20. UM PRESENTE DE CORAÇÃO
Isso é ridículo.
Pensei que as coisas estivessem bem estabelecidas, mas a vida parece que insiste em ficar me confundindo o tempo todo.
Por um lado, há um sentimento em mim, desconhecido, de certa forma, que me atrai a ele, mantendo-me perto, mesmo que o outro lado, mais racional e cínico, me diga que isso é uma péssima ideia, porque eu fui gravemente ferida da última vez que me entreguei e se fizer isso de novo, meu coração não vai resistir.
Como posso fazer isso parar?
Junho de 2024, 10pm
"Advinha? Você não tem lugar na vida do Erick."
A voz de David ficava se repetindo incessantemente na cabeça de Cristal. Era irritante. Ela queria parar, mas sua mente parecia ter vontade própria.
"Você acha que é alguma coisa só porque um Schmitz te olhou? Pode se iludir o quanto quiser, mas no fim das contas, nem o irmão malvado te quis! Ele preferiu a tua irmã!"
David não tinha ideia do quanto isso estava perto de ser uma mentira. A parte de Kevyn preferir sua irmã? Correto. A parte de ele não querer Cristal, ou pelo menos seu corpo, era bem mais complicado. Ou talvez David tivesse razão e ela realmente não tinha o que era necessário para prender a atenção de um homem.
Cristal balançou a cabeça negativamente. Não! Tinha passado muito tempo reconstruindo sua autoestima depois de descobrir que a "morena cacheada de olhar atrevido" que não saía da mente do "seu Ricardo" era Elise e não ela. Muito tempo dizendo a si mesma que ela era diferente de sua irmã, mas não inferior a ela.
Não iria deixar que um completo babaca lhe fizesse duvidar de si mesma. Já tinha demonstrado fraqueza na frente de Erick ao falar mal de si mesma, não iria deixar que a maldade das palavras de David se infiltrasse sob sua pele também.
Depois do dia em que David lhe disse aquelas coisas asquerosas, ela não o viu novamente. Sabia que Erick provavelmente o estava mantendo longe por causa da discussão que acabou em briga e o sangue de David sendo cuspido no chão. Cristal estava tão furiosa que teria quebrado o nariz do moreno sem hesitar se Erick não tivesse lhe segurado.
De qualquer forma, seu estágio demoraria mais duas semanas e, gostando ou não, era hóspede de Erick, portanto, era impossível passar o resto do estágio sem ver David, a não ser que Erick fosse embora.
Sem esperar, Cristal sentiu uma dor no peito com o pensamento do loiro ir embora. Ignorando isso, voltou a arrumar seu cabelo, que agora mal cobria sua nuca, pois ela havia combinado ir com Erick entregar a peruca feita com seu próprio cabelo a Carina, a menina curada de câncer que agora morava em um apartamento não muito distante do Jardim Paulistano, cuja mãe trabalhava como empregada na casa de uma promotora de justiça, aparentemente, amiga da família Schmitz.
Ela estava ansiosa para ver a felicidade no rosto da pequena Carina ao receber o presente.
Passou um perfume cítrico e saiu do quarto para esperar Erick na sala. Melissa estava sentada no sofá, mexendo no celular. Era sábado de novo e a semana tinha sido bem estressante.
— Você está linda, Cris.
— Obrigada, Mel.
— Que pena que não me olha como olha para o Erick — ela murmurou, triste.
Cristal suspirou.
Há alguns dias, ela descobriu por que Melissa não parecia minimamente interessada por nenhum dos dois lindos homens que vinham enlouquecendo Cristal ultimamente. As duas estavam assistindo a um filme sozinhas quando um assunto sobre atração sexual foi abordado, por causa do filme, e Melissa se aproximou de Cristal para beijá-la na boca.
A morena gentilmente se afastou, pedindo desculpa e dizendo que, apesar de achar Melissa muito linda, ela não se sentia atraída por mulheres. O clima entre as duas ficou estranho por cerca de dois dias, então tudo pareceu voltar ao normal. Bem, pelo menos até a loira perceber os olhares que a cacheada lançava ao loiro sexy e vice-versa.
Mesmo assim, elas tinham se tornado amigas. Cristal apenas lamentava ter machucado Mel, que realmente gostava dela, mas não podia mudar sua natureza. Ela gostava de homens tanto quanto Melissa gostava de mulheres, isso era um fato que não dava para mudar.
Cristal sentou ao lado de Melissa em silêncio, enquanto esperava Erick, que apareceu cinco minutos depois, vestindo jeans e camisa de botões, tênis de marca e óculos escuros. Ele a olhou de cima a baixo, sorrindo e elogiando sua escolha de roupa, pois achava que o vestido azul combinava com ela e valorizava suas curvas suaves.
Eles saíram e, pouco tempo depois, chegaram a uma imponente mansão pintada de verde-água. Erick falou com o porteiro, que abriu o portão para ele, e o loiro dirigiu por um caminho de pedra ladeado por belos jardins, até um espaço na frente de uma escadaria que levava a um pátio com piso de linóleo escuro.
Cristal admirou o lugar, mas não disse uma palavra. Erick falou com um homem robusto, aparentemente um segurança particular, que os levou até uma bonita sala de visitas. Todo o piso do lugar era revestido de linóleo, que imitava madeira escura.
Uma mulher morena que aparentava uns quarenta e cinco anos entrou na sala, sorrindo e abraçando Erick. Ele a apresentou como Luíza Gama.
— Que bela companhia você tem hoje, querido — ela disse, apertando a mão de Cristal e beijando-lhe o rosto. — E onde está minha amiga? Faz tempo que não a vejo.
— Mamãe está trabalhando com um grupo de estagiários aqui em São Paulo. Papai vem ficar com ela aos fins de semana, depois volta para seus negócios em Campos. Você sabe que ele prefere o conforto de casa. Ultimamente tem me deixado no comando dos negócios na capital e reveza comigo as reuniões fora do país.
— Edgar é o único empresário que conheço que gosta de passar mais tempo em casa. É bom ver que você é tão competente em seu trabalho, ou ele não deixaria os negócios nas tuas mãos.
— Ele me ensinou a vida toda e u gosto do meu trabalho. Argumentar, negociar, fazer projetos que aumentem a produtividade dos empregados, a renda de todos e maiores oportunidades de emprego nesse país onde tantos ficam sem trabalhar... — Ele deu de ombros. — Sinto que estou fazendo a diferença na vida das pessoas e isso me faz bem. Dinheiro e conforto são apenas um bônus.
— É tão bom te ver sorrir dessa forma depois de tudo pelo que a família de vocês passou... — Ela balançou a cabeça, tristemente. — Sei que já se passaram anos, mas como Heidi está?
— Ela sempre vai sofrer por ver seu filho preso. Tinha muitos sonhos para nós dois, mas infelizmente, nem sempre as coisas acontecem como queremos, não é mesmo?
— É. Nem sei o que aconteceria comigo se meu querido Thiago fosse um... — Ela suspirou e sorriu sem graça. — Mas vamos parar de falar de coisas ruins. Ah, Erick, eu amei a nova cozinheira que você me recomendou. Ela é fantástica! Eu não sentia o sabor nordestino desde a minha juventude e é uma das minhas culinárias favoritas. Ela também é muito gentil e honesta. E sua filha! Que garotinha encantadora e educada! E forte também! Tão nova e já passou por tanta coisa...
— Sim. Na verdade, é por ela que estamos aqui. Cristal a conheceu quando fui visitá-la da última vez e tem um presente para ela.
— Que maravilhoso! Espera, vou chamar Lucinda.
Ela tocou um sininho para chamar algum empregado. Cristal não conseguiu parar de pensar que aquilo parecia coisa de filme. A mulher era muito simpática, considerando sua profissão. Viu alguns promotores de justiça em ação no tribunal por ocasião do julgamento de Kevyn e eles eram duros na queda, com cara de poucos amigos, realmente intimidadores, mas aquela era sorridente.
Poucos minutos depois, mãe e filha entraram na sala, sorrindo. A menina, como parecia ser seu costume, correu para Erick.
— Tio Erick!
— Oi Cari — ele cumprimentou, abraçando-a. — Lembra da Cristal?
A menina olhou para a morena e disse:
— A garota que não quer te namorar porque te acha chato? Oi. — Ela pegou na mão de Cristal, que a puxou para um abraço. — Você está diferente. Gostava do teu cabelo comprido, mas assim também combina com você. Teus cachos são tão lindos e macios! — E passou os dedos entre o cabelo próximo da orelha de Cristal.
— Sobre isso, eu tenho um motivo para ter cortado meus cachos.
— É mesmo? E por quê? — a menina perguntou, curiosa.
— Você gosta de receber presentes?
— É claro que sim! — Carina respondeu, confusa.
— Bem, eu tenho algo aqui que pensei que você gostaria, afinal, você achou meu cabelo bonito, então achei que gostaria de ter um pouco dele.
— Como assim?
A morena tirou da bolsa um saco transparente selado, onde se via uma massa de cabelos cacheados castanho-claros. Ao abrir o saco, a menina arfou e deu um grande sorriso ao ver a peruca, ao mesmo tempo em que chorava de felicidade.
— Você fez uma peruca para mim? Com o teu cabelo?
— Senti vontade... E não era justo que esses cachos bonitos fossem só meus. Você também vai ficar mais linda do que já é. Então, gostou?
— Se gostei? Eu amei! Obrigada, obrigada!
A menina abraçou Cristal com força, chorando.
— Me ajuda a colocar — ela pediu, enquanto Cristal via dona Lucinda chorando silenciosamente a um canto.
— Por que você não leva para a tua mãe? Ela vai gostar de cuidar do teu cabelo de novo.
Erick observava a troca, cada vez mais encantado com a morena de olhos verdes. Sentia que seu coração inchava, como se fosse transbordar.
Todos aqueles sentimentos fortes acontecendo na sala também não passaram despercebidos à dona da casa, que observava tudo atentamente. Via gratidão, felicidade, ternura, admiração e satisfação, mas também havia outro sentimento, vindo do jovem Erick e dirigido à moça bonita que o acompanhava. Teria o mais jovem daquela família que ela tanto gostava finalmente encontrado a mulher certa para ele?
Quando Carina estava com a peruca no lugar, suas feições mudaram. Combinou muito com ela. Agora não teria mais problemas com sua autoestima perto das outras garotas de sua idade na escola, e saber que tornou isso possível aquecia o coração de Cristal.
Algum tempo depois, quando se despediram da pequena Carina e sua mãe, Erick e Cristal foram acompanhados até o carro por Luíza. Foi quando a moça ouviu a mulher falar baixinho para Erick:
— Essa garota é uma em um milhão. Se você sabe o que é bom para você, nunca a deixe escapar.
Já no carro, Erick disse:
— Cris, hoje à noite haverá um evento da empresa, eu gostaria que você fosse comigo. Vou entender se recusar, mas realmente gostaria que me acompanhasse, assim não vou me sentir tão entediado.
Ela o olhou seriamente, em dúvida.
— David estará lá?
— Ele é empresário também, de umas das empresas que fazem projetos conjuntos com a nossa, então sim. Mas não se preocupe, ele vai ficar longe. Não vai te incomodar, prometo.
Ela pensou por um momento. Não tinha nada para fazer e Melissa iria para uma boate, o que não a atraía nem um pouco.
— Tudo bem. A que horas devo estar arrumada?
— Às sete. Não se preocupe com a roupa. Sei que não trouxe vestidos de gala, mas vou providenciar um para você.
Ela fez uma careta.
— Não sabia que teria que gastar dinheiro comigo. Se for assim, declino do teu convite.
— Tarde demais para recusar, você já aceitou. Deixa o orgulho um pouco de lado e aceita o presente, está bem? Só por essa noite. Se não gostar, pode devolvê-lo ou dá-lo para alguém. Melissa, por exemplo.
Ela suspirou, ponderando.
— Ok. Mas acho melhor eu mesma escolher. Não gosto de nada extravagante e você não sabe meus números.
— Calças, bermudas e saias, tamanho trinta e oito. Blusas e calcinhas, tamanho "P", sutiãs quarenta e quatro, às vezes quarenta e seis, vestidos ajustados ao busto e cintura, mas soltos no quadril, porque você acha teu quadril estreito, o que é bobagem, na minha opinião, porque teu corpo é perfeito. A cor favorita é o azul, mas também fica magnífica de vermelho. Tem 1,76 m de altura e calça trinta e nove. Não gosta de saltos muito altos e quase não usa maquiagem, mas eu gostaria muito de ver esses lábios carnudos pintados de vermelho. Então, errei alguma coisa?
Ela o olhava, chocada, porém tentou disfarçar.
— Só a parte em que você se ilude pensando que eu me importaria minimamente com a cor que você gostaria de ver em meus lábios.
Ele riu largamente.
— Então, gostaria de deixar tudo nas minhas mãos hoje?
— Talvez.
— Gosta de bolsas?
— Só pequenas.
— Ok. Até mais tarde, então.
Ele a deixou na frente do prédio e ela subiu. Almoçou com Melissa, que insistiu em pintar suas unhas, hidratar seu cabelo e arrumar suas sobrancelhas, para que ela estivesse impecável na festa de Erick. Às cinco, Erick bateu na porta do quarto e lhe entregou quatro sacolas de papel.
As moças tiraram os conteúdos de cada sacola e depositaram sobre a cama.
Na primeira sacola havia uma caixa fina e quadrada, de onde tiraram um lindo vestido de festa vermelho, passado e perfumado, como se Erick tivesse levado em uma lavanderia antes de dar a ela. Na segunda sacola estava uma caixa com um sapato preto. Melissa arregalou os olhos ao ver que era da Prada.
Na terceira sacola estava um papel de seda enrolado em torno de alguma coisa. Quando Cristal abriu e viu que era uma calcinha fina e um sutiã sem alça, ficou tão vermelha quanto o conjunto de lingerie. Melissa disse que essas roupas íntimas eram especiais, pois não ficavam marcadas na roupa. Para quem olhasse, a sensação era de que a mulher não vestia nada sob o vestido.
Na última sacola, ela encontrou uma bolsa (também da Prada, Mel alardeou) preta e pequena, do tipo que fica segura ao pulso. Dentro dela, encontrou uma pulseira e um colar de ouro branco e brilhantes. Um bilhete dizia: "Se ficar desconfortável, relaxa, é só um empréstimo. E.S."
Quando já estava arrumada, Melissa insistiu em fazer uma maquiagem mais elaborada nela.
Ao vê-la, Erick pensou que perderia a compostura. O vestido vermelho assentava-lhe perfeitamente, caindo ao redor de seus pés como uma cascata. Nos olhos, uma maquiagem escura que destacava a linda cor verde de suas pupilas, e seu olhar caiu para a boca carnuda da morena, com um batom vermelho vivo, como o vestido. O colar marcava perfeitamente o início de seu decote sensual e o fato de parecer não vestir nada debaixo do vestido fez com que sua boca salivasse e seu corpo despertasse, tamanho era o seu desejo por ela.
— Você está maravilhosa, Cristal.
— Eu sei — ela disse, fazendo-o rir. Depois, parecendo constrangida, completou: — Obrigada, Erick. Você está muito elegante.
De fato, ele vestia um terno Saint Laurent preto que se encaixava perfeitamente em seu corpo escultural.
— Obrigado, querida, mas algo me diz que os holofotes serão para você esta noite.
— Assim você vai me fazer desistir, Erick.
— Relaxa. — Ele pegou sua mão. — Vou estar com você a noite toda, não precisa se preocupar.
Ela respirou fundo.
— Ok, vamos nessa.
Eles foram para a garagem e Erick a ajudou a entrar no carro, o tempo todo admirando a mulher estonteante ao seu lado. Seu peito se enchia de orgulho. Seria melhor se ela o aceitasse, se pudesse beijar aqueles lábios maravilhosos e mostrar para todos que aquela morena era sua garota, entretanto, como não podia, seria paciente.
Ao chegarem à festa, um salão na cobertura de um prédio de luxo, Erick guiou Cristal, apoiando sua mão com o braço, como um perfeito cavalheiro, ciente de que eles logo seriam acertados sem parar por flashes de câmeras.
De fato, tão logo entraram no salão de festas, câmeras dispararam sem parar. Vendo o desconforto de Cristal, Erick sussurrou uma piadinha em seu ouvido, o que a fez rir, olhando para ele e relaxando.
Logo, um silêncio se instalou no local. O único som era o que saía dos instrumentos de corda e do piano, cujos instrumentistas estavam em um tablado, ao centro do salão, então Cristal percebeu que todos os convidados olhavam para o jovem casal que acabava de entrar, obviamente se perguntado quem seria a bela jovem que parecia tão à vontade com o loiro.
Ela olhou ao redor, encontrando os olhos surpresos de Heidi, ao lado de um homem de olhos azuis tão intensos e familiares, que ela temeu desmoronar.
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