28. DOIS AMIGOS APAIXONADOS
Erick olhou para o papel em sua mão, a dor visível em seus olhos.
Na noite anterior, Cristal pediu um carro e foi embora, levando Melissa consigo. No sábado, ele ficou dormindo até tarde e acordou ansioso para vê-la, precisava conversar com ela.
Mas a jovem não estava no apartamento.
Quando ele bateu na porta de seu quarto e não recebeu resposta, abriu a porta e viu que ela não estava. Suas coisas e sua mala haviam sumido, e um papel branco dobrado em cima da escrivaninha era a única evidência de que aquele quarto não estivera vazio.
Erick pegou o papel e abriu, lendo a carta que ela deixou.
"Oi, Erick.
Se você está lendo isso, é porque já estou bem longe.
Sei que agora você deve estar me achando uma covarde, e eu admito que sou. Quando se trata de você, eu sou covarde o bastante para não admitir que me doeu dizer 'não'.
Cheguei a pensar em como poderia dar certo entre nós, não vou mentir. No final de todos os cenários possíveis, percebi que isso, essa atração que existe entre nós, jamais daria certo, porque o problema não é você, a tua vida ou a classe social a que pertence. Sou eu. O problema sou eu.
O que você sente por mim... Eu não sou uma pessoa boa, Erick, e preciso que entenda isso. Você merece mais.
É por isso que estou partindo antes do planejado, para que você possa se recuperar sem ter que me olhar indo embora, mas principalmente, para que eu não tenha que te rejeitar novamente, pois acredite ou não, isso dói muito em mim.
Espero que você encontre alguém especial que vai te fazer muito feliz. Desista de mim, eu não mereço o teu esforço.
Você está em meu coração. Adeus."
Ele se sentou na cama, uma lágrima rolando em seu rosto. Quase sem pensar nisso, ele se arrastou para cima da cama, colocando o rosto sobre o travesseiro em que ela deitou pelas últimas seis semanas. Inalou profundamente, sentindo o cheiro que impregnava toda a cama. Era a essência dela.
Enrolou-se na cama e abraçou o travesseiro, pensando nela e chorando, até que adormeceu.
Acordou desorientado, a luz do sol entrando pela janela de vidro do quarto. Uma sombra se elevava sobre ele, a partir da parede ao lado da janela, então ouviu a voz rouca de David:
— Erick? Por que está dormindo na cama da Cristal?
O loiro ergueu a cabeça, girando para ficar de costas na cama, e esfregou os olhos, sonolento.
— Como você sabe que é o quarto da Cristal? — Sua voz soou grogue.
— O perfume dela está em todo lugar desse cômodo.
A mente de Erick demorou um pouco para absorver o que seu amigo disse.
— Como você conhece o perfume dela?
David bufou.
— Você ainda está dormindo. Vem, vou passar um café.
— Não tô a fim. Só quero ficar aqui.
— Para de besteira. Onde ela está, afinal?
— Foi embora. Sem se despedir.
David ficou calado por um momento, depois murmurou:
— Talvez seja melhor assim.
Ele foi para a cozinha enquanto Erick pensava no que o ouviu dizer. Cinco minutos depois, levantou-se e cambaleou até a cozinha, onde David esperava o café ficar pronto.
— Estou fazendo um expresso. Encontrei creme na geladeira, mas acho melhor você tomar puro.
Ele não se virou para olhar seu amigo, que puxou um banco de sob o balcão de mármore e se sentou, bocejando.
— O que você quis dizer com "talvez seja melhor assim"?
— O quê? — David o olhou com a testa franzida.
— Eu ouvi o que disse, David. Quero entender por que pensa assim. — O moreno ficou calado enquanto servia o café. Tomou um gole da bebida fumegante pura e assistiu o loiro beber o líquido amargo com uma careta. — Então, não vai me responder?
— Você sabe o que eu penso sobre um relacionamento entre vocês.
— Não, eu não sei. Você sempre foi muito aberto sobre não gostar da Cristal, mas nunca me falou por quê. Nunca realmente deu uma opinião sobre eu ter mais do que amizade com ela.
— Achei que a forma como agi era indicativo suficiente.
— Por que você não deixa essa merda de lado e diz de uma vez por que te incomoda tanto pensar em nós dois juntos?
— Eu não penso em vocês juntos, simplesmente não vejo como podem combinar. Além de você ser de uma das famílias mais ricas do país, ela e sua família tiveram uma péssima experiência com o teu irmão, isso fora o fato de que ela é totalmente diferente das mulheres com quem você já se relacionou. Pensa por esse lado: no momento em que vocês tornassem público um relacionamento, a mídia cairia matando sobre ela, especulando sobre as motivações dela para estar com o irmão do assassino que quase matou sua irmã. Em algum momento você parou para pensar que ela será a mais afetada nesse mundo de fofocas sobre celebridades? Querendo ou não, você é uma celebridade, e ela não merece ter a paz arruinada depois de tudo que aconteceu em seu passado.
— Eu nunca cheguei a pensar nisso porque estou disposto a protegê-la até o inferno se precisar. E desde quando você se preocupa com o bem-estar da Cristal? Só conseguiu ser um babaca com ela desde o início.
David desviou o olhar e se calou. Erick ficou olhando para o seu amigo por um momento, então algumas coisas que aconteceram quando David e Cristal se encontraram ficaram dando voltas em sua cabeça.
Lembrou-se do jeito como David era deliberadamente babaca com ela, como a tratava mal e a menosprezava sempre que podia, então pensou em como ele ficou bravo quando os viu juntos à sua porta de manhã cedo e cuspiu ofensas, até sua expressão depois que ela o derrubou a socos e pontapés.
Franzindo o cenho, as coisas se encaixaram em sua mente, e ele falou um palavrão, o que fez com que David o olhasse de novo.
— Você está apaixonado por ela. — Era uma afirmação, e David não se deu ao trabalho de negar.
— O que me entregou?
— Você nem mesmo vai tentar negar que está a fim da mesma mulher que o teu melhor amigo? Que merda, David!
O moreno deu de ombros, deixando o café de lado e se encostando no balcão.
— Qual o sentido de negar? Você me conhece melhor do que qualquer um, Erick.
— Eu pensei que conhecia.
— O que quer dizer com isso?
— Não é óbvio? O meu melhor amigo não ficaria entre mim e a mulher por quem sou apaixonado. Esse tempo todo se tratava de ciúmes?
— Ciúmes? — David deu um sorriso amargo. — Sério, Erick? Acha mesmo que eu queria sentir essa merda? Você sabe o que aconteceu na única vez em que amei uma mulher. Consegue imaginar que eu me colocaria nessa situação de propósito, quando ela claramente não gosta de mim?
— Se não era ciúmes, por que você foi um idiota desde a primeira vez que a viu?
— Quando você mostrou interesse por uma garota que claramente não fazia parte do nosso mundo, eu pensei: "o que esse idiota está fazendo"? Ela é simples, sem sofisticação e, obviamente, não se preocupa com regras de etiqueta. Não me leva a mal, você sabe que eu nunca suportei as mulheres afetadas da alta sociedade, mas esse sempre fui eu, não você. Aí eu fui pesquisar sobre ela na internet e nós tivemos aquela conversa interessante sobre o que Kevyn fez para a família dela, e eu pensei: "Porra! O Erick só pode estar louco!" Eu simplesmente não conseguia entender a tua fixação por ela.
— Mas você não gostava nem de ficar perto dela. Ou era o que mostrava.
— Porque ela me causa sensações confusas. É uma mulher linda, com uma sinceridade implacável, diferente de qualquer uma que eu já tenha conhecido. Me incomodava o fato de que você era óbvio sobre gostar dela, e ela era arredia, como se escondesse alguma coisa. Eu pensei que ela estivesse brincando contigo, talvez te usando para se vingar do que sofreu com Kevyn, mas ela era tão difícil de decifrar! Eu ficava analisando seu comportamento, procurando qualquer prova de que só queria brincar com os teus sentimentos, e me sentia mal porque não encontrava nada.
— Mesmo assim, você continuou tratando a Cris mal. Quando isso começou a mudar?
— Quer mesmo falar disso, Erick? Eu me apaixonei por ela, não foi planejado, me senti péssimo porque sei que você também se apaixonou e vocês se conheceram primeiro. Pensei que se continuasse sendo um babaca, conseguiria parar de me sentir culpado por meus sentimentos. Mas o tempo passou e ela sempre deixou claro que não queria nada além da tua amizade. Acho que uma parte de mim sentiu esperança a cada vez que ela se afastou de você, mesmo que eu me sentisse um canalha por estar de olho na tua garota.
Erick fechou os olhos e suspirou.
— Que droga, cara.
— É... — Ficaram em silêncio por alguns minutos, então David falou de novo: — Eu nunca pensei que estaria nessa situação. As coisas eram bem mais fáceis quando você estava planejando casar com a minha irmã.
Erick bufou.
— Eu quis casar. Até ela me magoar.
— Sei disso. Cheguei a pensar que você estava usando a Cristal para tentar esquecer a Dani e fiquei com raiva disso. Mas cada vez que você falava sobre a Cristal, eu percebia que, apesar de você ter rompido com a minha irmã há apenas pouco mais de um ano, teus sentimentos por ela não existiam mais. Pensei que um ano fosse pouco para esquecer alguém, acho que você nunca amou a Dani de verdade. Estava tão apaixonado que queria dividir tua vida com ela, mas no momento em que te magoou, você nem considerou perdoar.
— Você sabe que não é bem assim. Eu amava a Dani, mas o meu amor não foi suficiente. Ela se recusou a casar comigo para poder aproveitar a vida de solteira, tanto que na semana seguinte estava embarcando para a França e pouco depois estava postando fotos com caras aleatórios em baladas. Se houve alguém entre nós que amou de menos, foi ela.
— Bem... ela voltou disposta a te reconquistar.
— E nunca teve chance, David. Nosso relacionamento acabou no momento em que ela disse "não" para o meu pedido no meio do restaurante mais romântico de Nova Iorque. Eu desejo que ela seja bem-sucedida em sua profissão e encontre alguém que a faça feliz, mas meu coração almeja a Cristal.
Ele passou as mãos pelo cabelo e suspirou enquanto David cruzava os braços.
— Isso é trágico. Daniele quer você, que quer a Cristal, que não quer ninguém. E eu sou o solitário da história. Parece enredo de uma novela ruim.
— É... e eu nem sei o que fazer para que ela mude de ideia. É tão obstinada, mesmo admitindo que sente atração por mim.
— A atração sempre foi óbvia, amigo. Isso me confundiu todas as vezes em que ela declarou que vocês eram apenas amigos. Confesso que pensei que depois daquele beijo no terraço da festa, vocês se assumiriam juntos, só que ela continuou insistindo que não poderiam ter mais do que amizade.
Erick olhou a expressão amuada de David.
— Então você viu o beijo... Eu não tinha certeza até agora.
David deu uma risada sem humor.
— Senti como se alguém estivesse batendo com um martelo na minha cabeça. A forma como ela se derreteu nos teus braços... isso me assombra. Você está errado ao pensar que eu agi daquela forma por ciúmes. Na verdade, eu senti raiva de mim mesmo por desejar estar com ela, queria que ela sumisse para que eu não sentisse mais esse desejo absurdo. Depois eu senti inveja porque queria estar no teu lugar, provando os lábios dela. — Erick rosnou e David riu, dessa vez de verdade. — Não adianta mentir e eu nem costumo mentir para você. Esse é o motivo pelo qual somos melhores amigos.
— É. Às vezes, eu queria que não existisse essa honestidade tão brutal entre nós. — Erick passou a mão no rosto e foi para o terraço, fazendo sinal para que David o seguisse. — O que fazemos agora? Estamos nessa situação incômoda e o motivo disso está bem longe, provavelmente deitada em sua cama, descansando. Quão estúpido é isso?
— Muito estúpido. E patético.
Eles se encostaram na grade de proteção do terraço, olhando para os prédios ao redor.
— Eu não vou desistir dela, sabe? Sei que ela tem sentimentos por mim, só que alguma coisa a impede de aceitar isso.
— Nesse caso, espero que você não se incomode com um pouco de competição.
Erick olhou para ele, surpreso.
— Como é?
— Eu decidi que, já que estou admitindo meus sentimentos, não vou me preocupar mais em me machucar, porque sei que ela vale à pena.
— Então, o quê? Você vai deixar tua vida aqui e ir para Lins atrás dela, mesmo sabendo que pode ser rejeitado assim como eu?
— É uma possibilidade. Você mora em Campos do Jordão e organizou tua vida por um mês aqui. Por que eu não posso fazer o mesmo? É para isso que serve a internet. Reuniões e todo o resto, dá para gerenciar tudo à distância por um tempo. E não é como se ela fosse morar em Lins para sempre, pode ter sido a escolhida para trabalhar na empresa da tia Heidi. Quando menos esperar, ela vai estar morando em São Paulo. — Ele deu um sorriso sarcástico. — Além do mais, eu te conheço bem o suficiente para saber que estará arrumando as tuas coisas ainda essa semana para passar um tempo em Lins também. Podemos dividir um apartamento, se quiser.
Erick bufou.
— Tudo pra você é brincadeira? Eu falei sério sobre não desistir dela.
— Eu também falei sério sobre tentar conquistar aquela teimosa. Como eu disse, vale à pena.
— O que vai acontecer se ela escolher um de nós?
— Na vida, é preciso saber perder. Nem sempre podemos ter o que queremos, amigo. E pior do que não conseguir é nem tentar. Você me ensinou isso.
Erick olhou para David em silêncio, depois voltou a olhar para os prédios ao redor.
— Você está realmente apaixonado por ela.
— Você tinha dúvidas sobre isso?
— Não. Só pensei que não era como o que eu sinto.
— Eu gostaria que não fosse. Acredite em mim. Mas já que estou no fogo, não resisto a me queimar.
— Então vamos fazer essa coisa de "que vença o melhor"?
— Isso não seria justo. Eu sou melhor que você em tudo, inclusive na beleza.
Eles riram juntos. O primeiro sorriso verdadeiro do dia.
— Eu só quero pedir uma coisa, David. Não importa o que aconteça, você é o único amigo verdadeiro que encontrei na minha vida e não quero que essa amizade acabe.
David balançou a cabeça, compreendendo. Era assim que se sentia com relação a Erick também.
— Somos melhores amigos. Isso não vai mudar por causa de uma mulher. Não importa quem ela escolha, não deixaremos de ser amigos. O perdedor terá que superar e seguir em frente.
— Temos um trato, então.
— Sim, temos.
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