17. UM NOVO ASSASSINO À SOLTA
Caro Diário,
O perigo é como gás. Se alastra silenciosamente, tomando conta do ambiente, e quando a pessoa finalmente percebe o cheiro, é tarde demais. O gás venenoso impregna o ar, acabando com o oxigênio e asfixiando qualquer ser vivo que se veja envolvido por ele.
Não percebemos o perigo até que algo grave aconteça. E quando acontece, sai devastando tudo em seu caminho.
09/06/24
Elise suspirou, mais uma vez, irritada.
— Elise? — Ouviu a voz de Luigi lhe chamando a atenção. — Está tudo bem? Você está limpando a mesma peça de cerâmica há quase cinco minutos. Acho que ela deve ser a peça mais limpa do museu agora. — Ele deu um leve sorriso.
Ela o olhou, surpresa. Ele estava brincando? Que estranho. Luigi era o mais sério do grupo. Ele nunca brincava, nunca fazia piadas. Não durante o trabalho.
— Eu não sou completamente desprovido de humor, sabe? — ele disse, interpretando corretamente a expressão dela. — Apenas opto por não brincar ou fazer piada durante o trabalho. Prefiro estar concentrado. Mas e você? Aconteceu alguma coisa que te deixou distraída?
— Não, não... — Elise suspirou ante o olhar atento do colega. — Na verdade, eu estou chateada, mas não vou te encher com os meus problemas.
Ele se aproximou e pegou sua mão. Ela franziu a testa. Luigi não era dado a ficar tocando em ninguém também. Principalmente nela.
— Você pode me falar. Sou bom em guardar segredos. E não vou ficar "cheio" de você, Elise. Muito longe disso.
Ela pigarreou e retirou a mão do meio das grandes mãos ásperas dele.
— Não é nada demais. Só que eu queria ter um final de semana divertido com meu noivo, mas ele viajou ontem a trabalho e vai ficar uma semana longe.
— Hum... é ele que trabalha na Galleria Borghese com Mário Santino, não é?
— Sim. Como você sabia disso? Eu não lembro de ter contado.
— Mário Santino é um dos melhores curadores do país. Seus assistentes são invejados por estarem próximos a ele. Porém, é sua filha que dá muito o que falar no meio artístico. Perla Santino é conhecida por sua impetuosidade e atrevimento. Botou para correr duas assistentes de seu pai e se envolveu com o último, que era casado. A garota é um furacão e não costuma perder depois que se propõe a ter alguma coisa ou alguém.
Elise arqueou uma sobrancelha.
— Você quer me dizer alguma coisa diretamente, Luigi?
Ele deu de ombros.
— Não falo por maldade, mas teu noivo deve tomar cuidado com o tempo que passa perto de Perla. Ela tem essa fama por um motivo. Além do mais, se eu tivesse uma noiva como você, jamais me permitiria passar tanto tempo longe. Muita coisa pode acontecer em uma semana.
Elise ficou ainda mais irritada.
— Não é como se ele tivesse uma escolha — ela resmungou. — É o trabalho dele. Se tivéssemos que viajar para fazer qualquer coisa pelo Palazzo, nós iríamos, não é?
— É claro. Entretanto, o Mário não passa tanto tempo assim nessas viagens apenas trabalhando. Perla o convence a ficar mais tempo do que o necessário para que possa se divertir. Acredite, um terço do tempo em que eles estarão viajando será composto de festas e passeios turísticos.
Ela deu de ombros dessa vez.
— Confio no Julian. E ele também merece se divertir.
Apesar de sentir muito ciúme, tinha que admitir.
— Assim como você. No lugar dele, eu teria providenciado para que você passasse o final de semana viajando com eles, afinal, você quer ser uma curadora também, trabalha na mesma área e Mário jamais rejeitaria a tua presença. — Ele se aproximou de novo e colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. — Só estou dizendo que você pode confiar no teu noivo, mas não deve confiar em deixar Perla sozinha perto dele.
Ela se afastou.
— Não posso fazer nada agora. Só me resta esperar que ele volte para conversar com ele sobre isso.
— Tudo bem, mas você pode sair para se divertir, não pode? Vamos reunir o grupo, sair para outro happy hour. Será bom pra todo mundo.
Ela o olhou de esguelha.
— Da última vez, Amber ficou bêbada, fez sexo com uma garota no banheiro, insistiu em ir embora sozinha e depois foi espancada por um assaltante. Eu não diria que foi uma experiência agradável. Não para nós.
— É, só que dessa vez podemos andar no mesmo carro. Um de nós fica sem beber e leva todo mundo para casa. Vamos, vai ser legal. Você não costuma beber muito mesmo.
— Eu não costumo beber álcool. Champanhe e vinho são para ocasiões especiais. Foi por isso que eu só bebi soda e uma taça de vinho naquela noite.
— Ótimo. Então você pode ser a nossa motorista. Topa?
Ela suspirou de novo.
— Vou pensar sobre isso.
— Certo. Amanhã é sexta-feira, então você só tem um dia para pensar.
Quando o expediente acabou aquele dia, Elise foi até a sala que era usada pelos estagiários para pegar suas coisas, a fim de ir embora, porém, encontrou a porta trancada.
— O quê? — sussurrou para si mesma. Bateu na porta e ouviu um gemido do lado de dentro. — Ei, tem alguém aí? Preciso pegar minhas coisas.
Ninguém respondeu, no entanto, ela ouviu um som farfalhante, como de roupas sendo vestidas. Bateu de novo.
— Sério, eu preciso pegar minhas coisas, dá pra abrir a droga da porta? — Sua voz estava irritada.
A porta se abriu, mostrando uma Amber ofegante e suada.
— Você está de mau-humor, né?
— Amber, por que trancou a maldita porta?
— Calma aí, querida. Você não vai querer saber a resposta.
— Dá licença. — Elise empurrou a porta, entrando.
Deu de cara com uma moça que aparentava ter uns dezoito anos. Cabelos escuros cacheados, corpo pequeno e só de sutiã, com o zíper da calça aberto.
Elise lançou um olhar para Amber.
— Sério? No horário do expediente, Amber? Qual é o teu problema?
— Relaxa, Elise. Ela é uma turista que estava visitando o museu. Foi atração instantânea, não é, querida? — falou em inglês.
A garota corou e sorriu timidamente.
— Desculpe, eu tenho que ir. — Ela vestiu a blusa e arrumou o cabelo revolto.
— É claro — respondeu Amber. — Você já tem meu número. Me liga se quiser se divertir de novo. — E beijou a outra na boca.
— Você está descontrolada — Elise falou depois que a visitante saiu. — Eu pensei que estivesse rolando algo entre você e o Luca. Pelo menos é o que os meninos falam.
Amber fez muxoxo.
— Os meninos são muito fofoqueiros. Depois falam das mulheres!
— Então não aconteceu nada entre vocês?
— Eu e o Luca transamos uma vez e ele começou a agir como se fosse meu dono. Quer dizer, eu sei que sou muito gostosa, mas não suporto homem possessivo.
— É por isso que você fica encarando ele quando pensa que ninguém está vendo? — Elise riu, pegando suas coisas e indo para a saída.
— Ah, ele é uma delícia, então por que não olhar? Mas esse lance de exclusividade não é para mim, ainda mais com um homem que não pode ver um rabo de saia que já fica babando. Até por você ele fica louco, só disfarça porque te respeita.
— Está com ciúme do Luca, Amber?
— Claro que não! Que bobagem! Ele foi uma transa gostosa, só isso.
— Sei. Agora tenho mesmo que ir. O Luigi te convidou para o happy hour amanhã?
— O Timothy me chamou, mas não sei se vou. Aquela turista gostosinha quer me encontrar. Vamos ver.
Elise balançou a cabeça. Amber não tinha jeito mesmo.
No dia seguinte, Elise e os outros foram jantar e beber juntos. Ela, como não bebia, ficou responsável por dirigir. Amber encontrou com eles no restaurante, quase uma hora atrasada, usando uma echarpe preta de seda em volta do pescoço. Como esse não era o seu estilo habitual, ao ser questionada, ela respondeu, sorrindo, que pertencia à turista com quem ela teve "um bom tempo" antes de ir encontrá-los, e que iria viajar com ela no fim de semana.
Contudo, ela não viajou.
Naquela mesma noite, depois que Elise deixou cada colega seu em suas casas, usando um dos carros do Andreoli, viu-se um alvoroço em um prédio não muito distante do Palazzo Massimo. Ambulâncias e viaturas ocupavam quase um quarteirão inteiro.
A rua estava cheia de curiosos atrás de uma fita listrada que demarcava a distância que deveriam manter do local. Ao longe, Elise vislumbrou paramédicos empurrando uma maca onde estava um saco preto fechado. Ela estremeceu ao perceber que tinha alguém dentro. Um corpo.
Dirigiu rapidamente de volta à mansão, pensando naquilo. A última vez que viu aquele saco preto foi quando o corpo de Cecília foi encontrado no bunker que Kevyn usava como esconderijo. O trabalho da polícia retirando tudo o que tinha no esconderijo foi televisionado.
Elise balançou a cabeça, tentando afastar as lembranças. Não chegou a ver quando Roger foi retirado do local onde foi morto, mas sabia que ele tinha sido levado em um saco como aquele.
Novamente estremeceu ao pensar nisso.
Já fazia muito tempo que não pensava em mortes. Anos, para ser exata. Ficou pensando se seria uma vítima de assassinato ou alguém que sofrera algum acidente doméstico, ou até um idoso que já esperava uma visita da morte. Por algum motivo, teve a sensação de que não era nenhuma das duas últimas alternativas, só não sabia por que se sentia assim.
Parou de pensar no assunto, até o dia seguinte, quando encontrou os três Marchetti e Bárbara, de mãos dadas com Dante, sentados em frente a uma TV onde um repórter falava do mais novo caso de homicídio, ocorrido entre oito e nove horas da noite anterior. Uma jovem turista foi encontrada estrangulada, nua em uma cama de hotel, e a perícia indicava que seu corpo tinha traços de atividade sexual recente.
Elise teve um sobressalto ao ver a foto da vítima na tela. Era a mesma garota que encontrara aos beijos com Amber no museu. Sua expressão ficava mais e mais chocada conforme um especialista falava ao repórter que havia um fitilho grosso em volta de seu pescoço, amarrado com um laço, e que sua pele estava marcada com um desenho feito por um objeto cortante em forma de borboleta, com uma letra "E" ao lado, pouco abaixo da clavícula.
Ela arfou e sua mente registrou malmente que Bruna levantou quase pulando do sofá, sua expressão tão chocada quanto a de sua amiga.
— Isso não é possível — ela disse, o tom de voz duro. — Aquele desgraçado está preso na segurança máxima, então como...
— Um imitador — respondeu Andreoli, levantando e segurando a mão de sua esposa. — Você está bem, querida? Está tremendo.
— Devia perguntar isso a ela — falou, soltando sua mão e indo abraçar Elise, que permanecia calada e estupefata com a situação.
— Se é um imitador, por que escreveu a letra do nome da Elise? — Dante perguntou, desligando a televisão. — Um imitador usaria esse método para encobrir seu próprio crime, porém, com outra motivação. Não pode ser Elise.
— Talvez seja porque o assassino, quem quer que seja, não sabe o significado do símbolo que Kevyn usava, nem sua ligação com Elise — ponderou Andreoli.
— Ou talvez seja exatamente pela ligação desse símbolo comigo que ele está usando — Elise finalmente se pronunciou.
— Como assim? Por que estaria relacionado a você? — Dessa vez foi Bárbara que questionou. — Como você poderia ser o alvo de outro assassino se há anos nenhum homem além de Julian se relaciona com você? Não faz sentido.
— Aí é que está — ela replicou. — Eu não sou o alvo, mas alguém quer fazer o caso ser reaberto ou está usando cada detalhe do que Kevyn fazia para tirar a atenção de seu verdadeiro alvo. Talvez a pessoa esteja próxima a mim.
— Do que você está falando? — Bruna estava confusa.
— Eu conheço aquela garota. Ela visitou o Palazzo na quinta-feira e ficou com a Amber. Elas iriam viajar juntas hoje, para passar o final de semana. Pelo horário da morte, aconteceu assim que Amber chegou ao bar onde eu estava com meus colegas.
— Então você acha que essa morte foi por causa da Amber? — Andreoli indagou, ao mesmo tempo em que Bruna dizia:
— Amber é lésbica?
— Ela é bissexual. E não tenho certeza se é por causa dela, mas é muita coincidência, não acham? A vítima era exatamente como as garotas que Kevyn matava e todos os detalhes foram idênticos.
— Isso quer dizer que você pode se tornar um alvo por causa da tua proximidade com ela? — Bruna perguntou. — Afinal, as vítimas de Kevyn eram baseadas em você.
— Não, eu não acho que seja esse o caso. Pelo menos, não esse tipo de proximidade. Nós somos amigas, a turista era amante dela. E as vítimas de Kevyn eram baseadas em Cecília, na verdade. Ela era minha sósia, lembra?
— Que seja. O assassino não pode pensar que Amber tem interesse em você, já que ela vive por perto? Quer dizer, ela até já dormiu aqui.
Elise deu de ombros.
— Talvez não. Todo mundo sabe que sou noiva. Além do mais, Amber também se relaciona com homens. E ela deixa bem claro que não é exclusiva de ninguém.
— Você sabe de algum homem com quem ela tenha se relacionado que seja possessivo ou esteja demonstrando que não aceita o fato de ela ser muito... hum-hum... livre? — perguntou Dante.
Elise respirou fundo.
Sim, ela sabia de um, contudo, não podia acusar sem ter certeza.
— Eu não sei com quantas pessoas ela se envolve por aí. Como você mesmo disse, ela é livre, tem um espírito aventureiro e só quer se divertir. Amber não é o tipo de pessoa que se liga emocionalmente a alguém, pelo menos não com relação à vida amorosa.
— De qualquer forma — disse Bárbara —, temos que considerar o fato de que se esse caso específico foi obra de um imitador, ele não vai parar na primeira vítima. Kevyn matou seis garotas antes de pegar minha filha e atrair você, Elise.
A expressão da morena ficou sombria.
— Isso quer dizer que um novo assassino está à solta. E ele vai instalar o caos em Roma se não for parado logo.
A tensão no grupo era tão forte, que todos se assustaram quando o celular de Elise tocou alto. Ela olhou o nome na tela e suspirou.
— É o Julian.
— Se ele já viu o noticiário, deve estar pirando agora — comentou Bruna.
— Eu sei. — Ela saiu da sala e atendeu. — Oi, amor.
— Elise! Eu pensei que teria um AVC* quando vi o noticiário! Tem alguém... como é possível? Depois de tanto tempo...
* Acidente Vascular Cerebral, muitas vezes confundido com derrame.
— Shh, calma, calma. O Andreo disse que isso é obra de um imitador, o que é lógico, dado o fato de que Kevyn ainda está preso.
— Eu sei que é um imitador, amor. Estou preocupado com você. Por que você seria alvo de um imitador e por que agora?
— Estávamos conversando sobre isso. Não acho que eu seja o alvo. Pode parecer loucura, mas acho que isso pode ter a ver com a Amber.
— A Amber? O que te faz pensar isso?
— Você sabe que ela é toda louca e inconstante, não gosta de se ligar a qualquer pessoa, prefere apenas se divertir com amantes variados. A questão é que essa vítima era amante dela. Estavam juntas ontem e ela foi morta no mesmo horário em que Amber chegou ao bar para nos encontrar.
— Então você acha que foi alguém que ela rejeitou? Então por que talhar o símbolo que é ligado a você, se é a ela que querem mandar um recado?
— Não sabemos se querem mandar um recado ou se isso foi só vingança, Julian. Eu não acho que seja alguém a quem ela rejeitou e sim alguém que foi seu amante e não aceita que ela fique com outras pessoas. Sobre esse símbolo, provavelmente o assassino não sabe o que significa ou só quer desviar a atenção dela para mim. De qualquer forma, vou rondar Amber no trabalho para ver se ela tem alguma noção de quem pode estar fazendo isso.
— Isso está muito ruim. Não quero um assassino psicótico perto de você de novo, mesmo que esteja certa sobre não ser o alvo, o que eu não vou aceitar tão facilmente, porque não acredito em coincidências, Elise. Vou falar com o Mário, pedir que ele me libere para que eu volte para Roma. Não posso te deixar sozinha.
— Julian, você está aí a trabalho, não pode simplesmente deixar teu chefe e vir embora. Fica calmo. Eu estou com Andreoli e Bruna, vou ficar bem até você voltar.
— Tem certeza? Essa notícia me abalou, amor. Lembrei do inferno que nós vivemos há seis anos. Não quero que nada aconteça de novo.
— Não vai acontecer nada, vou me cuidar, ok? Vou esperar você ansiosamente.
— Eu estou com saudade, minha morena. Te amo.
— Também te amo. Vou pensar em você todas as noites na cama.
— Hum... assim você me deixa tentado a largar tudo e voltar para casa.
Elise riu, corando. Esse momento íntimo de despedida seria perfeito se ela não tivesse ouvido uma voz estridente e melosa do outro lado da linha, dizendo:
— Julian, querido, você não vem para a piscina? Preciso que passe protetor nas minhas costas.
— Elise, me desculpa, amor. Se eu não for...
— Eu entendi. Depois conversamos.
Ela desligou, irritada.
Pelo visto, Luigi tinha razão sobre o perigo ambulante que era Perla Santino.
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