3. PRECONCEITO
Certo... como posso dizer isso sem parecer completamente estúpida?
Sabe, eu pensei que poderia fazer isso. Fingir que nada nunca poderia me atingir, fingir que eu não sou uma pessoa completamente quebrada por trás dessa máscara de acadêmica dedicada, fingir que sou uma garota do tipo "dane-se o mundo", mas sei que estou enganando a mim mesma.
Aprendi, do jeito mais difícil, que as coisas ruins nos perseguem, grudando em nossa vida como um sanguessuga gruda na pele.
Não é patético como, quando eu pensei que finalmente encontraria alguém que não me causasse indiferença, ele seria justamente o inimigo?
Eu odeio o nome que ele carrega. Odeio que ele seja parte do passado... dele. Não posso lidar com isso. Não quero.
Abril de 2024, 11pm
Ela não podia acreditar nisso. O que Elise estava pensando, afinal?
Chamar um Schmitz (um SCHMITZ!) de amigo? Dizer que ele era especial? Ela estava louca?
Cristal andava sem saber onde poderia ir na propriedade enorme. Sabia que tinha um jardim do outro lado da mansão, um pequeno labirinto construído com sebes e arbustos, porém não tinha como chegar até lá sem passar pelo mesmo lugar onde acabara de deixar sua família, todos com expressões que iam do choque à revolta.
Sim, ela havia percebido o que seu comportamento e palavras tinham causado, apesar de não entender por que Aquiles e Elise, entre todos, estavam revoltados com ela. Aquele homem era o irmão do assassino que quase matou sua irmã duas vezes, que torturou Bruna e matou seu namorado, então como eles podiam aceitá-lo na mesa da família como se não fosse nada demais?
Sentiu uma dor no estômago ao perceber que tinha certeza de quem era Erick assim que ele se apresentou. É claro, como poderia ser outro? Até onde sabia, a família dele era composta pelo pai, mãe e um irmão de quem nunca tinha ouvido falar até que ouviu seu pai dizer que era uma das testemunhas de acusação.
No julgamento dele havia tantas testemunhas, que seus depoimentos foram tomados em dias diferentes, por grupos divididos, por isso Cristal nunca havia encontrado ninguém daquela família odiada.
Estava quase entrando na mansão à procura de um banheiro quando uma mão macia apertou seu pulso, passando por ela como um furacão, arrastando-a para dentro de uma sala acessada pela porta lateral da casa. Ela sabia que era Elise mesmo antes de olhar para ela.
A expressão de sua irmã era furiosa.
— O que foi que acabou de acontecer? — ela sibilou, soltando o braço de Cristal, que revirou os olhos. — Será que dá pra você explicar o motivo de ter envergonhado nossa família desse jeito, Cristal?
— É sério isso? Você leva aquele... aquele... Aaargh! Como se atreve a levar o irmão daquele assassino para a nossa mesa e esperar que eu fique quietinha, aceitando a presença indesejada dele?
Elise a olhou muito seriamente, suspirando, irritada.
— Antes dele se apresentar, você estava apenas admirando a vista, então, de repente, se tornou a garota mal-educada que trata com hostilidade alguém que nem conhece, só por causa de sua família? Qual é o teu problema, afinal?
— O meu problema? — Cristal olhou incrédula para Elise. — Era você que estava abraçada ao irmão do homem que quase te matou! Aliás, como a Bruna pôde convidar esse cara para o casamento? Ela deveria querer distância de qualquer parente do... dele. Principalmente depois de tudo que passou na mão dele.
Elise arqueou uma sobrancelha, intrigada por tamanha hostilidade.
— Cristal, o Erick não é o Kevyn. — Um silêncio pesado pairou no ar por alguns segundos que pareceram intermináveis, até que Elise falou de novo: — Ele não tem culpa dos crimes de seu irmão. Ninguém dessa família tem culpa, o Kevyn é o único culpado. Você não pode simplesmente tratar seus parentes como se fossem iguais a ele. Ninguém pode escolher a família onde nasce, Cris.
Cristal balançava negativamente a cabeça, não querendo concordar com sua irmã.
— O fruto não cai longe do pé. Se ele é um fruto podre, então sua família...
— Não continua esse pensamento! — Elise cortou, chateada. — Você está sendo preconceituosa, Cristal. Você nem mesmo conhece o Erick.
— Nem quero. Não quero ter qualquer relação com essa família podre.
— Ouça o que está falando! Por favor, seja razoável.
— Por que, Elise? Por que você quer que eu sente lá, perto de um homem que só por ser quem é, lembra a todos nós os horrores pelos quais passamos há cinco anos? Eu não vou fazer isso.
— Ah, vai sim. — A expressão de Elise ficou dura. — Eu não posso te forçar a abandonar esse modo absurdo de pensar, mas independente de como você se sinta com relação ao Erick, todos nós somos convidados da Bruna, inclusive ele, então você vai praticar a boa educação que nossa mãe nos deu, vai voltar lá e pedir desculpas por ter sido tão rude.
Cristal bufou.
— O que te faz pensar que vou fazer o que tu quer, só porque tu quer?
— Você vai fazer isso porque não quer ser tratada como uma criança na frente de todas essas pessoas, o que certamente a mamãe vai fazer se ela tiver que vir te procurar. Cresce, Cristal. Para uma mulher de quase vinte e dois anos, você age como uma pirralha birrenta de dez.
Cristal abriu a boca, entretanto, não conseguiu responder. Poucas vezes vira sua irmã tão irritada quanto naquele momento. Sentiu-se corar e sabia que estava vermelha como um tomate. Seus olhos ficaram marejados, o que a deixou muito chateada, pois odiava o fato de suas emoções estarem ligadas aos canais lacrimais, especialmente quando ficava com raiva.
Elise, notando o que suas palavras duras fizeram à irmã, falou um pouco mais docemente.
— Eu sei que você odeia o Kevyn, Cris. Todos nós gostaríamos de nunca o ter conhecido, mas conhecemos e tivemos perdas por causa dele. — Tocou o ombro de Cristal. — O Erick é meu amigo. Por causa dele nós conseguimos encontrar os esconderijos e algumas vítimas, por isso a acusação tinha tantas provas contra Kevyn. Também por causa do Erick nós tivemos um esconderijo seguro, para não ter que pular de hotel em hotel e para que Kevyn não nos encontrasse antes do tempo. Ele não precisava nos ajudar, porém fez isso por vontade própria. Então você pode não querer conhecê-lo, mas pelo menos o trate com o respeito que ele merece. Se não por você, faça isso por nossa família.
Cristal assentiu, enxugando uma lágrima teimosa de seu rosto.
— Merda, vou precisar limpar essa maquiagem.
— O rímel é á prova d'água, só precisa de um pouco de pó e blush e ficará perfeito. Vamos ao banheiro, eu te arrumo.
Elas foram em silêncio. Elise, que sempre carregava maquiagem em sua bolsa, fez o que precisava para que Cristal não parecesse ter chorado. Terminado o trabalho, ambas foram de mãos dadas de volta para a mesa da família. Os aperitivos já haviam sido servidos e todos comiam.
Cristal continuava com raiva por ser obrigada a aturar o irmão alto e bonitão daquele... não importa. Ela não queria estar no mesmo espaço que ele, ser obrigada a isso a deixava furiosa.
Quando chegaram à mesa, Julian, Carlos e Aquiles conversavam com Erick sobre suas carreiras. Carlos parecia bem impressionado por um jovem de apenas vinte e quatro anos ser tão bem-sucedido como empresário. Erick dava de ombros, dizendo que o fato de ser filho de um empresário multimilionário que custeou seus estudos ajudava, mas Julian já havia contado a todos que o Schmitz mais jovem se destacou em Harvard e, como empresário ao lado de seu pai, ele vinha ganhando fama no mundo dos negócios por suas ideias inovadoras e por ter segurança e autoridade notáveis.
Nicole observava o loiro com um interesse que mal conseguia disfarçar. Parecia querer falar com ele, conhecê-lo melhor, contudo, sabia que sua amiga se sentiria traída se ela fizesse isso. Além do mais, antes dele se apresentar, Cristal não parava de olhar para ele durante toda a cerimônia, então, por qualquer que fosse o motivo da cena que ela fez, Nicole jamais flertaria com um homem que despertava o interesse de sua amiga.
Ainda assim, podia admirar a voz sedutora e o corpo escultural daquele homem. E com toda certeza faria isso.
Elise foi sentar ao lado de Julian, enquanto Cristal procurou seu lugar ao lado de Nicole, o que a deixou quase de frente com Erick. Limpando a garganta com um pigarro, ela mal olhou para ele quando disse:
— Me desculpe.
— Fala mais alto, Cristal — ordenou Eva, com voz dura.
Ela corou e baixou a cabeça antes de olhar rapidamente para Erick.
— Desculpe pelo que eu disse. Não te conheço e não deveria ter agido daquela forma.
Ele a olhou seriamente, parecendo estudar seu rosto para avaliar suas expressões.
— Não é a primeira vez que me tratam mal por causa do meu irmão e receio que não será a última. — Sua voz ficou mais grave e rouca. — Eu posso te desculpar, mas apenas com uma condição. — Ele deu um sorriso charmoso que fez o coração de Cristal acelerar. — Eu quero dançar com você. Só uma valsa, depois que os noivos e padrinhos dançarem, é claro.
— Eu não... — Cristal começou, mas um olhar irritado de sua mãe bastou para que mudasse sua resposta. — Tudo bem. Só uma dança.
— Ótimo. — O sorriso dele ficou mais aberto. — Que bom que resolvemos isso.
Erick voltou a conversar com Julian e os outros recomeçaram a comer e conversar entre si, até que chegou a hora do brinde. Elise foi a primeira a discursar, falando do casal de um jeito divertido que fez todo mundo rir. Em seguida, Aquiles, com seu jeito irreverente, que deixou Bruna vermelha de vergonha. Depois, Bruna falou algo rápido, mas muito apaixonado, e foi a vez de Andreoli falar.
Julian falou ao ouvido de Elise: "Eu sabia que ele era do time dos românticos!", quando Andreoli fez uma declaração de amor emocionante, que fez metade das mulheres chorar, inclusive Bruna, e alguns homens também, para ser justo.
Quando a banda contratada começou a tocar, Julian já havia colocado um microfone de lapela e começou a cantar "Everything", de Michael Buble, enquanto Andreoli conduzia Bruna para a primeira dança, em uma pista circular.
Já estava na segunda parte da canção, quase no fim, quando os padrinhos – Elise e Julian, Aquiles e Rebeca – entraram na pista de dança. Julian continuava cantando enquanto dançava, e alguns convidados olhavam para o palco, procurando o dono daquela voz linda, sem perceber que ele era o padrinho loiro que olhava para sua noiva morena com adoração.
Ao terminar a canção, outras tocaram, até chegar a uma clássica de Elvis Presley, "Can't Help Falling In Love", que a voz de Julian tornava muito emocionante. Quem olhasse para o casal na pista de dança podia ver que ele claramente cantava para Elise, e todos os casais apaixonados se sentiam representados.
Foi nesse momento que Erick estendeu a mão para uma Cristal relutante e obviamente contrariada, que o seguiu e começou a dançar com ele, mantendo seu corpo o mais afastado que a dança permitia. Erick, fingindo não notar que ela estava se afastando, enlaçou firmemente sua cintura, puxando-a para bem perto.
Cristal xingou e ele riu. O som fez coisas estranhas no corpo dela.
— Para uma garota criada em família educada, você tem uma língua bem rebelde, não é? — ele sussurrou em seu ouvido, sentindo que ela se arrepiava.
— Foda-se — ela replicou, irritada por seu corpo traidor.
Ele deu uma baixa gargalhada, o que sobressaltou Cristal, pois a maioria dos homens recuaria ou repreenderia seu vocabulário, ficando ofendido pelo xingamento, mas não Erick, aparentemente. Ele apenas riu e respondeu:
— Pra você também, querida.
Eles não conversaram, porém Cristal estava bem consciente da mão forte que acariciava "quase" inocentemente suas costas e do hálito morno do loiro em sua orelha. Cristal se deixou envolver, mesmo sem querer, pela fragrância que exalava dele, uma mistura amadeirada e floral que gritava "poder e sedução".
O toque quente de Erick era tão bom, e Cristal estava tão distraída por ele que não percebeu a mudança da canção e acabou dançando duas músicas com ele, até que a banda tocou numa batida mais agitada e uma mulher começou a cantar.
Eles saíram da pista de dança e Erick sussurrou ao seu ouvido, rindo ao vê-la estremecer.
— Obrigado pelas danças. Foi um prazer.
— Queria poder dizer o mesmo — ela resmungou.
Ele continuou rindo enquanto iam comer as sobremesas.
As canções se alternavam entre italianas, brasileiras e músicas em inglês. Depois de um tempo, Bruna e Andreoli continuaram dançando, mas Elise e Julian saíram da pista, assim como Rebeca, que foi substituída por Ruth. A pequenina gargalhava, deliciada pela atenção do pai, que girava com ela no colo em torno da pista, entre vários casais.
Eva e Carlos conversavam com Dante, o pai de Andreoli, e Bárbara. Nicole foi convidada para dançar por um italiano alto que, obviamente, estava encantado por ela.
Durante o resto da festa, Erick não deixava de encarar Cristal, que ficava nervosa pelas reações do seu corpo a ele. Por um lado, ele ficava irritado pela forma como ela o tratava, a hostilidade gratuita apenas por ele ser um Schmitz, mas por outro, não conseguia deixar de achá-la uma jovem mulher interessante.
E não era só a sua aparência que chamava a atenção dele, apesar dela realmente ser bonita. Ele observava seus cachos soltos, compridos até a cintura, os olhos marcantes que mostravam toda a sua rebeldia, e o corpo... Erick reprimiu um gemido de desejo ao lembrar como seu corpo se amoldou ao dele durante a dança.
Lembrou-se de ter achado Elise lindíssima quando a conheceu. Apesar de sua semelhança perturbadora com Cecília, ela tinha características únicas e um corpo sensual cheio de curvas. Ele achava que Julian tinha sorte.
Contudo, no momento em que pôs os olhos sobre Cristal, seu corpo tomou a frente de todas as suas reações, com uma força primitiva. Ela tinha o corpo perfeito, curvas suaves e aquela boca que o fazia perder a cabeça imaginando o que podia fazer com ela.
Mas o que realmente o interessava era Cristal como um todo. Ele a queria. Queria ultrapassar essa capa de proteção dela e descobrir quem era Cristal Albuquerque.
Se tivesse a chance, conseguiria fazê-la deixar o preconceito de lado?
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