13. it's just medicine
— E aí, como eu fui?
Leo estava ansioso. Tentava, a cada segundo, ver o que Nina escrevia ao lado da folha rabiscada que tinha entregue a ela assim que entraram no mesmo café que tinham passado um tempo na semana anterior.
O lugar estava praticamente vazio. Apenas duas outras mesas estavam ocupadas à medida que o relógio se aproximava das oito horas e uma garçonete simpática já tinha preenchido as duas xícaras de café que estavam na frente dos dois.
Nina mordiscava o pretzel que tinha recebido de Leo, bebericando seu café de minuto em minuto enquanto corrigia o teste dele. Estava tão acostumada com aquele agrado que não sabia como ficaria sem ele, quando as aulas acabassem.
Talvez os pretzels que recebia não fossem ser as únicas coisas que ela sentiria falta daqueles dias.
Tinha passado o domingo inteiro ansiosa para encontrar Leo — e não só pelos seus pretzels — na segunda-feira. Cumprimentaram-se na aula de Econ121 e não houve surpresa nenhuma em seu rosto quando o jogador escorregou para a mesma fileira de cadeiras que ela naquela manhã, oferecendo-a uma piscadela indecente antes de grudar seus olhos escuros na professora.
Odiou cada segundo daquela aula e não prestou atenção em uma palavra que fora escrita no quadro. Queria não ser aquela pessoa, mas passou toda a manhã escrevendo coisas sem sentido no canto do seu caderno enquanto tentava não surtar com a proximidade de Leo. Conseguia controlar sua expressão, mas seu coração continuava agitado ao se lembrar da mensagem enviada por ele no fim-de-semana.
Se ele fosse um idiota como Remi, Nina sabia que as aulas seriam mais fáceis. Provavelmente estaria contando as horas para se livrar dele e não para vê-lo novamente. Muito possivelmente não estaria nervosa em sua presença nem ansiosa para estar em sua casa na quarta-feira.
Mas Leo... Leo era diferente.
Leo Hawkins era como um cubo mágico que ainda não tinha sido desvendado, uma caixinha de música mantida fechada por tempo demais. Leo era um enigma, um segredo que ninguém estava falando sobre, de uma forma de aguçava todos os sentidos de Nina. Era difícil — e a cada encontro se tornava quase impossível — fingir que ela conseguiria lidar com ele da mesma forma que lidava com os outros alunos que vinham até ela na monitoria.
Era impossível acreditar que ela passaria imune a ele.
— Diga alguma coisa, pelo amor de Deus — Leo implorou, apoiando os cotovelos na mesa. Balançava as pernas sem parar, esperando por uma resposta. Uma gota de suor escorria pelo canto do seu rosto e seus cabelos pareciam molhados, debaixo do moletom escuro que vestia. — Está tudo errado? Eu deveria trancar a matrícula dessa matéria hoje?
Nina sorriu pelo drama dele, relaxando seus ombros tensionados. Essa era uma das características marcantes de Leo Hawkins, impossível de ser ignorada. Ele adorava transformar um copo d'água em uma tempestade e ignorar tempestades quando elas invadiam seu espaço.
— Você foi bem — Nina pontuou, deixando a caneta de lado e finalmente levantando o olhar para Leo. Torceu para que suas bochechas não estivessem vermelhas. Tentou, como pode, não se lembrar da mensagem. — Não seria um dez, porque você não respondeu a última pergunta completa. Um nove ou oito se a Sra. Wes quiser pegar no seu pé.
— Ela sempre quer pegar no meu pé — murmurou, apertando os lábios em uma fina linha. Geralmente ficava daquela forma antes de um jogo e nunca enquanto esperava a correção de um teste não-oficial. — Um oito, então. Bom, é exatamente do que eu preciso para passar.
Apesar das suas palavras, percebia no rosto de Leo que ele não estava satisfeito. A ruguinha de preocupação — sua velha conhecida — estava entre suas sobrancelhas, enquanto seus lábios bem desenhados estavam quase sem cor. Não parecia bem.
Leo não tinha tocado no seu café lotado de açúcar — como era de sua escolha —, nem roubado um pedaço do seu pretzel. Toda vez que Nina parava de falar, notava que ele apertava o botão da caneta sem folga, até que o barulho incomodasse e a fizesse perder toda a concentração.
Queria pedir que ele parasse, mas se sensibilizava toda vez que levantava o olhar e percebia as olheiras escuras embaixo dos olhos de Leo e as gotas de suor que começavam a umedecer seus cabelos. Seus lábios pareciam completamente sem sangue e não precisou encará-lo por muito tempo para perceber que ele tremia debaixo do moletom desnecessário para a temperatura ambiente.
— Você está bem? — questionou depois de algum tempo em silêncio, arqueando as sobrancelhas em direção a Leo. — Você está tremendo.
Leo engoliu em seco, passando a mão na testa para retirar as gotas de água que estavam ali. Forçou um sorriso, acenando com a cabeça algumas vezes antes de arrumar sua postura na cadeira.
Odiava hospitais.
Sabia que se confessasse a Nina — ou a qualquer outra pessoa — que estava sentindo uma dor infernal que irradiava por todo o seu tórax, passaria a noite com um acesso venoso na enfermaria do campus, como já acontecera outras vezes.
O jogo do final de semana tinha sido emocionante demais, para dizer o mínimo. Tinham segurado o empate até o terceiro período, quando finalmente Leo conseguiu mandar o puck para o fundo da rede do adversário.
Foi o suficiente para o time da casa entender que era o número doze que eles deviam marcar. Pouco tempo depois o jogo teve que ser parado nos seus momentos finais quando um adversário o endereçou uma cotovelada nada limpa na altura do capacete de proteção.
Leo nunca viu tanto sangue em sua vida. Teve que sair do gelo para que seu nariz parasse de sangrar e o time da Oak teve que terminar o jogo sem ele. Foi direto para seu quarto de hotel quando voltaram para onde estavam hospedados e ele passara quase uma hora completa apertando uma gaze no seu nariz para que o sangue parasse de manchar sua roupa.
Não se sentia bem desde então. Tivera uma péssima viagem de volta, um péssimo domingo e estava tendo uma péssima segunda. Sentia dor em todo seu corpo enquanto patinava, no treino que tivera algumas horas antes, mas não falou uma palavra sobre isso quando o treinador o encurralou e pediu que ele ficasse mais um tempo no gelo.
Não podia demonstrar fraqueza. Não naquela altura do campeonato.
— Devo ter comido algo que me fez mal ou qualquer coisa assim — respondeu, sentindo os lábios tremerem enquanto falava. — Acho que é melhor terminarmos a matéria outro dia.
Estava quase vendo dobrado naquela altura. Sentia que seu corpo fervia e não era de forma satisfatória. Por vezes tentou se concentrar na voz de Nina que chegava aos seus ouvidos, mas todos seus sentidos pareciam diminuídos. O nó na sua garganta e o enjoo que crescia no seu estômago juntos formavam a pior sensação que ele tivera em anos.
— Onde infernos você acha que vai? — Nina perguntou assim que percebeu Leo titubear ao se levantar de uma só vez. Rezou para que ele não caísse na sua frente ou não saberia de onde tiraria forças para levantá-lo.
— Não acho que vou ser útil hoje. Vou para casa, dormir um pouco. Só devo estar... Cansado.
Nenhuma das suas palavras soaram reais. Nina sabia exatamente como cansaço se parecia — já tinha passado mais de quarenta e oito horas acordada — e não era nada perto do que via na frente dos seus olhos.
— Não vou deixar você dirigir assim — o interrompeu, segurando em seu braço. — Você não vai a lugar nenhum.
— É fofo ver você se importando. Mas eu juro que posso me cuidar, Houston.
Ofereceu o sorriso mais verdadeiro que tinha para a alemã, mas ela negou com a cabeça.
— Eu vou te deixar em casa — insistiu. — Posso dirigir seu carro e depois pegar um uber até o alojamento.
— Eu estou bem, Nina — Leo a cortou, desviando o olhar para a rua visível pela vitrine da cafeteria. Não podia encará-la naquele momento, era um péssimo mentiroso quando havia contato visual. — Estou dizendo a você, não precisa se preocupar comigo.
Esqueceu, por um segundo, que aquela era a pessoa mais teimosa que ele tinha conhecido na vida e talvez subestimá-la tivesse sido seu maior erro. Em um instante de desatenção, Nina tirou a chave do Jeep que ele dirigia de suas mãos, cruzando os braços enquanto continuava parada a sua frente.
— Eu vou te deixar em casa, você querendo ou não. Melhores amigos estão aí para isso, não é?
Leo estava irritado, mas não conseguiu segurar um sorriso assim que a encarou, com um bico nos lábios e um olhar que devia ser aterrorizante para metade do campus que se deparasse com a alemã. Sentiu a dor piorar mais uma vez, travando o maxilar para aturá-la e assistindo de perto o momento que Nina se aproximou dele, apoiando a palma da sua mão no seu pescoço, por baixo do moletom que ele vestia.
Pela fraqueza que seu corpo estava no momento, Leo não conseguiu reagir rápido o suficiente ao toque inesperado de Nina. A mão dela só parecia fria demais perto do corpo em chamas dele, por mais que os calafrios não o largassem desde o começo da manhã. Ele levou a mão até a dela, determinado a tirá-la dali e perguntar o que diabos ela estava fazendo quando seus olhos se encontraram e ele a viu corar, pela primeira vez desde que a conhecera.
Um segundo. Um milésimo de segundo que ele conseguiu vê-la com a guarda abaixada, longe daquela armadura de inatingível que ela vestia toda manhã.
— Não tem a mínima chance de você ir para casa sozinho — Nina quebrou o silêncio, procurando levar para longe o calor que tinha esquentado suas bochechas. — Você está quente como o inferno. E, por Deus, não leve isso como um elogio.
— Não estou com o humor para levar isso como um elogio, mas repita isso para mim outro dia — Leo brincou, um sorriso escapando pelos cantos dos seus lábios. — Por favor.
Nina não prolongou a discussão, rolando os olhos e dando as costas para Leo antes que ele pudesse voltar a provocá-la. Já tinha o que queria — a chave do carro dele — e não foi muito difícil estacionar na garagem vazia da casa que ele dividia com Nate e Remi.
Difícil, talvez, tivesse sido colocá-lo na cama e encontrar, no meio da bagunça do armário do banheiro do primeiro andar daquela casa, um termômetro que estivesse funcionando. Quando finalmente achou o que procurava, na caixa de primeiros socorros surpreendemente bem equipada que eles tinham, ele acusou uma temperatura muito mais alta do que a normal quando Nina obrigou que Leo o colocasse debaixo do braço.
— Você está queimando de febre — comentou enquanto olhava para o aparelho, largando-o na mesa que ficava ao lado da cama que Leo estava aninhado entre cobertas. Continuou quieto, com os olhos cerrados enquanto fingia que não escutava o que a alemã falava. — Nós deveríamos ir na enfermaria. Eles podem te passar algo e você...
— Eles vão me dar no mínimo uma semana de atestado e nós temos um jogo importante no final de semana — Leo a interrompeu, como se um alarme tivesse despertado dentro de sua cabeça. Sua voz estava rouca, parecendo tão cansada quanto seu corpo estava. — Você quis me trazer aqui e eu agradeço por isso, Houston. Mas você deveria ir pra casa agora. Eu vou ficar bem.
Nina rolou os olhos assim que Leo terminou de falar, mesmo que ele não pudesse ver. Podia ser durona e ter uma reputação não tão boa pelo campus, mas não tinha a mínima chance dela voltar para casa e deixá-lo sozinho daquela maneira. Teimoso como sabia que Leo era — exatamente como ela — duvidava muito que ele fosse procurar ajuda se ela o deixasse.
— Reclame o quanto quiser, eu não vou sair daqui — informou, suspirando fundo antes de tirar o celular do bolso da calça que vestia. — Você está me deixando sem opções e eu acho que teremos que tomar atitudes trágicas.
O silêncio reinou por alguns segundos no quarto, mas Leo sabia que Nina permanecia ali pelo peso a mais no canto da sua cama. Sua curiosidade foi maior do que a birra que fazia ao permanecer de olhos fechados na sua presença, abrindo apenas um para verificar o que a alemã aprontava.
Sua surpresa foi vê-la segurando o celular com a tela apontada em sua direção mostrando seu próprio rosto, mudando no segundo que a pessoa do outro lado atendeu a chamada de vídeo. A imagem de Nina ficou menor, dando lugar a de uma mulher que era estranhamente muito parecida com ela, só alguns anos mais velha.
— Nina! Prinzessin! Nós estávamos esperando por notícias suas, como você está? — a mulher começou a falar, fazendo-a sorrir minimamente. O sotaque britânico estava muito presente. — Você cortou seu cabelo? Você está se alimentando o suficiente? Estou te achando tão magrinha, mein schatzi! Onde você está? Não se parece com o seu quarto...
Leo sorriu, porque Nina parecia levemente envergonhada da preocupação exacerbada da mãe e logo ele pode entender porque ela sempre comentava que sua família queria criá-la envolta de plástico bolha. Hawkins achava isso adorável e, secretamente, desejava que pudesse receber uma ligação daquelas de sua mãe. Ela, porém, não estava mais presente e ele não se via conversando por mais de seis minutos com seu pai.
— Mama, eu prometo te ligar mais tarde para conversar, mas eu preciso da sua ajuda agora — ela interrompeu o falatório da mãe, que arqueou as sobrancelhas em surpresa, parecendo andar pela casa enquanto o barulho de fundo ficava para trás. — Eu estou com um amigo aqui. E... ele não parece estar bem.
As sobrancelhas de Camille Houston se levantaram ainda mais assim que a palavra 'amigo' fora dita e Leo ficou feliz de estar olhando diretamente para Nina quando percebeu que ela estava ainda mais vermelha que no café. Já tinha presenciado um recorde de vezes que ela ganhará cor em suas bochechas.
— Um amigo, é? Querida, você deveria ter falado do seu amigo. Ele está aí? Eu posso falar com ele? Ele é bonito? Aposto que sim, mas me diga, querida, ele é uma boa pessoa? Aparência não é o suficiente, você sabe disso, mas eu me sinto na obrigação de te lembrar a...
— Mama, por Deus! — Nina a interrompeu, olhando vagamente para Leo, deitado ao seu lado. — Eu estou ajudando-o com uma matéria e ele não quer ir pra enfermaria. Eu só estou com medo de deixá-lo sozinho e amanhã ser interrogada por ter sido a última a vê-lo com vida.
— Nina! Isso é coisa que se fale? — Cami a repreendeu e Leo deu risada, acenando timidamente da cama assim que Nina virou a câmera em direção a ele. — Oi querido! Eu sou a mãe de Nina, Camille. Não posso fazer muito por você a distância, mas me diga, o que você está sentindo?
Leo a cumprimentou com simpatia e se assustou novamente com a semelhança que Camille tinha com a filha. O mesmo nariz quadrado, o mesmo olhar oblíquo e o belo sorriso que a mãe parecia mostrar com mais frequência que a filha.
Nos minutos seguinte, ele contou a Camille sobre os calafrios. Nina anunciou sua temperatura e só assim Cami conseguiu entender porque ele estava tão empacotado enquanto sua filha vestia apenas um fino agasalho. Leo não soube porquê, mas deixou de fora a dor dilacerante que sentia no tórax, falando a si mesmo que aquilo era só causado por um esbarrão feio do treino da manhã.
Depois de algum tempo, terminaram com a indicação de um anti-térmico e a observação de perto de Leo por algumas horas. Ele agradeceu a atenção e Nina fez o mesmo, mas não desligou a tempo de Leo deixar de ouvir o momento que Camille soltou um 'ele é bem bonito, não é, querida?' antes que ela fizesse isso.
— Eu gostei da sua mãe — Leo comentou baixinho, um pequeno sorriso no canto dos seus lábios. — Ela parece muito com você.
— Vou tomar isso como um elogio e não mais uma crítica á acrescentar ao meu currículo — Nina murmurou em resposta, assistindo-o rir das suas palavras e do bico que tinha formado em seus lábios.
Não havia uma pessoa que nunca tivesse se encantado por Camille Houston-Löwe.
Seu pai era apenas um dos vários que tinham caído pela simpatia da britânica e o único que ela permitira que entrasse na sua vida. Quando era pequena — e até o momento — Nina era muito mais apegada ao pai que a mãe, apesar de todas as tentativas da mais velha de se aproximar. Tinha afastado Cami por muito tempo e não podia dizer que a relação das duas era a melhor do mundo até o fatídico episódio do ano anterior.
— Não é uma crítica, Nina — murmurou, oferecendo um sorriso mínimo no canto dos seus lábios. Era o que conseguiria para aquele momento. — Você nunca consegue levar um elogio na boa, não é? Sempre com uma resposta na ponta da língua...
Nina rolou os olhos. Odiava assumir que aquilo era verdade, apesar de ter provas o suficiente para confirmar que Leo estava certo.
— Vocês parecem ter uma relação boa e eu acho isso legal porque... — Leo voltou a falar, negando com a cabeça. — Ela parece se importar com você. Sei que isso deve soar como uma obviedade para você, mas eu nunca conheci a minha mãe e minha relação com meu pai é meio merda...
— Sinto muito — apressou-se a dizer, mesmo sabendo que não existisse palavras de conforto o suficiente para usar naquele momento.
— Tudo bem, faz anos — Leo murmurou baixinho, sorrindo minimamente sem mostrar os dentes. — Eu só não costumo falar sobre porque as pessoas sempre me encaram com essa expressão que você está agora ou, não sei, acham que não podem nem citar o nome da própria mãe na minha presença.
Nina nem notou que suas sobrancelhas estavam arqueadas e seus olhos estavam quase apertados, em uma clássica expressão de pena. Relaxou seu rosto, apertando os lábios em uma fina linha ao encará-lo de volta, presa no brilho dos olhos escuros dele, voltados para ela.
— Mas está tudo bem — repetiu. — Ela faleceu durante o meu parto, então eu nunca realmente passei por a dor da perda. Dói mais sobre meu pai, sabe? Porque ele está aqui enquanto ela nem teve a chance.
Leo não esperava que Nina fosse falar algo que ressignificasse anos de luto por Emma ou ira por Sean. Sabia que não havia nada que pudesse compensar o efeito que eles dois tinham causado em sua vida. Mas, pela primeira em muito tempo, ele achou que deveria falar.
Não era do seu feitio. Remi e Nate sabiam disso e tinham aceitado tê-lo em sua vida mesmo que ele mantivesse algumas coisas embaixo dos tapetes ou escondido dentro de armários trancados. Seus sentimentos, na maioria das vezes, junto com suas dores, mágoas ou qualquer outra coisa que pessoas normais costumavam ter.
Mas ele descobriu que gostava de falar com Nina. Gostava de como ela realmente parecia interessada em ouvir suas histórias, de como ela o analisava com as sobrancelhas arqueadas e não agia como se tivesse que pisar em ovos ao seu redor, ou falar qualquer coisa para agradá-lo.
Ela era uma em um milhão em sua vida.
— De qualquer forma, Houston, eu só queria dizer que acho legal que você tenha uma boa relação com seus pais — ele finalizou, sorrindo em sua direção. — Eles fizeram um bom trabalho com você.
A fala dele era diferente do que tinha escutado tantas vezes no último ano. Seus pais se culparam por tanto tempo que as consultas semanais a terapia em família pareciam que nunca iam ter fim.
Não conseguia encarar Leo depois daquela confissão, com o peso da mentira martelando em sua cabeça. Ele tinha sido tão sincero com ela ao falar dos seus pais, que não era justo que não fizesse o mesmo.
— Leo, minha família... — sentiu que escolhera as palavras erradas, suspirando. — Minha mãe... mudou toda a sua vida pelo meu pai — Nina falou de uma vez, abaixando o olhar para suas unhas descascadas, empenhando-se em retirar ainda mais o resto de esmalte que estava ali, evitando olhar para Leo. — Todo mundo dizia que ela seria uma médica renomada na Inglaterra, mas tudo mudou quando eles se conheceram. Mama teve que recomeçar na Alemanha, resolver toda a burocracia para que pudesse atuar no país, aprender o idioma e ser alguém mais que a esposa do meu pai...
Ela parou. Um pouco para respirar, o outro porque não queria mais encarar suas unhas enquanto falava e, por isso, resolveu levantar o rosto, dando de cara com os olhos escuros de Leo presos nos seus, convidando-a a continuar.
— Mas ela nunca conseguiu se especializar. Quando tudo estava resolvido, eu nasci. E Mama e Papa talvez nunca tenham aprendido nada sobre planejamento familiar, porque em poucos anos éramos cinco.
Pouco mais de um ano que ela tinha nascido, Lukas James Löwe se juntou a família. E por mais que Camille e Marco sempre tivessem dito que todos seus filhos tinham sido planejados, Nina sabia que isso não era a verdade. Não precisava de muito esforço nem buscar muito para descobrir na internet que, quando sua mãe estava grávida de Leon Gray Löwe, o terceiro Houston-Löwe, Cami estava passando um tempo com sua mãe na Inglaterra, longe de Marco.
A separação, que eles tratavam como se não tivesse existido, não durou muito e em mais três anos os gêmeos completaram a família. Libby e Henrik Löwe, mudando de vez o rumo, os planos e os sonhos dos seus pais.
— Mama costuma dizer que ela encontrou na gente um novo objetivo na vida, mas Papa já me disse uma vez que ela ficava tão triste em não poder se dedicar na carreira que escolheu que ele fez de tudo para que ela conseguisse um trabalho de meio período em um hospital em Dortmund — ela sorriu sem mostrar os dentes, dando de ombros na sequência. — Porque ninguém acreditava que uma mulher com cinco filhos e um marido milionário pudesse ser uma boa médica.
Parou. Achou que estaria envergonhada ou que quisesse retirar as palavras que tinha dito, mas o silêncio parecia convidativo para que continuasse. Leo, dentre todas as outras pessoas que tinham escutado aquelas confissões, era o melhor ouvinte que ela já tinha tido.
— E meu pai... — se ajeitou na cama, suspirando fundo antes de continuar. Era sempre mais difícil falar de Marco sem que um embrulho surgisse em seu estômago. — Ele tinha muitos sonhos também. Ela queria uma copa do mundo, uma Champions League e... ele queria ser reconhecido, sabe?
Esperou a resposta de Leo, que veio por meio de um aceno. Podia não entender tanto de futebol, mas ele era um atleta e sabia exatamente o que era desejar tudo aquilo.
— E ele era bom. Muito bom — ela sorriu mais uma vez com o orgulho expresso na voz, apesar dos seus olhos estarem brilhando com as lágrimas que se acumulavam. — Mas seu corpo não acompanhava sua mente e, mein Gott, ele sofreu praticamente toda lesão possível para um jogador de futebol. Assistiu cada sonho dele ser tirado da sua frente, passou quase uma temporada inteira afastado pelo departamento médico, via times grandes retirarem suas ofertas porque não viam sentido em mantê-lo... Até que em algum momento ele soube que tinha que parar. Ele se aposentou antes dos trinta, mesmo que não tivesse conquistado nada que queria e que soubesse que era capaz de tudo.
Nina não elogiava Marco Löwe por ele ser apenas seu pai. Ela era muito nova para se recordar da época que o assistia de camarote nos estádios de futebol, mas tinha plena certeza que já tinha visto mais da metade de todos os jogos que o camisa 11 tinha disputado pelo Dortmund, time onde fez carreira, e pela seleção alemã. Enquanto ele e Cami evitavam ver os que terminavam em uma lesão, Nina acreditava que já tivesse visto todos eles.
— Leo, eu cresci sabendo que eu não quero ser como minha mãe. Ou como meu pai — parou, com a vista tão embaçada que achou que apenas em um piscar começaria a chorar, evitando fazê-lo. — Quero ser a versão dos dois que fez tudo certo e conseguiu tudo o que queria, mesmo que algumas vezes eu precise ir ao meu limite para isso.
Ele não sabia, mas ela estava falando do seu vício, — e essa era a palavra certa para se usar —, em Adderall. Falava das diversas vezes que tinha colocado seu estudo na frente de qualquer outra coisa da vida, ou das tantas outras que afastou todo mundo que estava ao seu redor, incluindo sua família, porque achava que isso a poderia afastá-la do seu grande sonho.
E, indiretamente, se recordava de tanta coisa que tinha perdido por isso no caminho.
— Eu não acho que essa seja uma escolha sua, Nina — Leo falou baixinho, escolhendo aquele momento para se pronunciar depois de tê-la escutado em silêncio. — A vida não é do jeito que queremos e ela é incrível justamente por isso.
Ele buscou os olhos claros dela ao falar, assistindo um sorriso discreto ocupar seus lábios. Aquela não era uma frase pronta de terapia ou algo para se bordar em uma almofada. Era a forma de Hawkins dizê-la que estava tudo bem se as coisas não saíssem exatamente como ela planejava.
Ela ainda podia encontrar uma forma de tornar a vida boa.
— Merda, Hawkins, eu preciso pegar seu remédio — Nina levantou da cama em um pulo assim que a primeira lágrima escorreu pelo seu rosto, olhando para o teto na sequência para evitar que outras viessem. — Nós não estamos aqui para chorar hoje.
Riu, sentindo-se tola.
Será que alguém acreditaria que ela esteve na cama de Leo Hawkins chorando enquanto contava a ele coisas sobre sua família que nunca tinha dividido com outra pessoa antes?
— Não vejo problema nisso.
Leo tinha um sorriso tão terno e confortante nos lábios que por um segundo, um milésimo de segundo, ela sentiu vontade de abraçá-lo. Se jogar nos seus braços, esconder o rosto na curva do seu pescoço e sentir o perfume irritante que já ficava em todas suas roupas de qualquer forma. Sentir seu calor, seus braços ao redor dela, as batidas do seu coração na caixa torácica...
Parou.
Apenas porque sentiu que estava indo longe demais.
Apenas porque sentiu que estava desejando Leo Hawkins demais.
Seguiu até o banheiro comum do térreo e, por sorte, os garotos tinham o remédio indicado por Cami na caixa de medicamentos mal abastecida que ficava embaixo da pia. A febre pareceu ter começado a ceder depois de um tempo, mas Nina ainda mantinha seus olhos firmes em Leo enquanto ele insistia para ela ir pra casa antes de perder o horário limite do seu dormitório, depois de apenas fingirem que a conversa de minutos atrás nunca tinha acontecido.
Não se falaram muito depois das confissões noturnas, talvez porque os dois perceberam que tinham falado muito mais do que haviam feito antes com outras pessoas e ainda refletiam sobre isso, e ela o deixou descansar enquanto lia um livro que por sorte carregava na sua mochila, levantando-se da cadeira onde estava sentada, ao lado da cama, para checá-lo algumas vezes na medida que as horas passavam.
Nina já tinha se livrado do agasalho pelo calor do quarto e estava começando a cair no sono sentada na cadeira quando notou uma inquietação, sentando na borda da cama assim como fizera antes, apoiando a mão no tórax de Leo quando percebeu que ele parecia estar tendo um sonho ruim. Ele agarrou sua mão, no susto, e ela notou que seus cabelos estavam molhados pelo suor que viera logo que a febre fora embora. Abriu os enormes olhos escuros em sua direção, soltando um suspiro de dor no momento que voltou a consciência.
— Você estava tendo um sonho ruim, Leo — ela o acalmou assim que sentiu os olhos dele grudados dela, sem que ele soltasse sua mão. — Você está bem?
— Com calor — confessou, fazendo-a sorrir sem mostrar os dentes antes de se afastar da cama.
— É, você tornou esse quarto uma sauna — Nina comentou assim que foi até a janela, abrindo uma fresta para deixar que o ar fresco entrasse no cômodo, demorando um pouco antes de se virar novamente em sua direção. — Isso é bom, na verdade. Quer dizer que sua febre passou.
Quando se virou, ela encontrou os dois cobertores que antes ele usava empurrados no fim da cama e Leo se desfazia da blusa branca que vestia. Ela estava ensopada de suor, como a alemã podia perceber, mas ainda a única coisa que podia sentir quando se aproximava de Leo era o cheiro forte do seu perfume.
Foi só quando ela voltou a se sentar ao seu lado em um pequeno espaço na cama que ela notou a mancha.
Estava tão preocupada com ele que mal teve tempo para notar o quão definido era o seu corpo por baixo das roupas, antes de encontrar algo que claramente se destacava na sua pele. Uma mancha escura, que cobria metade do seu tórax e era uma mistura estranha de roxo, vermelho e preto. Não precisava perguntar, sabia que ele tinha ganhado aquilo em um treino ou no último jogo de hóquei, tamanha era a violência do esporte.
Mas nunca tinha visto um machucado tão feio.
— Dói? — perguntou, curiosa, vendo-o seguir seu olhar.
— Muito — foi sincero, engolindo em seco. — É como se eu não pudesse respirar.
Não estava exagerando. Aquelas era uma das piores que surgira na sua vida inteira e a dor só se comparava com a vez que seu joelho inchou tanto que ele mal cabia nas suas próprias calças, pouco tempo depois de uma colisão feia contra um adversário.
— Você tem certeza que não quer ir a enfermaria? — Nina repetiu terna, deixando para trás a voz autoritária que usara outrora, sendo respondida por um mínimo aceno negativo. — Você precisa tomar algo, Leo. Não pode ficar sentindo dor.
Ela insistiu, antes de correr de volta ao banheiro, encontrando um analgésico de nome conhecido na caixa de remédios que naquela altura já tinha sido revirada três vezes. Voltou para o quarto em um pulo, se perguntando onde Remi e Nate estavam que até aquele momento não tinham aparecido em casa.
Fez com que Leo tomasse o medicamento, voltando a se sentar no canto da cama assim que ele a devolveu o copo de vidro, descansando novamente a cabeça no travesseiro que parecia estar úmido de tanto suor.
— Você vai ficar bem — tentou confortá-lo, vendo-o assentir com os olhos entreabertos.
Então, quase que por instinto, Nina tomou uma atitude arriscada. Daquelas que não podem ser desfeitas, ou esquecidas, tão cedo.
Levou uma das suas mãos até o rosto de Leo, tirando com os dedos os cabelos que caiam pelos seus olhos, terminando com um carinho em seus fios escuros que não estava nos seus planos. Ele abriu os olhos ao sentir o toque, mantendo as olhos castanhos firmemente nos verdes dela enquanto a observava de perto, apreciando o mínimo sorriso sem mostrar os dentes que ela mantinha nos lábios por aquela visão.
Ele gostava do que via também e aquela era definitivamente a visita mais agradável que uma mulher já tinha feito ao seu quarto. Mesmo que os dois mantivessem todas as roupas, menos a blusa dele que estava em algum lugar pelo chão, e ela estivesse apenas sentada em sua cama.
Mas tinha sido um daqueles poucos momentos que Leo sentiu que conseguiu conhecer Nina de verdade. Não a Nina Houston-Löwe que todos comentavam nos corredores, mas a sua versão de uma Nina que tinha muito mais a oferecer por trás de toda a pose que carregava.
Hawkins colocou a mão em cima da dela que repousava em cima dos lençóis entrelaçando seus dedos, enquanto aproveitava o cafuné que começava a trazê-lo sono. O sorriso de Nina se alargou com o gesto, deixando que sua cabeça pendesse levemente para o lado enquanto o observava quieto, tão diferente do barulhento jogador de hóquei que ela estava acostumada em passar o tempo. E, por mais estranho que tudo fosse, as próximas palavras foram mais inesperadas que qualquer outra vindo de Leo Hawkins.
— Eu não quero ficar sozinho, Nina — ele murmurou baixinho, como se desejar a companhia para a noite dela fosse algo que deveria ser deixado em segredo. — Você pode ficar pela noite?
Ela sorriu ainda mais, se isso fosse possível, e agradeceu pela falta de iluminação do quarto esconder o tanto que suas bochechas ficaram vermelhas antes que ela se livrasse dos seus sapatos e se juntasse a Leo, que afastou minimamente para o lado para que ela pudesse se acomodar na cama que era suficiente para os dois.
— Eu não vou a lugar nenhum, Leo.
Foi a última coisa escutada no quarto, antes que os dois caíssem no sono. Vencidos pelo cansaço, ocupando menos espaço do que havia na cama, com a cabeça dela levemente encostada no ombro de Leo de uma forma que o cheiro do shampoo dos seus cabelos inundassem todo o olfato dele durante todo o momento que permaneceram deitados.
E ah, as mãos, que não pareciam ter pretensão de se separar tão cedo.
E veio aí gente! Quase duas semanas atrasado, mas espero que o tamanho (e esse avanço ENORME entre os dois) possa compensar. Ainda estou tendo os problemas para escrever DL que informei no capítulo anterior, mas essa é uma das minhas cenas favoritas entre os dois (espero que tenha conseguido passar a emoção que queria e mostrar um pouco mais dos fantasmas que perseguem nossos principais). A essa altura eu acho que todo mundo já sabe que Leo tem um grande problema e não estamos longe de descobrir o que é. Se tiverem palpites, vou adorar ler sobre hahaha
Agradecimento especial aos comentários e votos que estou recebendo aqui. Vocês não sabem como isso me impulsiona a escrever essa história ❤ Obrigada por tudo!
E também as minhas queridas amigas que cobraram atualização hoje e me fizeram sentar a bunda na cadeira e ESCREVER (obrigada queridas lwtranger e isamendesw).
Até a próxima (que não vai levar duas semanas, JURO!)
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