45. INIMIGO MORTAL
Meu Querido Diário,
Chega um momento na vida em que ter coragem deixa de ser uma opção e se torna uma obrigação.
Não sou eu que digo isso, é apenas uma questão de instinto humano, aquele instinto básico de sobrevivência. Você é forçado a fazer alguma coisa ou vai morrer, é assim que funciona.
Mas e quando a vida de outra pessoa que você ama está em risco? Você pode agir para salvar a própria vida e perder quem você ama, ou pode agir para salvar o outro e perder a si mesmo.
O que fazer?
29/07/2024
Alessa sorria, exultante, enquanto Elise estava apavorada pela expectativa de ver um de seus familiares ser arrastado porta adentro. Orou em silêncio para que, de alguma forma, conseguisse sair dessa situação com vida.
Assustou-se quando a italiana sentou novamente na cadeira à sua frente.
— Ah, querida, eu fiquei tão contente que esqueci de contar a parte mais complicada do meu plano. Você estava sempre protegida pelo Julian, pelos Marchetti e depois até pelo insuportável do Luigi, por isso eu tive que fazer alguma coisa para que você saísse voluntariamente da proteção deles e assim Amber não seria suspeita de nada, você viria até mim de bom grado.
Mais uma vez, Elise olhou surpresa para a mulher. Estava tão apavorada que sequer conseguia entender o que a outra falava em italiano.
Alessa sorriu e continuou falando:
— Todo o mundo artístico de Roma conhece a fama de Perla Santino, então não foi difícil deduzir que ela ficaria encantada pela beleza bruta do Julian se o conhecesse. Eu só precisei garantir que eles se encontrariam, por isso fiz Mário descobrir que seu último assistente, que era casado, tinha um caso com a Perla. Foi assim que a vaga de assistente ficou vaga e eu manipulei a situação toda para que o Julian fosse escolhido, mesmo sendo estrangeiro e não tendo recomendação de outro curador.
— Tá, você fez os dois se conhecerem, mas o que isso tem a ver com tudo que aconteceu depois? Nem você poderia adivinhar exatamente cada passo que aquela garota daria.
Alessa gargalhou, revirando os olhos.
— Você não estava prestando atenção, querida? Existe uma droga que deixa as pessoas propensas a aceitar sugestões, sejam elas quais forem. A Perla deu em cima dele, tentou seduzi-lo de todas as formas possíveis, mas o teu noivinho é duro na queda, eu tenho que admitir.
— Não estou entendendo.
— Nossa, Elise, você está muito lerda hoje! Vou simplificar. Era eu que financiava as exposições da Perla, usando Kaius como intermediário. Em uma das reuniões de negócios entre os dois, Kaius deu um jeito de colocar na bebida dela a droga que eu mencionei. Ele sugeriu que ela deveria fazer uma pintura do Julian em um momento relaxado. Mais tarde, continuei mandando colocarem a droga nas coisas que ela comia e bebia, foi por isso que ela ficou tão obcecada por ele.
Elise arregalou os olhos. Achava que nada mais a deixaria chocada naquela noite, mas estava enganada. Alessa Reviello era pior do que imaginava.
— Na noite da exposição do Julian na Galleria Borghese, eu já tinha tudo planejado. Primeiro sugeri que Perla frisasse os cabelos e espalhasse o boato de que era amante do Julian, depois sugeri que ela o atacasse durante o evento, além de levar o Timothy até o corredor com uma desculpa qualquer para ter uma testemunha que lançasse dúvidas sobre o que estava acontecendo. Admito que tive sorte por ela ser vingativa, pois a parte em que o atacou no palco saiu mais efetiva do que eu esperava.
Elise notou que a mão da italiana foi descansar na altura das costelas, onde havia dado um chute tão forte que tinha certeza de ter quebrado pelo menos uma. Era óbvio que a morena estava sentindo dor, mas a adrenalina de encontrar Kevyn a fazia ignorar o que sentia.
— Você está dizendo que ele não teve culpa de nada?
— Exatamente, querida. No dia em que você foi procurá-lo na mansão, eu mandei a Perla ameaçar se matar se ele não quisesse ficar com ela e depois seduzi-lo. O que você viu foi simplesmente o Julian tentando impedi-la de tirar a roupa na frente dele.
Elise sentiu uma lágrima deslizar por seu rosto. Estava tão cega de ciúmes! Ele tentou se defender várias vezes, mas ela não permitiu e agora, provavelmente, não o veria de novo, nunca teria a chance de dizer que ainda o amava e pedir perdão por não ter confiado nele.
— Então você imaginava que eu iria sair da mansão depois de brigar com o Julian? — ela perguntou com voz trêmula, mesmo sabendo a resposta.
— É claro, Lis. Você tem esse jeito forte, mas teu pior defeito é o orgulho. Eu sabia que não iria querer conversar com o Julian tão cedo e muito menos estar no mesmo lugar que ele e, depois da família Marchetti, eu era a pessoa mais próxima a você em Roma, então era óbvio que aceitaria ficar comigo se eu a convidasse. Era para o meu plano ser colocado em prática mais cedo, só que o Luigi complicou tudo, estava sempre por perto, preocupado, esperançoso, ele é muito irritante.
— E pensar que eu cheguei a desconfiar dele...
— Sério? Luigi, o santinho Sr. Correto, um assassino? Não, ele é um fraco, até do Julian apanhou, que força teria para estrangular alguém?
— Você ficaria surpresa com quanto podemos nos enganar com as pessoas.
Alessa viu o olhar incisivo de Elise e suspirou.
— Sabe, houve um momento em que achei que realmente podia ter você em minha vida, uma amiga leal, uma companheira que nunca me deixa entediada... Se não fosse o fato de o Kevyn ser obcecado por você...
A mulher se calou quando ouviram passos se aproximando no corredor.
O coração de Elise acelerou, seu inimigo mortal estava do outro lado da porta e trazia consigo alguém que ela amava.
A porta foi aberta pelo mesmo capanga de antes, o tal Kaius, e Elise arfou quando viu sua irmã ser puxada para dentro por outro capanga brutamontes.
— Não! — ela exclamou, horrorizada. — Não, a Cristal não... Por favor...
— Elise? — Cristal tentou correr até ela, mas o homem que a segurava impediu. — Não! Me solta, seu idiota, me solta!
Ela se debateu nos braços do homem, enlouquecida. Elise se contorcia, tentando se soltar, mas as cordas estavam muito apertadas.
— Deixa a minha irmã em paz! — Ela olhou para Alessa. — É a mim que vocês querem! DEIXA A CRISTAL EM PAZ, ELA NÃO TEM NADA A VER COM ISSO!
— É aí que você se engana, doce Elise... — disse uma voz suave de tenor que Elise reconheceria em qualquer lugar, pois era a voz que narrava seus pesadelos nos últimos seis anos.
Kevyn entrou na sala, seu andar felino, os olhos fixos no rosto daquela que o derrubou anos atrás. Estava ferida, suada e com os cachos desgrenhados, porém, ainda tinha a mesma beleza e força de sempre. Ele a odiava por tê-lo enganado, derrotado e encerrado em uma prisão pelos últimos cinco anos, mas não podia deixar de admirar sua inimiga.
— A Cristal tem tudo a ver com a nossa história — ele continuou, desviando o olhar para a irmã mais nova. — Não é mesmo, querida?
— Cretino! — Cristal vociferou. — Eu não sou sua querida, seu animal!
Alessa andou até ela e a esbofeteou.
— Não fala assim com ele, vadia!
— Agora, sem violência! — ordenou Kevyn. — Ainda não chegou a hora de aplacar nossa sede de sangue.
Ele se aproximou de Alessa e a afastou de Cristal bruscamente.
— Mas Kevyn, eu estava te defendendo! — reclamou a morena.
— Eu não preciso que ninguém me defenda! — Ele a segurou pelo queixo e beijou sua boca antes de concluir: — Se você falar nesse tom comigo de novo, vai se arrepender.
— S-sim, me desculpe. — Ela se ajoelhou na frente dele e olhou para baixo, totalmente submissa.
— Assim é melhor. Levante-se, dê ao seu homem as boas-vindas adequadas, Alessa.
Elise assistiu, enojada, a forma como a outra o abraçou e beijou com paixão, enquanto ele a agarrava sem qualquer delicadeza e de um jeito totalmente indecente. Cristal fez uma careta e fingiu que ia vomitar. O capanga a colocou sentada no sofá, estava apenas com as mãos amarradas, pois não teria chance de fugir com dois assassinos experientes na sala e mais de vinte guardas dentro e fora da mansão.
Pouco tempo depois, as irmãs viram Erick ser arrastado porta adentro, com o rosto ferido e um corte nos lábios. Elise ficou surpresa e Cristal mostrou raiva. Kevyn havia mandado os capangas baterem nele depois que tentou impedi-lo de tocar nela. O loiro foi jogado no chão e arrastado até bater com as costas em uma parede, o que arrancou dele um audível gemido de dor.
— Agora sim, o grupo está completo, os irmãos reunidos — falou Kevyn, olhando com diversão ao redor da sala. — Interessante, não é? Três pares de irmãos, todos peças componentes da mesma história. É quase uma pena que só dois de nós sairão daqui vivos.
Cristal e Elise se entreolharam, ambas com expressões preocupadas, porém, igualmente determinadas. Elas não morreriam sem lutar.
Kevyn se aproximou de Elise e tocou seu rosto com delicadeza.
— Não sabe quanto eu senti tua falta, Elise. Durante anos eu sonhei com o dia em que teria você na minha frente, ao alcance das minhas mãos.
— Kevyn... — ela disse suavemente, lembrando da última vez em que se falaram. Naquela ocasião, ele estava pronto para matá-la e ela conseguiu evitar se entregando aos beijos dele. Ela o fez baixar a guarda e depois o nocauteou. — Você mudou muito.
Ele parecia bem mais velho que seus atuais vinte e oito anos. Os cabelos estavam cortados e pintados de loiro-escuro, no mesmo tom que o cabelo de Erick e a barba também estava como a do irmão mais novo. Mesmo assim, eles não eram parecidos, pois Kevyn era como uma imagem mais jovem de seu pai e Erick parecia uma versão masculina de sua mãe.
— Eu sei, fiquei ainda mais bonito. — Ele deu um sorriso irônico.
— E modesto — ela completou, com escárnio. — Mas tem uma coisa que não mudou até hoje. Você me dá nojo!
Ela cuspiu em seu rosto e ele a segurou pelo pescoço, apertando.
— A tua língua também não mudou... Sempre falando demais.
Elise começou a sufocar, sem poder se defender, amarrada como estava. Cristal correu até ele, pedindo para parar de machucar sua irmã, no entanto, foi derrubada com um forte soco vindo de Alessa. Quando Elise estava prestes a desfalecer, Kevyn a soltou e ela tossiu, buscando ar.
— Se você quer uma morte rápida, lamento, mas não foi isso que planejei, doce Elise. Você me fez viver em um limbo durante anos, lembrando, planejando fazê-la pagar por ter me enganado e ferido, de novo e de novo. Não vou me deixar levar por meus impulsos dessa vez. Primeiro vou te deixar conhecer toda a história, saber o papel da tua querida irmã em tudo que aconteceu há seis anos e só depois é que eu irei matá-la na tua frente, pra você sentir a dor da perda antes de também morrer.
— Desgraçado! Maldito! — Cristal rosnou, jogada no chão. Perdeu todo o ar quando Alessa deu-lhe um chute no estômago.
Kevyn levantou e tirou a blusa para limpar o rosto com ela. Elise notou que estava mais forte e bronzeado, porém sua pele estava toda marcada com cicatrizes na barriga, costas e braços. Percebendo a análise da morena sobre suas cicatrizes, ele sorriu.
— Muita gente queria me ver morto quando fui preso. Eles tentaram várias vezes, mas quando finalmente perceberam que eu não era só um playboyzinho fraco, quando viram que eu tinha força e experiência o bastante para lutar com vários ao mesmo tempo e ainda vencer, eu passei de assassino odiado para herói venerado. Essas são marcas de batalha. Todos os homens que fizeram isso comigo estão mortos. Alguns pelas minhas mãos, outros pelas mãos dos amigos que eu fiz lá dentro, mas cada um deles pagou com a própria vida.
— E cada um deles mereceu morrer — disse Alessa. — Se eu pudesse, arrancaria a pele de todos eles por ousarem macular esse corpo tão perfeito.
Ela o olhava com reverência, procurando aprovação para tudo. Teve medo ao ver o olhar de repreensão dele por ela ter jogado Cristal no chão. No entanto, sorriu exultante quando ele riu da cara de raiva de seu irmão por ver a mulher amada ferida. Era doentia a devoção da italiana por ele, inexplicável como uma mulher poderosa assim poderia se submeter a um tratamento tão tóxico.
— Você é perfeita para mim. — Ele acariciou seu rosto e ela parecia que estava vendo o paraíso. — Agora vamos à parte mais divertida: segredos e mentiras. Essa noite os segredos serão revelados, especialmente sobre a relação da Cristal comigo. Quero ver se depois do que vou falar, a Elise continuará vendo sua irmãzinha como uma jovem inocente. E será que o amor patético do meu irmãozinho por ela vai sobreviver a isso?
Ele foi até Cristal e a agarrou pelos cabelos antes de jogá-la de volta no sofá. Cristal chorou de dor, olhando para ele de um jeito suplicante. Ele sorriu com deboche e segurou seu queixo com força.
— Você achou que eu nunca descobriria o que fez com meu filho? — sussurrou em seu ouvido, depois falou para todos ouvirem: — A garota inocente e altruísta que vocês pensam que conhecem é só uma máscara. Cristal é tão má quanto eu.
— Isso é mentira — arquejou Erick. — Você é a encarnação do demônio, ela jamais seria assim, Kevyn.
— Ah, é? Você está tão cego por ela que não percebe o que está bem na tua cara, seu idiota? Por que não conta pra eles o tipo de relação que nós tínhamos, Cristal? Conta como você trocava mensagens sujas comigo e se esgueirava para dentro do meu quarto todas as noites quando eu estava hospedado na tua casa.
— Por favor, para... — ela suplicou, vendo o olhar surpreso de sua irmã. — Se quer me matar pelo que eu fiz, eu não ligo, mas deixa eles fora disso.
— Não posso, meu docinho, você sabe que eles têm tudo a ver com nós dois. — Ele deu um selinho em seus lábios, o que fez Alessa sibilar, furiosa. — Silêncio!
Ela novamente abaixou a cabeça, contudo, não disfarçou o olhar de puro ódio que deu à outra.
— Vamos, conta pra eles, Cristal — continuou Kevyn.
— Ela não precisa contar nada — Erick falou. — Eu sei o que aconteceu e não me importo. Você é um canalha, ela era só uma adolescente inexperiente e manipulável e você se aproveitou disso, seu cretino!
— Foi isso que ela disse? Que eu a seduzi? Sim, eu admito que seduzi, afinal a Elise não me queria e a irmãzinha dela estava ali, se jogando pra mim, implorando para ter um homem. Eu só dei o que ela quis.
Elise observou sua irmã chorando. Estava chocada, mas ao mesmo tempo compartilhava dos pensamentos de Erick. Mesmo sem ouvir a história toda, ela sabia que sua irmã tinha sido vítima dele, que era manipulador e experiente. Ora, se ela mesma foi atraída por ele como uma abelha é atraída para o néctar das flores, como sua irmã caçula poderia resistir?
— Você usou uma adolescente para satisfazer teus desejos podres e ainda joga a culpa nela? Além de tudo, é um maldito pedófilo! — Elise exclamou, furiosa.
— Ela gostou muito, não foi, docinho? — Kevyn gargalhou. — Conta pra ela como você se sentiu aquela noite, Cris. Deixa o meu irmão idiota saber que você gemeu e pediu mais. Conta como você gostou de tudo que eu fiz. Faz ele entender que você sempre me amou e que ele não passa de um substituto barato.
— Isso não é verdade — Cristal se defendeu. — Eu admito que fiz tudo isso, que trocava mensagens e entrava no teu quarto, admito que me entreguei a você porque me apaixonei e eu era estúpida demais pra perceber que estava sendo usada, mas o que eu sinto pelo Erick é real.
— Mentirosa!
— É a verdade! Depois de tudo que você fez à minha família, depois de quase matar a minha irmã duas vezes, acha mesmo que eu poderia continuar apaixonada? O Erick é a melhor pessoa que eu já conheci e você... — Ela deu um sorriso amargurado. — Olha pra você, Kevyn! Um assassino cruel e nojento que nunca vai chegar aos pés do irmão...
Cristal foi interrompida quando Kevyn bateu em seu rosto com tanta força que seu lábio inferior sangrou.
— Você é tão corajosa, não é, docinho? Então por que não conta a eles que na noite em que eu escapei, foi você que me ajudou?
— O quê? — murmurou Elise.
— Não, você me enganou, eu nunca ajudaria se soubesse quem você era!
— Mesmo assim, você ajudou. Por tua causa eu fugi e a tua irmã saiu de casa pra me procurar, arriscando a própria vida. Mas essa não é a pior parte... Por que você não conta o que fez enquanto a Elise fugia de mim?
Cristal balançou a cabeça negativamente.
— Por favor, Kevyn...
— Conta pra eles que você é uma assassina...
“Assassina... Assassina...”, parecia que a palavra ecoava na sala, em meio ao silêncio que dominou o cômodo.
O olhar de Cristal encontrou o de sua irmã e depois o do homem que amava, e ela chorou por não poder desmentir o que Kevyn dissera. Porque no fundo era assim que se sentia. Era como via a si mesma.
Como uma assassina.
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