Capítulo XVI - O maior perigo é aquele que ninguem vê
As tenebrosas nuvens, que carregam as trevas residentes nas profundezas da alma humana, cobrem o céu como se fossem um manto espesso, ocultando a tímida luz que ainda existia nas estrelas e abandonando a noite na impenetrável escuridão do abismo. Os ventos gélidos dominam impetuosamente e parece adentrar nos ossos dos azarados em que eles tocam, anunciando que logo irá nevar.
Lan Xiu anda sob as sombras que pairam sobre a humanidade, para entregar o relatório de sua missão de espionagem. Ela entra em uma sala iluminada unicamente pelo alaranjado das chamas, onde o líder Zhu está sozinho, a esperando. Despreocupada por não haver mais ninguém no cômodo, ela retira a sua máscara e se ajoelha perante Zhu Huang.
Ambos se cumprimentam com educação e ela começa a contar em detalhes a história de tudo que aconteceu.
◇◇◇
O casamento do jovem imperador, que foi arranjado desde o seu nascimento, com a bela filha do marechal do império, será realizado com antecedência, como uma estratégia para acabar com os regentes que interferem no governo de Liu Han. O adiantamento também ocorreu devido ao pedido de Jun Long, que o imperador ouviu porque se sentia solitário desde a morte de seu único familiar próximo.
Possuindo a consciência de que este casamento ocorre entre uma teia de inúmeros interesses políticos, Zhu Huang não deseja perder nenhuma informação e envia Lan Xiu para espionar a cerimônia.
Nenhum Zhu foi convidado, porque ninguém deseja ser acompanhado no seu casamento por pessoas que planejam a sua morte, o que a obriga a utilizar uma falsa identidade. Zhu Zanjin sequestra uma dama de companhia de uma amiga da noiva, e Lan Xiu rouba o lugar dela.
A espiã é cautelosa em esconder o seu rosto para não identificarem diferenças entre ela e a dama de companhia, entretanto ela não deseja se arrumar diferente do modo que a serva normalmente se arrumaria para evitar a estranheza das pessoas que a conhecem.
Lan Xiu entra na presença da nobre donzela, quieta, evitando interagir, entretanto quando é necessário, ela não profere nenhuma palavra para evitar perceberem a diferença na voz.
A mulher que ela serve é lenta para se arrumar, como a maioria das moças, apesar de já possuir mais de trinta anos, entretanto este fato é ignorado apenas para adequar a realidade às fantasias dela. Lan Xiu a auxilia habilmente com os cosméticos e maquiagens até a nobre agradar-se de sua aparência.
Lan Xiu a auxilia no caminho da esplendorosa carruagem. Ela levanta as bordas do hanfu da nobre e as duas entram no veículo. A estrada é entediante, nada de interessante acontece e a espiã permanece quieta, meditando sobre como agirá mais tarde em sua missão.
O palácio não é distante. Após um efêmero instante percorrendo as ruas do império, a grandiosa morada real emerge do horizonte. A esplêndida construção reluz junto do sol e se destaca devido ao seu imenso tamanho comparado aos pequeninos humaninhos.
Inúmeros convidados entram na maior pompa, sentindo-se importantes por haverem sido convidados para um casamento real, como se uma festa de meros humanos pudesse conceder alguma significância às suas vidas que consistem em buscar suas próprias honras.
A recepção possui uma segurança rigorosa e burocrática, que demora demasiadamente para passar, entretanto Lan Xiu é capaz de enganar os militares reais. Ao entrar, ela observa com atenção o ambiente que não passa de uma festa ordinária e decide atentar-se nas figuras mais importantes para sua missão.
De longe, o imperador e a sua noiva aparentam ser nada além de um casal fofinho de adolescentes. A garota é quieta e delicada, e Liu Han olha para todos os lados, inquieto, enquanto se esquiva das interações sociais.
O olhar de Lan Xiu é atraído por Jun Long, quem mais é favorecido pelo casamento. Ela insiste nele, se atentando em todos os detalhes, e é desnecessário se preocupar em ser percebida o observando exageradamente, porque inúmeros curiosos não desviam os olhos dele.
O marechal, pela primeira vez, aparenta ser amoroso. Ele está sorrindo, feliz, e não é como se fosse uma alegria provinda da realização de um plano maligno. Jun Long possui orgulho de sua filha, que cresceu e encontrou um bom marido. Apesar de teimar em encontrar algo estranho no marechal, não há nada suspeito aos olhos de Lan Xiu.
Mais tarde, a nobre dama, amiga íntima da noiva, se aproxima da garota. Lan Xiu acompanha a mulher e nada de novo é revelado, ocorre uma conversa ordinária entre amigas, onde a noiva somente tagarela sobre o amado dela.
O foco principal de Lan Xiu permanece sendo Jun Long. Como, alguém tão favorecido por este casamento como ele, não planejou nada? Não há pistas, não há evidências, somente suspeitas, que quanto mais exploradas, mais a certeza de que o marechal é inocente se estabelece na mente da espiã.
Possuindo a certeza de que não irá descobrir mais nada do marechal, seu foco se desvia para o imperador, que age de modo suspeito. O que o incomoda? Liu Han evita demonstrar ansiedade e inquietação, ele é bom nisso e dificilmente alguém além de Lan Xiu perceberia as emoções dele.
De tempos em tempos, o imperador sai da festa, desaparecendo para sabe se lá onde, e em um desses sumiços, Lan Xiu possui a oportunidade de segui-lo. Ela não se move antes de possuir a certeza de que ninguém notará a falta de sua presença e se disfarça na multidão, indo com cuidado e atentando-se para não chamar a atenção de nenhum guarda.
Liu Han saiu para tratar das trivialidades do trabalho de um governador de um império. Lan Xiu sente um pouco de pena por ele precisar de ausentar-se de sua própria festa de casamento devido aos deveres reais. Diversas outras vezes ele sai, e em todas que ela consegue acompanhá-lo a situação do imperador é a mesma, trabalho e mais trabalho. Ela concluí que o motivo do comportamento estranho do imperador é somente preocupação de questões de seu governo.
Além dessas informações, Lan Xiu coleta outras observações de questões triviais que possuem a chance de ganhar alguma relevância e entrega indistintamente, com os mais precisos detalhes de tudo que conseguiu em sua missão, ao Zhu Huang.
O líder Zhu a agradece, sendo educado, e depois de terminar seu relatório inteiramente feito através da fala e sem nenhuma informação escrita, ela sai da presença dele, porque Zhu Huang ainda possui trabalhos que, por motivos desconhecidos, ele prefere realizar de madrugada. Muitas pessoas teorizam os mais fantásticos motivos para ele perambular a noite como um ser mítico, entretanto a madrugada é um horário em que ele prefere trabalhar por ser tranquilo.
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