9. EMPREGO DOS SONHOS?
Olá, meu Diário,
Já faz dias, eu sei. Minha vida está uma loucura ultimamente.
Sabe, sou aquele tipo de pessoa ensinada que a primeira impressão é a que fica na memória das pessoas, e por isso deve ser impactante. Mas quantas vezes já não aconteceu de alguém dar uma impressão inicial e depois mostrar ser totalmente diferente do que os outros pensam?
Às vezes, as pessoas simplesmente estão tendo um dia ruim. Às vezes elas só agem de determinada maneira porque não se importam com o que os outros pensam a seu respeito. Ou talvez apenas queiram parecer melhores do que realmente são. Isso acontece muito.
A questão é que nem sempre a primeira impressão está correta. É preciso mais do que um momento ou uma situação para definir o caráter de alguém.
Meu maior medo é não ser capaz de avaliar o caráter de alguém com quem convivo o tempo todo. Poucas coisas são piores do que ser enganado por alguém que não é quem diz ser.
15/05/24
Quase duas semanas.
Esse era o tempo que Elise estava trabalhando como estagiária no museu romano Palazzo Massimo.
E ela estava absolutamente encantada, estava mesmo.
Tudo bem, talvez nem tanto assim, mas essa é a vida, não é mesmo?
A morena suspirou, abrindo a ala das esculturas nuas, ou era assim que ela e Amber, sua colega estadunidense, chamavam. Dali a meia hora o museu seria aberto e era função dos estagiários cuidar para que tudo ficasse em ordem.
No pouco tempo em que estava ali, aprendeu que manter a ordem não era tão fácil assim. É claro que o museu recebia muitos visitantes que apreciavam história e respeitavam as regras do lugar como fiéis que entram em um santuário, todavia, também havia muitos turistas apenas curiosos sobre "coisas velhas". Esses eram os mais difíceis de lidar.
Elise adorava aquele lugar, amava passar algum tempo apreciando as esculturas, pinturas e arquitetura que contavam a história romana, era fascinante para ela. História era algo que realmente amava.
Mas quando as portas se abriam, a paz era rompida, e a falta de respeito das pessoas pela arte histórica era irritante.
— O dia mal começou e você já está entediada, Elise? Sorria, olha só toda essa história antiga impregnada nas paredes! — Amber a abraçou e sussurrou: — Constanza está terrível. Ai de quem não ficar com um sorriso no rosto o dia todo. Parece que personalidades importantes virão visitar o templo da história romana hoje.*
* A partir deste capítulo, todas as conversas de Elise e os outros em seus locais de trabalho serão em italiano, mas não vou transcrever tudo e traduzir porque tomaria muito espaço e tiraria a dinâmica da leitura, então imaginem apenas que estão assistindo a um filme italiano com legenda".
Elise gemeu. Constanza Bianchi era uma curadora que adorava torturar os estagiários, e mesmo seu supervisor, Luca Donati, não tinha qualquer autoridade para impedi-la.
— E falando no diabo... — Elise murmurou, se afastando um pouco de Amber.
— Ah, vejo que as mocinhas estão colocando as fofocas em dia. — A mulher alta e magra, com um coque apertado, óculos de meia-lua e vestido cinza reto que lhe dava um aspecto severo, apareceu na entrada do setor de esculturas nuas. — Hoje receberemos um grupo de celebridades que inclui atores, produtores e roteiristas que querem usar o Palazzo como cenário para um filme cult. Eles são os meus favoritos, então nada de gracinhas. Vocês devem permanecer invisíveis e cuidar da ordem do Palazzo com a maior discrição possível. Isso significa sem fofocas e risadinhas tolas. Acham que podem fazer isso... estagiárias? — ela disse a palavra como se fosse um xingamento.
— É claro, Srta. Bianchi. Faremos o nosso melhor — respondeu Elise, com educação.
A mulher a olhou de cima a baixo.
— Não fazem mais do que sua obrigação. E dê um jeito nesse cabelo, senhorita. Não quero que os visitantes fiquem tentando ver as obras encobertas por esses cachos que ocupam o dobro do volume de sua cabeça.
Elise ficou irritada. Não era a primeira vez que a mulher implicava com seus cachos volumosos. Por ela, todas as mulheres usariam aqueles coques apertados e ridículos. Mas a brasileira tinha orgulho de seus cachos e não pretendia escondê-los.
— Tudo bem. Só tenho uma dúvida, Srta. Bianchi. — Elise havia melhorado muito seu italiano, mas ainda tinha algumas frases que ela tinha dificuldade para saber se estava expressando bem. Mesmo assim, tentou: — É pra gente ficar fora de vista ou trabalhar normalmente, como todos os dias?
— O quê? Fale italiano claro, não entendo as besteiras que você diz com esse sotaque confuso. — A mulher parecia irritada.
— Ela só quer saber se devemos nos esconder dos olhos dos visitantes ou fazer o que fazemos todos os dias. Porque se tivermos que ficar invisíveis, não creio que o cabelo dela faça alguma diferença — Amber respondeu.
— Quanta insolência! — replicou a curadora, empertigando-se. — Os americanos são sempre tão arrogantes, não importa a posição em que estejam. Pelo menos você sabe falar italiano. Quanto a você, Srta. Cabeluda, não sei de onde veio, Argentina, México, não importa! Deveria aprender a falar italiano antes de pensar em vir morar aqui.
— Eu sou brasileira. E sei falar italiano.
— Claro, como qualquer compatriota relaxado que nunca faz nada direito.
Elise fechou as mãos, pronta para dar uma resposta ferina, entretanto, Amber tocou seu braço discretamente.
— Ela vai melhorar com o tempo. É só uma questão de prática.
— Huh. Apenas façam o seu trabalho. Não esqueçam que estão sendo observadas para a avaliação de suas capacidades ao fim do estágio — disse, depois virou as costas e saiu.
— Cagna — murmurou Amber, fuzilando a mulher com os olhos.
Elise não entendia tantas palavras em italiano, mas tinha a impressão de que isso não foi um elogio.
— Eu vou querer saber o que é isso?
A americana deu de ombros.
— Você vai aprender mais cedo ou mais tarde enquanto morar aqui. É um xingamento como "puttana".
Elise suspirou.
— Que megera. Pensei que os italianos fossem mais abertos a se relacionar com estrangeiros, mas essa daí é bem preconceituosa.
— Ela é uma exceção. Italianos comuns são calorosos e receptivos. Adoram uma boa conversa, regada a um ótimo vinho e comida deliciosa.
— É, eu conheço alguns assim, mas eles não são do povão, são empresários de elite, donos de uma multinacional.
Amber sorriu.
— O clã Marchetti é diferente da maioria. Dante Marchetti começou de baixo, como um pobretão, filho de trabalhadores de vinícolas. Ele conseguiu estudar com a ajuda dos patrões de seus pais e usou sua inteligência e raciocínio sensorial para atingir o patamar em que está hoje. É um homem simples que se tornou poderoso, e continua apreciando a simplicidade.
Elise olhou para sua colega, chocada.
— Você sabia que eu estava falando dos Marchetti? Como sabe tanto sobre Dante?
Amber deu de ombros novamente. Aquele parecia ser seu gesto de marca registrada.
— Eu te vi com Andreoli Marchetti no nosso primeiro dia e já o tinha visto em uma revista de celebridades como um dos solteiros mais cobiçados do país que agora não está mais no “mercado”. E ele também é um dos artistas contemporâneos de maior sucesso na Itália, então eu fiquei curiosa sobre a relação de vocês.
— E descobriu sobre isso?
— Bom, o casamento dele com a brasileira Bruna Nascimento foi considerado o mais importante do ano, então é claro que tem muitas fotos nas mídias sociais. — Ela sorriu e piscou para Elise. — Você estava linda naquele vestido de Dama de Honra.
— Obrigada. Eu fui madrinha da noiva, sou sua melhor amiga. Existe algo mais que você não saiba sobre mim?
— Muita coisa, na verdade. Aquele surfista lindo ao teu lado...
— Meu noivo, primo de Bruna e artista, como Andreoli. Nunca nem chegou perto de uma prancha de surf, apesar da aparência.
— Você tem bom gosto, hein? Ele também, afinal, você é muito linda. — Elise corou, mas antes que pudesse responder, Amber continuou: — E o moreno gostoso, padrinho do noivo? Ele é italiano também?
— Não. É meu irmão mais velho, casado com aquela ruiva magnífica ao lado dele. Eles têm uma filha e estão esperando outro bebê.
— Uau. A genética de vocês é incrível. Você não tem outro irmão solteiro, por acaso, tem?
Elise riu.
— Não, só uma irmã que vai fazer vinte e dois anos.
— Ela tem a mente aberta? Porque deve ser tão linda quanto você.
Elise a olhou, surpresa.
— Você... não tem preferências específicas?
— Quer saber se eu gosto de homem ou mulher? Geralmente prefiro homens, mas se uma mulher bonita demonstrar interesse...
— Entendi. Minha irmã é linda, sim, mas não demonstra interesse por nenhuma pessoa ou gênero. É o tipo de pessoa focada nos estudos e carreira. Ela não se envolve com ninguém.
— Huh. Que pena. Mas falando daquela cobra que saiu daqui ainda há pouco, um dia eu serei curadora chefe e vou infernizar outros curadores como ela.
— Meu sonho — brincou Elise. — Agora chega de conversa. Vamos trabalhar.
— É, vamos nessa. — A voz de Amber não continha nenhuma animação.
— Com licença, senhora. — Elise se aproximou de uma mulher que posava perto demais de uma estátua, pronta para fazer uma selfie. — Não é permitido se aproximar a ponto de tocar a obra.
A mulher fez uma cara confusa de quem não entendia italiano, então Elise falou em inglês, ao que a mulher respondeu:
— No panfleto não diz que é proibido tirar fotos.
— Não é proibido, mas...
— Então eu vou tirar. Gastei dinheiro para visitar esse lugar.
— Você só não pode...
— Escuta aqui, garotinha. Eu sou uma cliente e exijo ser tratada com respeito.
— Senhora, eu...
— Saia da minha frente para que eu possa tirar essa droga de selfie!
A mulher começou a levantar o tom de voz, discutindo com Elise. Amber se aproximou discretamente e perguntou:
— Algo errado?
— Essa garota está me acossando — a turista falou.
— Eu estava falando com ela — respondeu Amber, apontando para Elise.
— Ora, isso é um ultraje!
— O que eu estava tentando dizer é que existem regras a seguir aqui dentro — respondeu Elise. — Para não danificar obras antigas como estas, é proibido tocá-las. Se deseja tirar fotos, fique a uma distância mínima de um metro, então faça suas selfies.
— Quem é o gerente desta espelunca? Eu quero falar com ele — a mulher falou, furiosa.
Amber colocou a mão no quadril e deu um sorriso cínico.
— Talvez por vir do Texas, onde só existem cavalos como atração, você não entenda como funciona um centro cultural, mas aqui é um museu, não uma lanchonete de beira de estrada. Se quer visitar e se gabar por isso depois, deve seguir as regras, ou eu chamo aqueles trogloditas ali da entrada para tirá-la daqui.
A mulher estava definitivamente a ponto de soltar fumaça pelas orelhas.
— Tinha que ser uma novaiorquina esnobe mesmo para trabalhar nesse lugar desqualificado.
— Claro, porque trabalhar cheirando estrume de cavalo é mais digno — zombou ela. — E eu sou de Chicago, não de Nova Iorque. Agora, se nos dá licença, temos coisas melhores para fazer do que perder tempo com você.
Amber puxou Elise pelo braço até uma sala escondida, onde só funcionários eram autorizados a entrar.
— Você sabe que nem todos os texanos trabalham em fazendas, nem são pessoas sem cultura, certo? — interpelou Elise. — Aquilo foi preconceituoso.
Amber bufou, se jogando em um sofá velho que tinha ali.
— É claro que eu sei, sua boba. Não tenho preconceitos contra meus compatriotas, só com aqueles que não respeitam o trabalho de quem ganha a vida honestamente. Aquela mulher era uma mal-educada. Com pessoas assim, eu aprendi a ser duas vezes pior.
Elise suspirou.
— Esse trabalho de lidar com pessoas é muito complicado. Mal posso esperar para avançar e chegar ao posto de curadora e dedicar meu tempo às peças históricas e obras de arte, que não podem discutir comigo. Daqui a alguns anos estarei vivendo meu sonho, tenho certeza disso.
— Eu até te vejo com um vestido cinza de vovó, os cabelos em um nó apertado e óculos que te fazem parecer uma tartaruga. Ei, quando isso acontecer e o teu noivo não te quiser mais, manda ele me procurar.
Elise pegou um lápis de cima de uma mesa e jogou nela.
— Ai! — Amber reclamou, mesmo tendo pegado o lápis antes de acertar seu ombro. Tinha um ótimo reflexo.
— Às vezes eu tenho sérias dúvidas se você é sem filtro ou só cruel mesmo.
Amber riu, jogando o lápis de volta. Elise o pegou antes que batesse em seu rosto.
— Talvez eu seja um pouco dos dois. — A morena de cabelos pretos puxou a morena de cabelos castanhos pelo braço, para voltarem a trabalhar.
Mais tarde, naquela noite, Elise e Julian conversavam, deitados na cama. Ele estava trabalhando na Galleria Borghese, não como estagiário, mas como assistente do curador. Além de ter um horário de trabalho mais maleável, ele também conseguia estudar obras de arte mais a fundo para ter inspiração para a sua própria arte.
Andreoli, para comemorar que o casal de amigos estava prosseguindo em suas carreiras, reformou um quarto da mansão para servir de estúdio para o Julian, bem ao lado de seu próprio estúdio, e os dois espiavam um ao outro de vez em quando. Além disso, ele prometeu levar Elise para visitar o Museu Arqueológico de Nápoles, em um dia em que ela e Julian estivessem de folga, pois a morena pretendia fazer um artigo sobre os artefatos antiquíssimos do lugar, talvez para usar em seu doutorado ou em outro mestrado.
— Então... — Elise falou, acariciando o peito nu de Julian. — Minha colega é uma americana fofoqueira que viu as fotos do casamento de Bruna e ficou encantada por você.
Ele sorriu, acariciando seu rosto.
— E qual a tua reação a isso?
— Eu disse que ela pode admirar, mas que nunca vai poder tocar, porque é meu.
— Hum... eu adoro quando você é possessiva comigo, sabia? É excitante te ver irritada.
— Idiota. — Ela o beliscou e ele riu. — Ela também se interessou pelo mano e quando eu disse que ele é casado, perguntou se eu não tinha outro irmão. Acredita que quando eu falei sobre a Cristal, ela praticamente disse que ficaria com ela se fosse tão bonita quanto eu?
Ele gargalhou.
— Bom, agora sou eu que estou preocupado de ela dar em cima de você. É bonita? Porque se for mais bonita que eu, acho que ganhei uma rival.
— Não se preocupe, querido. Ela poderia ser até a Miss Universo, eu só tenho olhos para você.
— Isso é ótimo. Mas agora eu quero muito mais do que só os teus olhos, meu amor...
E tomou sua boca em um beijo apaixonado.
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