38. NOITE ENTRE AMIGOS
Cinco dias antes de Elise receber a mensagem do Kevyn...
Toda a nossa vida é norteada por decisões.
Algumas mais difíceis do que outras, no entanto, muito necessárias.
Mas o que fazer quando a razão diz que devemos seguir por um caminho enquanto o coração anseia seguir por outro?
O que fazer quando há uma árdua batalha que só você consegue ver, pois está acontecendo em seu interior?
Julho de 2024, 6pm
Cristal se olhou no espelho pela décima vez aquela noite. Estava nervosa.
Não só sairia com Erick, mas David estaria junto e ela ficava confusa perto dos dois. Se fosse honesta consigo mesma, admitiria que tinha sentimentos fortes por Erick, porém, estaria mentindo se dissesse que era indiferente ao David. Ela não era. Era apenas humana e os dois eram lindos de morrer.
Menos mal que sua melhor amiga estaria com eles, assim teria uma desculpa para conversar apenas com ela e ignorar a presença deles.
Ela vestia um jeans básico, rasgado nos joelhos, como sempre, e uma blusinha azul de alças que deixava à mostra parte de sua barriga chapada. Nos pés, o velho e confortável all-stars azul e branco com estrelas pratas. Não usava maquiagem, exceto um batom rosa claro que mais servia como protetor labial.
Deu uma última volta em frente ao espelho, admirando os cachos soltos. Em sua última arrumação na casa de seus pais para decidir o que devia levar para o apartamento, ela havia encontrado uma caixa com coisas que costumava usar até seus dezoito anos, entre elas mechas coloridas.
Sorriu ao ver um pouco da Cristal adolescente naquelas roupas e com mechas azuis de três tons diferentes entremeadas em seus cachos naturais castanho-claros.
Seu sorriso se desfez ao pensar que gostaria de voltar a ser aquela garota despreocupada e que se divertia trolando seus irmãos, porém, apesar de sua aparência naquele momento lembrar a Cristal antiga, ela já não era a mesma há muito tempo. Os eventos de seis anos atrás haviam apagado aquela garota brincalhona e que conservava a ingenuidade de acreditar que as pessoas eram inocentes até que se provasse o contrário.
Não. Ela sabia que isso não era verdade.
Mirou seus olhos verdes no espelho e enxergou toda a tristeza que carregava em sua alma. Aquela jovem mulher era quebrada, imperfeita, e com toda certeza estava longe de ser inocente. Havia feito muitas escolhas erradas na vida, entretanto, havia uma que sobrepujava a todas as outras.
Passou a mão por sua barriga plana e uma lágrima solitária escorreu por sua face. Seu maior erro foi o que mais lhe trouxe consequências e mais causou arrependimento. As coisas seriam tão diferentes se ela não tivesse conhecido Kevyn... se não tivesse se envolvido com ele...
Aquele era um dos muitos momentos em que desejava poder voltar no tempo e mudar todas as escolhas que a levaram até ali.
Suspirou, balançando a cabeça e pegando uma bolsinha transversal onde estavam seus documentos, dinheiro e celular.
Não adiantava pensar em como sua vida teria sido se fizesse tudo diferente. Ela não era o Flash, não tinha o poder de voltar no tempo, então não havia nada que pudesse fazer para mudar seu passado nem o seu presente, e continuaria sendo a mulher quebrada, vazia e cheia de traumas que era.
Tomou uma resolução naquele momento: aquela noite ela mostraria ao Erick e ao David que não era boa o bastante para ter o amor de nenhum deles. Precisava que eles entendessem que ela não era uma boa pessoa.
Pegou uma jaqueta jeans para se proteger do frio do cinema, suas chaves, e saiu.
Quinze minutos mais tarde já estava em frente à enorme casa de Nicole, e a ruiva veio rebolando seu quadril, balançando a saia curta de um vestido vermelho de ombros nus, complementado com uma legging preta que fazia Cristal sentir um pouco de inveja por não ter as coxas grossas de sua amiga. Nick também levava uma jaqueta pendurada no braço e uma bolsa média, onde Cristal apostava que tinha barras de chocolate, biscoitos e doces variados.
A amiga não curtia dietas, no entanto, o que outras mulheres muito magras chamavam de gordura, ela chamava de gostosura, pois o corpo de Nicole era todo bem distribuído, a cintura bem marcada, as coxas grossas e um bumbum grande que deixava os homens malucos de tesão.
— Ei, gata — Nick a cumprimentou ao entrar no carro. — Pronta para se divertir essa noite com os amigos inseparáveis?
Cristal revirou os olhos.
— Espero conseguir me livrar deles hoje, isso sim.
— Ai, Cris. Às vezes tenho vontade de abrir tua cabeça dura pra te fazer ver que essa atitude só te faz mal e vai machucar dois homens bons que têm sentimentos reais por você.
— O que você quer que eu faça, Nick? Mesmo que eu não fosse incompleta, mesmo se escolhesse um deles, o outro iria sofrer de qualquer forma.
— Eles sabem onde se meteram, Cristal. E o que você precisa é se perdoar e aprender a se amar para então aceitar o amor de outra pessoa. Você precisa elevar essa autoestima, amiga.
Cristal não respondeu. Já tinham discutido esse assunto antes e nunca resolviam nada. A Nicole não entendia, porque ela não sabia toda a história, e Cristal não estava pronta para contar.
Cerca de quinze minutos mais tarde, Cristal estacionava em frente a um shopping, e foram direto para as escadas rolantes que as levariam ao último andar, onde se encontrava a maior praça de alimentação e o melhor cinema da cidade.
Já estavam na fila para pegar pipoca e refrigerante (haviam comprado as entradas pelo aplicativo do cinema) quando Cristal avistou, saindo da escada rolante, dois homens altos, opostos entre si, que exalavam charme e sensualidade enquanto andavam.
Engoliu em seco quando o loiro olhou para cima e seus olhos se encontraram com os dela. Não lhe passou despercebido também o olhar do moreno, que varria seu corpo de cima a baixo, nem o mínimo sorriso cínico mal disfarçado no canto de seus lábios.
Erick chegou primeiro perto delas e cumprimentou Nicole com um beijo no rosto, para então falar com Cristal. Ele tentou beijar seus lábios, mas a morena virou o rosto.
Enquanto isso, David olhou seriamente para Nicole, que o analisava descaradamente.
— Boa noite. Eu sou o David.
Ele estendeu a mão para a ruiva, que a apertou brevemente.
— Oi, David. Meu nome é Nicole, mas me chamam Nick. Ouvi falar muito de você.
Ele olhou entre as duas amigas.
— É mesmo?
— Claro. Principalmente sobre como você é um pé-no-saco sem-noção.
Erick disfarçou uma risada com uma tosse enquanto Cristal arregalou os olhos e olhou para o outro lado, tentando esconder que a atitude de sua amiga a divertia.
— Bem, sempre podemos contar com a Nick para ser brutalmente honesta — comentou, fugindo do olhar especulativo do moreno.
— Assim você me ofende, querida — ele protestou. — Pensei que você tivesse perdoado meu comportamento passado na noite em que jantamos juntos.
O olhar de Cristal foi incisivo e sua voz soou fria:
— Vamos deixar algumas coisas claras aqui, nesse momento. Seja lá o que estiverem pensando sobre tentar se aproximar de mim, esqueçam. Estamos aqui apenas entre amigos.
— Você não vai me ver desistir tão fácil... — Pensou ter ouvido Erick murmurar, mas não tinha certeza.
Já estavam na sala, indo em direção às poltronas indicadas nos bilhetes quando se viram em um impasse: tanto Erick quanto David pretendiam sentar ao lado de Cristal, mas ela puxou Nicole para as poltronas do meio, o que deixava cada um dos rapazes nas poltronas ao lado delas.
No fim, David conseguiu sentar ao lado de Cristal e Erick ficou ao lado de Nicole.
O filme começou. Era um suspense eletrizante que prendia a atenção da plateia. Mesmo assim, Cristal não conseguia se concentrar, pois ao seu lado David fazia questão de esticar o braço musculoso sobre o braço da poltrona dela, invadindo seu espaço, mas isso era menos incômodo do que o fato de Erick cochichar ao ouvido de Nicole alguma coisa que a fez rir e Cristal ficar curiosa, para não dizer estranhamente irritada por não fazer parte da piada.
A voz de David próxima ao seu ouvido esquerdo arrepiou a morena cacheada.
— Gostei do visual estilo Rebeldes. Combina com você. Te deixa mais autêntica esse jeito "dane-se o mundo". Mas se queria mostrar que não é boa o suficiente para dois jovens empresários sofisticados, errou feio, querida. Esse visual só nos deixa mais enfeitiçados pela jovem independente e estilosa que você é.
Ela pigarreou, desconfortável.
— Já que você gosta de falar de estilo, por que não me diz o que acha do estilo da Nick?
Ele riu baixinho.
— Você quer que eu diga que não reparei em quanto a tua amiga é bonita? Não sou cego, Cristal. Nicole é linda e tem um corpo maravilhoso que qualquer homem nessa sala se deleitaria imensamente em degustar, mas eu não sou qualquer homem, e ela não é um menu-degustação ambulante, então não perca tempo achando que eu ou o Erick olharíamos para ela e esqueceríamos você. A vida não é tão simples assim.
Ela bufou e olhou de relance para Nicole, que se inclinava em direção ao Erick, ouvindo-o falar e rindo junto com ele. Uma inesperada onda quente de ira começou a tomar conta dela, partindo de seu ventre e parecendo que iria sair de sua cabeça em forma de fumaça.
Resolveu ignorar a respiração próxima demais do moreno ao seu lado e pegou a mão de Nicole, que apenas a apertou e continuou prestando atenção ao que quer que Erick lhe dizia. Tentou ignorar a camaradagem entre o loiro e sua amiga, contudo, a sensação quente em seu ventre ficava mais e mais forte conforme o filme avançava e os dois continuavam conversando ao seu lado.
O filme chegou ao ápice, barulhos de explosões e tiros eram ouvidos na sala de cinema, mas a atenção da morena continuava no loiro falando à sua amiga coisas engraçadas que ela não conseguia ouvir.
Em dado momento, David cansou de ser ignorado e simplesmente puxou a mão de Cristal, entrelaçando seus dedos nos dela, o que a fez lançar um olhar mortal a ele e puxar sua mão de volta. O moreno não se intimidou e segurou seus dedos com mais força, acariciando as costas de sua mão e rindo enquanto olhava para as pessoas morrendo na telona.
De repente, Cristal sentiu um arrepio na nuca e estremeceu, olhando para o lado em reflexo. Sentia os dedos longos e quentes de Erick se embrenharem entre os cachos de sua nuca e acariciarem com movimentos suaves que a deixavam relaxada, de forma que ela só queria que aquilo durasse a noite toda.
Com a mente anuviada pela sensação da mão de Erick em seus cachos, ela percebeu malmente que o loiro havia jogado o braço por trás dos ombros de Nicole para conseguir chegar as mãos em sua nuca. Percebendo que sua amiga estremecia de prazer com o que Erick fazia, Nicole sorriu, soltando sua mão.
Ela, porém, não foi a única a perceber aquela troca. David também percebeu e não gostou, mas continuou com a mão firmemente entrelaçada na de Cristal.
Cristal não percebeu quando o filme acabou, apenas sentiu a falta dos dedos de Erick em seu pescoço quando este se levantou com um sorriso leve no rosto, que se desfez ao ver que David tinha os dedos entrelaçados aos dela.
Disfarçando o embaraço, Cristal levantou, agarrou Nicole pelo braço como antes e saiu da sala apressadamente, deixando os dois homens para trás.
— O que tanto vocês conversavam e riam? — ela perguntou para a ruiva assim que saíram da sala escura.
— Por quê? Está com ciúmes?
Cristal bufou.
— Não seja boba. Por que eu sentiria ciúmes se quero mais é que esses dois me esqueçam?
Nicole riu.
— Sei. Mente mais, talvez você acredite.
— Nick... — Cristal começou a protestar e foi interrompida pela amiga.
— Cris, eu vi como você ficou quando o Erick começou a te tocar, não sou cega. Você estava gostando tanto que nem conseguiu se afastar.
Cristal fez uma careta teimosa.
— Isso não muda nada.
— Muda tudo. Deixa de ser teimosa, vai. Vocês dois parecem ímãs, com uma força atrativa absurda.
— Eu não vou mudar de ideia.
— Pois devia — Nick resmungou, irritada. — E só para você saber, estávamos falando sobre quanto tempo você aguentaria antes de surtar e perguntar sobre o que estávamos conversando. Você até que demorou muito. — Ela riu, divertida.
— Isso não tem graça — ralhou Cristal.
— Está brincando? Você com ciúme é a melhor coisa que podemos ver.
Cristal fez muxoxo e virou rapidamente ao sentir uma mão macia acariciar seu braço. Viu o rosto de Erick preocupado de repente.
— Sinto muito, querida, mas acabei de receber uma ligação urgente do meu pai. Preciso ir.
— Mas achei que íamos comer uma pizza — Nicole protestou.
Erick olhou para David e Cristal não perdeu o olhar sombrio do moreno.
— Eu vou acompanhar vocês. Nós comemos, depois vamos embora e podemos marcar um dia de churrasco e piscina, quem sabe — David sugeriu.
Cristal, contudo, encarava a expressão aflita de Erick e não se importou com o que o outro disse.
— O que aconteceu, Erick?
Ele desviou o olhar ao dizer:
— Problemas familiares.
— Que tipo de problemas?
— Do tipo que não faz diferença você saber, porque não pode fazer nada para resolver.
Cristal deu um passo atrás, surpresa com a hostilidade repentina. Os olhos de Erick pareceram arrependidos.
— Desculpe, querida. — Ele acariciou seu rosto. — Eu não quis ser rude, é que aconteceu algo grave e preciso ir. Obrigado pela noite.
Erick se aproximou e tentou beijá-la nos lábios, porém, ela se afastou novamente. Ele suspirou e segurou seu queixo com firmeza para dá-la um selinho.
— Sinto muito que a noite acabe assim, mas ainda temos muito que conversar, então espera, eu vou te procurar, ok?
— É melhor não perder mais tempo — ela respondeu. — Eu não vou mudar de ideia. — Olhou entre os amigos. — Sobre nenhum de vocês.
— Já disse e repito: você não vai me ver desistir tão fácil.
E dizendo isso, ele se foi.
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