso que, quando ele colocava nos lábios, forçava seus olhos castanhos a fazer o mesmo. Com as duas covinhas a vista, o queixo bem armado a sua frente e a constelação de sinais terminando a obra-prima que aquela visão era.
Quando Nina piscou, todo sua visão estremeceu. O barulho das arquibancadas — quase vazias, acumulando apenas curiosos de plantão e outras pessoas que estavam fazendo o teste — pareceu distante. Sentiu um gota de suor fria se formar em seu rosto, escorrendo pelo canto das suas têmporas. A música que soava nos alto-falantes diminuía progressivamente.
Sentiu tontura, com aquela quantidade extrema de luzes da Arena incomodando seus olhos. Afastou-se de Leo como pode, buscando encher seus pulmões de ar ao máximo enquanto ele continuava encarando-a sem saber o que estava acontecendo. Sem saber o que fazer.
— Nina? — Leo questionou, segurando em um dos seus braços. — Você está bem?
Pela maneira que seu estômago se remexia, Nina achou que fosse vomitar. Correu em direção ao vestiário, apoiando-se com tudo na porta de madeira para abri-la de uma vez só. Agradeceu silenciosamente quando notou que ele estava vazio, sentando no banco de madeira para retirar com pressa os patins dos seus pés.
Leo a seguiu, perguntando diversas vezes o que estava acontecendo. Ela não conseguia respondê-lo, mal conseguia entender o que ele estava falando sem olhar para seus lábios. Estava tonta, cansada e sentia que cada vez mais o ar escapava mais dos seus pulmões.
Quando se levantou para jogar uma água no seu rosto, suas pernas não responderam como ela desejava. Pisou em falso, sentindo-se extremamente grata por Leo quando ele a segurou por um dos braços, evitando uma grande queda ao colocá-la sentada no chão apoiada nos azulejos frios, com ele sentado na sua frente.
— É um ataque de pânico — sua voz parecia vir de outra pessoa. Leo continuava encarando-a, desesperado. — Eu ficarei bem em dez minutos.
Fechou os olhos, apoiando a cabeça no azulejo que estava atrás dela. Nem suas mãos firmemente apoiadas no chão parecia fornecer o equilíbrio que Nina precisava no momento. Sua garganta continuava a fechar e o suor escorria por baixo da roupa que vestia.
— O que eu posso fazer? — Leo perguntou, juntando as sobrancelhas, deixando em evidência sua ruga de preocupação. — Eu deveria te levar para a enfermaria.
— Não, por favor — Nina implorou, abrindo os olhos para segurar no braço de Leo. Bastava um olhar criterioso e alguns exames para entender que aquilo era um ataque de pânico induzido pelo uso de anfetamina. — Já aconteceu outras vezes.
A declaração assombrou Leo. Não podia imaginar aquilo como sempre corriqueiro. Nina tremia, suava e não havia uma gota de sangue para pintar seus lábios que agora estavam brancos como o azulejo da parede. Em Silvermount ainda não tinha acontecido outra vez, mas em Dortmund o evento já tinha se repetido. Particularmente em semanas muito agitadas e estressantes que ela tomava o remédio como água.
Semanas como aquela.
Era sempre horrível. Não era uma sensação que podia se acostumar ou prever como iria se sentir. Primeiro, a tontura. Depois, a falta de ar e a sensação de que iria morrer. Em seguida, o medo. Que só perdia como pior sentimento para a vergonha que a atingia logo em sequência.
— Nina... — Leo tentou mais uma vez, engolindo em seco quando os olhos claros o encararam.
— Eu... Eu não... — ofegava, não completando nenhuma de suas frases. Havia um soluço rouco no final delas, aumentando a cada tentativa de voltar a falar. As lágrimas só vieram nesse momento. — Eu não consigo respirar. Leo, eu não consigo respirar.
Sua respiração estava descompassada, seu coração parecia prestes a sair pela boca. Seu olhar estava, ao mesmo tempo, em todo lugar e em lugar nenhum. Ela parecia estar sendo atormentada por coisas invisíveis que só ela conseguia ver.
— Nina, você precisa respirar — Leo pediu, colocando as duas mãos no rosto dela, obrigando-a a olhar em sua direção. — Devagar, amor.
Tentava não se desesperar, nem se sentir mais incapaz do que já se sentia naquele momento. Queria roubar aquela agonia dela para si, tomá-la nos braços e garantir que tudo ficaria bem.
— Me abrace — ela pediu, baixinho. Odiava demonstrar fraqueza. Odiava que Leo estivesse assistindo a um dos seus piores eventos. — Por favor.
Precisava de alguma coisa firme para se apoiar enquanto todo o vestiário parecia irreal e distante. Não sabia, enquanto piscava, se eram as luzes fortes ou algo que só estava dentro da sua cabeça, mas não conseguia manter seus olhos abertos por muito tempo. Arranhava os chão com suas unhas curtas, buscando alguma coisa para se agarrar. Até o momento que Leo a abraçou, exatamente como ela tinha pedido.
Fechou os olhos, deixando os flashes luminosos e os reflexos dos azulejos para trás. Seus soluços pareciam mais altos naquele momento, mas havia um barulho em específico que ela achou que poderia se apegar enquanto mantinha a cabeça apoiada no peito de Leo. O tum-tum agitado do coração dele, próximo o suficiente do seu ouvido para que ela pudesse contar sua frequência cardíaca sem muito esforço.
Tum-tum. Ela ficaria bem. Tum-tum. Agarrou a cintura dele com toda a força que tinha, esperando sua respiração regular com o tempo. Tum-tum. Podia sentir o carinho leve que Leo fazia nos seus cabelos claros, em silêncio.
Não sabiam quanto tempo passaram ali, em silêncio. Leo tinha os olhos bem abertos, encarando o nada, enquanto Nina estava como os seus cerrados, já respirando sem nenhuma dificuldade. Ninguém tinha aberto a porta até aquele momento, por sorte ou pelas apresentações ainda não terem chegado ao fim.
Não iriam entender nada. A bolsa dela aberta, os patins espalhados por todo lugar e os dois, sentados, no chão gelado. Abraçados. Imersos em uma infinidade de pensamentos e com conversas que não estavam tendo.
— Podemos fingir que isso nunca aconteceu? — Nina quebrou o silêncio depois de um longo tempo em silêncio, ouvindo sua voz fraquejar pela falta de uso.
— Eu não quero fingir que isso nunca aconteceu — Leo retrucou, receoso. Nunca tinha presenciado uma crise tão forte como aquela. — Eu preciso que você se cuide.
— Eu estou bem...
— Eu quero acreditar nisso — a interrompeu, engolindo em seco. — Juro que quero. Mas toda vez que eu acho que você está se abrindo comigo, você volta atrás. Foi assim na minha casa também.
Nina permaneceu em silêncio, obrigando-se a abrir os olhos. Não podia ver o rosto de Leo, mas imaginava — pela tensão que tomou seu corpo e seus músculos — que a ruga de preocupação estava entre suas sobrancelhas.
— Tem algumas coisas sobre mim que não são bonitas ou agradáveis, Leo — respondeu baixinho, envergonhada.
— Eu não me importo, Nina — retrucou, puxando ar antes de voltar a falar. — Eu quero tudo. O pacote completo. A parte bonita e a parte bagunçada.
Nina sentiu a mandíbula tremer, fechando os olhos para evitar que as lágrimas voltassem a escorrer pelo seu rosto. Apertou ainda mais seu corpo com o de Leo, sentindo ele fazer o mesmo de volta.
— Você vai me deixar conhecer essa parte sua algum dia? — Hawkins perguntou, baixinho.
Afastou-se minimamente para poder estudar suas feições. As olheiras profundas, a ponta do nariz vermelha e os olhos marejados que pareciam ter deixado para trás toda a braveza que uma vez passara. Nina assentiu, lentamente, tentando se acostumar com aquela ideia.
— Tudo bem, então — Leo concluiu, oferecendo um pequeno sorriso em sua direção, sem mostrar os dentes. — Eu espero. Por você, eu espero.
E a atualização veio aí! Peço desculpas pela demora, quem me acompanha no Twitter sabe que eu e minha família estamos me recuperando do covid e que esses dias foram muito difíceis para mim por causa disso. Mas nós estamos ficando bem e tudo isso vai passar em breve.
Quero muito saber o que vocês acharam desse capítulo. Eu sei que esse final foi agonizante, mas desde que escolhi explorar esse tema sabia que ia chegar nesse momento. Peguei muito da experiência de um texto que li ("I Was Addicted To Adderall For A Decade. What Did It Give Me?" - infelizmente só está disponível em inglês). E é bizarro o quão grande é o problema de saúde com o vício nas anfetaminas dentro das universidades dos Estados Unidos. É algo muito sério e eu tentei passar isso na última parte do capítulo. É muito difícil você ter um vício e não entender isso. Nos próximos capítulos a Nina vai ter que finalmente enfrentar seus problemas (e o Leo descobrir o seu). Estamos chegando nas últimas curvas da história e já estou saudosa.
Espero que vocês tenham gostado. Espero também não demorar muito para publicar o próximo. Nos vemos em breve ❤
(twitter: ohlulis | instagram: luliescreve)
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro