40. PROTEÇÃO POLICIAL
Um dia antes de Elise receber a mensagem do Kevyn...
29 de julho de 2024
Dez dias.
Faz dez dias que não a vejo, não ouço sua voz nem sinto seu cheiro. Dez dias que vivo nesse limbo, sem saber se vou tê-la em meus braços novamente.
Me mata não saber se ela está segura, se está bem. Preciso de sua presença, preciso sentir seu calor. Sinto que vou enlouquecer sem ela.
Tanto tempo cuidando, protegendo, amando, e agora ela se afasta de mim e isso dói, dói tanto.
E eu não sei o que fazer pra essa dor parar.
Por que isso tinha que acontecer comigo? Conosco?
É o preço que se paga pelo tempo em que vivemos felizes?
Quanto tempo mais vou viver este tormento?
Julian jogou o pincel de volta no balde, frustrado. Aquilo não estava dando certo. Deixou a paleta em uma mesa e andou até janela do estúdio, tentando respirar calmamente, mas seu interior estava agitado, ele não conseguia se acalmar.
Já fazia dez dias desde que fora procurar Elise e a encontrou na cabine de uma caminhonete conversando com aquele italiano que era o único entre os colegas dela que não acreditava na inocência dele com relação ao ocorrido na exposição de seus trabalhos. Agora sabia o motivo. O desgraçado queria Elise.
Lembrava-se muito claramente de como o outro a segurou pela nuca e beijou-a na boca. Ficou possesso de ciúmes, é claro, mas aliviado quando a viu se afastar e sair do carro, e depois, quando a ouviu dizer que nunca o esqueceria, que o via em todo lugar, ele sentiu seu peito transbordando de felicidade, até o momento em que ela o viu e se recusou a conversar com ele, dizendo que ele a tinha traído e eles não tinham nada para conversar.
Ele ficou tão ferido naquele dia. Depois de seis anos era assim que tudo acabava? Com Elise se recusando a ouvi-lo ou sequer a acreditar nele?
Balançou a cabeça negativamente. Quando Bruna chegou em casa uma semana atrás falando que Elise iria viajar com Amber e alguma amante da americana, ele não soube o que pensar. Desde que ela foi embora da mansão e de sua vida, Julian olhava suas redes sociais na esperança de saber alguma coisa dela, entretanto, não havia nada. A morena não postava absolutamente nada desde que o deixou.
Ele estava desesperado sem saber se ela estava bem, se estava se divertindo ou mesmo se estava segura, afinal Amber era o provável alvo do imitador de Kevyn, e Elise estava morando com ela nas últimas semanas, além de agora estarem viajando pelo interior da Itália. Quão errado isso poderia dar?
Ele precisava vê-la, tocá-la, saber se estava bem. Precisava disso para continuar vivendo e trabalhando, pois agora nem isso conseguia fazer direito. Desde aquela maldita noite ele havia se afundado no estúdio, não tinha vida social e não se importava com isso, mas desde que a viu sendo beijada por outro, isso o atormentava e não conseguia pensar em mais nada.
Era o seu pior pesadelo voltando para assombrá-lo desde que a beijou pela primeira vez, mais de seis anos atrás. Não podia perder o amor de sua vida assim. Não podia, ou iria enlouquecer.
Olhou para o horizonte, onde o pôr-do-sol que ele tentava reproduzir em uma tela ia se esvaindo, dando lugar à noite.
Estava preocupado. A notícia que alvoroçava o povo de Roma era a de que o estrangulador imitador fizera mais uma vítima no dia anterior, uma socialite conhecida pela personalidade forte, beleza, dinheiro e festas regadas a álcool e orgia. Menos mal que, até onde ele sabia, Elise ainda estava viajando com Amber, então o assassino não a estava perseguindo por hora.
Ouviu um zumbido fraco vindo de uma das mesas onde costumava guardar suas tintas, paletas e pinceis. Localizou rapidamente seu celular e viu o rosto de sua irmã na tela, em uma chamada de vídeo.
Franziu o cenho. No Brasil era por volta das cinco horas da tarde, já que ali em Roma, no verão, os dias eram mais longos e por isso o sol se punha por volta das oito e meia da noite ou um pouco mais tarde. Seu relógio mostrava que já ia dar nove horas. Sua irmã nunca ligava àquele horário para ele, pois sabia que era o momento em que ele mais gostava de pintar.
Atendeu a chamada, confuso ao ver sua irmã no banco traseiro do carro de seus pais e, ao lado dela, sua tia Bárbara tinha uma expressão nervosa, resmungando que Bruna não atendia ao telefone.
— Julian, graças aos céus! — exclamou Wanessa, aliviada. — Como estão todos aí? Elise está segura na mansão? Bruna e Andreoli?
Ele sentiu uma pontada no peito ao ouvir o nome de Elise. Ainda não tivera coragem de contar à sua família sobre o fim de seu noivado, pois tinha esperança que Elise reconsiderasse e aceitasse conversar com ele.
Entretanto, algo que sua irmã disse prendeu sua atenção.
— Segura? O que você quer dizer, Nessa?
A garota arregalou os olhos para ele, parecendo mais preocupada ainda.
— Julian, me diz que Lis tá segura na mansão. Me diz que ela não está andando por aí com um assassino a solta atrás dela!
Seu estômago afundou e uma forte sensação de enjoo o invadiu.
— Como assim "atrás dela"? Todos concordamos que o assassino imitador quer a Amber, não a Elise!
Ele saiu do estúdio às pressas, pois pensar que Elise estava com Amber naquele exato momento o enchia de pânico.
— Não, Julian! — Wanessa disse, desesperada. — O imitador é só uma distração. — Ela soluçou, uma lágrima rolando por sua face. — Ele fugiu. Kevyn fugiu!
Sentiu como se tivesse levado uma martelada na cabeça. Isso não era possível, não podia ser.
Ele gritou por Andreoli, mas não obteve resposta. Correu escadas abaixo, sentindo o desespero tomar conta. Viu sua tia pegando o celular das mãos trêmulas de Wanessa e a ouviu dizer:
— Julian, o imitador já foi preso? Onde está Bruna? Não consigo falar com ela.
— Filho, pega a Elise e vai para a delegacia mais próxima. — Era a voz de seu pai, vinda da parte frontal do veículo. — Pede escolta policial, seguranças, qualquer coisa. Descobrimos hoje que o Kevyn teve ajuda para fugir da penitenciária. A polícia está procurando, mas já passou quatro dias e ele pode estar em qualquer lugar, inclusive aí em Roma atrás da Elise.
A respiração de Julian saía pesada e suor frio começou a brotar de suas têmporas.
— Por que essa informação só está chegando aqui agora? — perguntou com raiva e gritou: — ANDREOLI! ANDREOLI, APARECE, P*RRA!
— Calma, Julian — Bárbara falou. — Só soubemos hoje pelo Erick, a polícia está abafando o caso para não gerar pânico na população. Estão investigando como ele conseguiu fugir e quem o ajudou.
— Eu não quero saber como, quero saber onde esse maldito está!
— Filho... — Ouviu sua mãe falar, mas a interrompeu.
— Preciso ir. Vão pra casa e não saiam de lá. Se cuidem. Se ele está livre há quatro dias, significa que provavelmente tem acesso aos seus aparelhos de hacker, todos estão em perigo.
Desligou o aparelho e gritou por Andreoli de novo. Viu a porta do escritório de Dante abrir e o homem sair de lá, abatido e parecendo assustado com a gritaria.
— Julian? O que houve? — falou em italiano. — Andreoli e Bruna estão em um coquetel da empresa, comemorando uma parceria com um grande investidor. Eu não fiquei porque não estava me sentindo bem.
Julian soltou uma série de palavrões.
— O Kevyn fugiu da prisão e pode estar aqui, atrás da Elise. Preciso ir até a polícia.
O italiano arregalou um pouco os olhos.
— Vamos, eu vou com você e no caminho chamo meu filho.
Eles se apressaram para a garagem e Dante assumiu seu lugar atrás do volante, mesmo sob os protestos do rapaz.
Julian ligou para Elise, no entanto, ela não atendeu, como sempre naquelas últimas semanas. Ligou para Andreoli e Bruna. Nada.
Ele estava impaciente e nervoso.
Dante dirigiu o mais apressado que podia pelas ruas de Roma, murmurando imprecações. Cerca de quinze minutos mais tarde, ele parou em frente a uma luxuosa mansão e abriu a porta, dizendo:
— Vou entrar para procurar meu filho. Vá para o apartamento onde Elise está morando, ela pode já ter chegado de viagem, conte o que aconteceu e traga-a de volta à mansão junto com sua amiga. Eu vou com Andreoli e Bruna à delegacia saber sobre o imitador e contar o que houve no Brasil, precisamos de proteção.
Julian assentiu e deu a volta no carro para assumir o volante. Dirigiu para o bairro onde Amber morava, sua cabeça dando voltas e mais voltas pelos acontecimentos dos últimos dias, até o momento em que recebeu a notícia da fuga do Kevyn. Aquele demônio só vivia para fazer mal e perturbar a vida de todo mundo.
Como se já não bastasse o fato de Elise não querer falar com ele por causa de um terrível mal-entendido, agora também teria que lidar com a ameaça de Kevyn pairando sobre sua amada.
Julian estava cansado, mentalmente esgotado, sentindo que vivia num limbo, um purgatório em vida. Ele mal notou quando chegou na frente do residencial onde Amber morava. Desceu do carro e tocou o interfone. Lá não tinha porteiro, ele só seria atendido se algum morador quisesse.
Depois de algumas tentativas, ele finalmente ouviu uma voz em italiano:
— Boa noite, com quem você quer falar?
— Boa noite, eu gostaria de falar com a Elise ou a Amber, do apartamento 3B, é urgente.
— São as duas moças estrangeiras de cabelos escuros? Elas estão fora faz alguns dias, ainda não voltaram.
— Certo, por favor, assim que elas chegarem, diga que o Andreoli esteve aqui e que elas precisam ir para a mansão. Por favor, isso é muito importante.
— Andreoli? Certo, falarei para elas assim que as vir. Boa noite.
— Boa noite... e obrigado.
Julian saiu dali sem saber se ficava aliviado ou mais desesperado ainda, afinal, nem sabia onde as duas poderiam estar ou se o imitador estava atrás delas naquele momento. Ele estava se roendo de preocupação, pois não queria que Kevyn tivesse Elise sob seu poder pela terceira vez. Já bastava o fato de que, nas duas vezes anteriores, Kevyn não só havia conseguido afastá-lo dela como também quase a matara e ele não pôde fazer nada para impedir.
Não seria assim dessa vez. Iria acabar com aquele desgraçado com suas próprias mãos, já que a polícia não dava conta de manter um lunático perigoso atrás das grades e longe de vítimas inocentes.
Lembrou-se que não sabia qual era a delegacia para onde Dante iria com Andreoli e Bruna, então ligou para sua prima. Dessa vez ela atendeu e lhe deu o endereço. Ao chegar lá, ele disse seu nome e um policial o conduziu até a sala do capitão Renárd, detetive responsável pelo caso do imitador, que estava em meio a uma discussão exasperada, embora falasse calmamente com as três figuras importantes em sua sala. A chegada de Julian pareceu deixar o homem mais irritado e até um pouco amedrontado.
Julian sabia o que o capitão estava vendo: um estrangeiro musculoso, 1,83 m de altura, com uma cicatriz no supercílio direito (fruto de uma luta com seu treinador de muay thay) e uma expressão nada amigável. O pior era que ele havia saído usando a mesma roupa com que estivera trabalhando no estúdio: bermuda jeans e uma regata manchada de tinta, que deixava à mostra a recente tatuagem de uma pequena borboleta roxa pousada em um coração. Era uma homenagem a Elise e ele nem conseguiu mostrar a ela antes de todo o desastre orquestrado por Perla Santino acontecer.
Em resumo, a imagem de Julian aos olhos do capitão de polícia era de perigo.
Mesmo assim, era inegável a autoridade que emanava dele, pois Julian era um homem a quem ninguém gostaria de contrariar, essa era a sua postura, independente se estivesse vestindo um terno Armani ou uma bermuda e chinelos, como um surfista.
Ele sentou sem esperar convite e encarou o homem magro e de altura mediana por trás da mesa. A placa na mesa tinha o nome "Pierre Rénard", o que fez Julian arquear uma sobrancelha, surpreso por um francês ser capitão de polícia na Itália. Dante continuou falando em italiano depois da curta pausa feita com a entrada de Julian na sala.
— O que eu estava dizendo, Pierre, é que acreditamos que o assassino imitador pode estar tendo ajuda de associados do estrangulador original e que agora, mais do que nunca, devido à fuga de Kevyn Schmitz, nós precisamos de proteção policial...
— Pra você é Capitão Rénard, Marchetti. E eu já falei que a prioridade da polícia romana é salvaguardar os cidadãos desta cidade do assassino que vem nos aterrorizando nos últimos dois meses. Não podemos dividir nossa força policial para servir de babá para você e os seus, não importa quanto dinheiro você tenha.
— Não se trata do nosso dinheiro — respondeu Andreoli, com raiva. — O estrangulador original é obcecado pela amiga da minha esposa e, desde que ela vive conosco, deve ser protegida dessa ameaça.
— Uma ameaça não-confirmada — rebateu o capitão. — Ninguém tem certeza se ele está em Roma ou em qualquer outra região da Itália.
— Então vocês vão apenas ignorar nossos avisos e pedido de proteção por não terem certeza? — Bruna elevou a voz, furiosa. — Que tipo de policiais ignoram o pedido de socorro de uma vítima?
O capitão ficou calado, fingindo que Bruna não havia falado, o que despertou a fúria de Julian. O loiro olhou com uma carranca aterrorizante para o capitão e falou:
— Responda à minha prima. — Sua voz soou baixa, mas firme.
— Perdão? — O homem nem mesmo conseguiu olhar para Julian.
— Responda à pergunta da minha prima.
— Quem pensa que é para falar assim comigo, menino?
— Meu nome é Julian Brandão Alves, empresário e artista que tem negócios e contatos com pessoas muito importantes aqui na Itália e no Brasil. Sou o noivo da mulher a quem você está se recusando proteger. E mesmo sendo apenas um artista em ascensão aqui em Roma, eu continuo sendo o empresário cujas relações neste país possibilitam que o faça perder esse posto aparentemente tão adorado por você.
O capitão levantou de sua cadeira e o encarou, furioso.
— Isso é uma ameaça? — Bateu a mão na mesa.
— É a constatação de um fato — respondeu Dantes, com uma calma mortal. — Não se esqueça de que seu posto de capitão, além de precisar de testes de aptidão na polícia, também precisa de apoio político e os políticos precisam do apoio de empresários como nós, goste você ou não.
Dante levantou e concluiu, com voz solene:
— Você sempre foi um homem justo, Pierre. Por favor, não deixe que uma rivalidade criada há mais de vinte anos por causa de minha falecida esposa mude isso.
O homem o encarou nos olhos, enquanto os três jovens na sala ficavam com expressões chocadas.
— Se não fosse por você, Sandra ainda estaria viva.
— Você sabe que isso não é verdade, Sandra ficou doente! — Dante respondeu duramente. — Não volte a falar de minha esposa e eu vou fingir que não ouvi esse absurdo, Pierre Rénard. Deixe nossas vidas privadas longe dos assuntos profissionais e faça jus ao cargo que tem aqui dentro. Nós vamos embora agora, mas saiba que se algo acontecer à amiga da minha nora, você será responsabilizado por negligência policial. Você jurou proteger a quem precisasse quando recebeu este distintivo, não importa a origem da pessoa. Elise Albuquerque é uma cidadã estrangeira em terras italianas, assim como você quando chegou aqui há vinte e cinco anos e foi abraçado por esse povo e por mim, jamais esqueça disso.
Os dois se encararam por um tempo, até que Dante virou as costas e saiu da sala. Os três jovens levantaram também e partiram, porém, não sem Andreoli dizer:
— Não o conheço, mas se realmente amou minha mãe e se é metade do homem que meu pai vê em você, fará o que é certo e pelos motivos certos.
Quando saíram da delegacia, Julian devolveu a chave do carro de Dante e foi para o carro de Andreoli e Bruna. O brasileiro encarou seu amigo italiano.
— O que faremos agora?
O moreno deu partida no automóvel e disse seriamente:
— Vou fazer novamente algo que deixei para trás há cinco anos: hackear.
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