14. SENTIMENTOS
A canção da mídia acima é "Natural", da banda Imagine Dragons. A Cristal canta essa música nesse capítulo.
O quanto podemos nos enganar sobre alguém?
Dizem que a primeira impressão é a que fica, mas quantas vezes já não nos enganamos com as primeiras impressões?
Se me perguntassem qual foi a primeira impressão que tive dele, eu diria que foi a de que ele era um homem extremamente atraente que exalava charme e poder pelos poros. Mas isso foi antes de saber quem ele era.
No momento em que ouvi seu nome, julguei-o baseado em seus laços familiares, achando que estava na frente de alguém mimado, esnobe e que não sabe o que é viver sem luxo e privilégios.
Mas agora que o conheço um pouco todos os dias, vejo que nenhuma impressão, negativa ou positiva, se compara ao homem que vai se revelando a mim gradativamente.
Agora apenas acho que minhas impressões devem ser jogadas no lixo, pois não o conheço de forma alguma.
Maio de 2024, 9pm
Cristal olhou em volta, depois se virou para encarar Erick. Ele sorria, já tendo sua atenção atraída para um menino que aparentava ter uns nove anos de idade.
— Oi, Gui. Como você está hoje? — Ele se aproximou do garoto e Cristal o seguiu.
— E aí, "parça". — O menino tinha sotaque carioca e parecia muito debilitado. — Eu tô forte como um homem grande.
— Estou vendo. — Erick acariciou sua cabeça raspada. — E bonitão também.
O garoto deu um sorriso dolorido.
— Muito mais que você.
Cristal sorriu pelo humor dele, mesmo que ele parecesse prestes a quebrar.
— Com certeza — respondeu Erick. — Eu quero te apresentar uma amiga. Cristal, esse é o Guilherme.
— Oi, Guilherme.
— Me chama de Gui. É maneiro, tá ligada?
Cristal riu ao perceber que o garoto falava com gírias, igualzinho a ela na adolescência.
— Gostei de você, Gui.
— Você é bonita — o garoto elogiou, bocejando.
— Está cansado, filho? — a mãe, que estava ao lado da cama, perguntou.
— Um pouquinho.
— Então descansa, campeão. Você precisa repor as energias. Dormir...
— ... é a melhor forma de sarar — completou o pequeno Guilherme. — Eu sei.
Em menos de um minuto, o garoto ressonava baixinho, mesmo em meio ao barulho que as crianças faziam ao ver os outros visitantes. Erick olhou para ele com os olhos marejados.
— Ele não está melhorando, não é? — perguntou baixinho.
— Não — respondeu a mãe. — As últimas sessões de radioterapia não fizeram efeito. O médico dele disse que não há muito mais que se possa fazer.
— Há algo em que eu possa ajudar? Um tratamento alternativo talvez? Eu pago qualquer despesa que vocês tenham.
A mulher sorriu tristemente.
— Não há nada mais. O câncer já estava avançado quando descobrimos. Tentamos transplante de medula, mas o corpo dele rejeitou o único compatível. Não sei mais o que poderia ser feito.
— O médico dele ainda é o doutor Marques?
— Sim.
— Vou falar com ele. Não prometo nada, mas vou fazer tudo o que puder pelo seu filho.
— Você já faz tanto que eu só posso agradecer.
— O Gui é um garoto amável e obediente. Ele merece o melhor.
— Obrigada, mais uma vez.
Quando eles se afastaram, Erick murmurou:
— Guilherme está lutando contra a leucemia há um ano. Ele só tem dez e já está perdendo. Isso é tão triste, tão frustrante.
Sem pensar, movida pela emoção que via em seu rosto, Cristal acariciou sua mão e disse:
— Nem sempre se pode vencer.
— Eu sei — ele sussurrou, entrelaçando os dedos nos dela.
De repente, eles ouviram um grito.
— Tio Erick!
Uma garotinha de pele escura pulou de sua cama e correu para Erick, que soltou a mão de Cristal e se abaixou, com os braços abertos, para pegar a menina.
— Cari! Você está ótima!
— Sim! Advinha, advinha, advinha!
— O quê?
— O médico disse para a minha mamãe que eu já concluí o tratamento e não preciso mais ficar! Estou curada, tio Erick!
— Sério? — Ele deu um sorriso largo de pura alegria. — Isso é maravilhoso, princesa. Então você não precisa mais de cirurgia? — E olhou para a mãe da menina.
A mulher sorridente tinha lágrimas nos olhos.
— Os remédios que o senhor nos deu da última vez ajudaram a acelerar o processo de cura. O tumor desapareceu. Agora só precisamos fazer o acompanhamento com o doutor para garantir que não vai ter mais tumores.
— Carina, eu estou tão feliz, princesa!
— Obrigada, tio Erick. Você nos ajudou tanto!
— Você sai quando?
— Só estão finalizando a papelada e organizando os exames que já foram feitos — respondeu a mãe. — A previsão é que ela receba alta amanhã.
— O que você pretende fazer agora?
— Minha família mora em Sergipe. Eu gosto daqui, mas não tenho meios de nos sustentar agora que o tratamento acabou, então vou voltar para lá.
— E você só precisa de um emprego? Se é assim, eu vou te dar meu cartão e você me liga para conversarmos sobre isso. Pode me ligar a cobrar se não tiver créditos no celular. Ou melhor, eu posso colocar crédito para você.
— Não precisa. — A mulher deu um largo sorriso. — O senhor foi um anjo que Deus colocou no nosso caminho, Sr. Schmitz.
— Me chame de Erick, dona Lucinda. Foi sua filha que me ajudou a ser um homem melhor.
A garota em questão, ainda no colo de Erick, observava Cristal atentamente.
— Ela é sua namorada? — perguntou.
Erick olhou para trás. Cristal corou furiosamente.
— Ainda não — sussurrou, alto demais, no ouvido da menina.
Cristal levantou as sobrancelhas e Erick riu.
— Ela é muito linda — a menina falou baixinho para ele.
— Sim, ela é. Por que não fala com ela?
A garota foi colocada no chão e andou até Cristal.
— Oi. Eu sou Carina. Você é muito linda. Por que não namora o tio Erick?
Cristal sorriu para ela.
— Oi, Carina. Meu nome é Cristal, mas pode me chamar de Cris. Você também é linda. Não namoro o teu tio Erick porque ele é um chato. E somos só amigos.
Erick colocou uma mão no peito, dramaticamente.
— Ela não sabe apreciar minha simpatia, Carina. Dá para acreditar?
— Se você não gosta do tio Erick para namorar, não gosta do David também, não é? — indagou, parecendo desconfiada. — Porque eu vou me casar com o David quando for grande como você.
Cristal abriu um sorriso sincero.
— Sério? Tudo bem, então. Eu também não gosto do David desse jeito.
— E gosta de algum jeito? Oi, princesinha. Como vai? — Ela ouviu a voz grave de David chegando perto de Erick e falando com Carina.
— Estou curada, David — a menina murmurou, envergonhada.
— Isso é incrível. Eu ouvi o que você disse. Sabe que é uma garota linda, não sabe? — Ele se abaixou para ficar na altura dela.
— Eu sou? Mesmo sendo careca? O cabelo da Cristal é lindo.
— Cabelos crescem. Você sempre será linda, nunca deixe que te digam o contrário. Mas querida, você só tem onze anos, eu tenho vinte e cinco, sou velho demais para você. Quando tiver a idade da Cristal e puder se casar, eu já serei um senhor de meia idade.
— Mas você é lindo!
— Beleza acaba. Quando você for adulta, eu já não serei mais tão bonito e você estará maravilhosa. Vai conhecer alguém da tua idade que será o homem mais feliz do mundo por poder namorar você.
— Você acha?
— Eu tenho certeza. Mas eu sempre serei seu amigo. Combinado?
— Combinado.
Eles bateram um high five.
— Ótimo. Fico feliz por você estar curada.
— Obrigada.
Eles passaram mais algum tempo conversando e se separaram para fazer a alegria de mais algumas crianças, contando piadas, histórias infantis, ou conversando. Cerca de uma hora mais tarde, os três saíram da clínica e foram para o carro. Como ia sair com eles o dia todo, David tinha ido de Uber para a clínica.
Cristal ia se sentar no banco de trás, no entanto, Erick fez questão que ela fosse na frente apenas para irritar o amigo, que ficava olhando mal-humorado para eles através do retrovisor. David fez uma carranca quando Erick colocou para tocar músicas da banda Imagine Dragons. Ele resmungou alguma coisa, o que só fez Erick rir.
Cristal olhou entre eles e começou a cantarolar a canção bem baixinho. Dessa vez, David bufou.
— O que foi? — ela questionou. — Minha voz te ofende, por acaso?
O moreno não respondeu, apenas olhou pela janela.
— Ele não gosta desse tipo de música — disse Erick, ainda rindo.
A moça levantou as sobrancelhas, surpresa.
— Sério? E do que ele gosta?
— "Ele" está bem aqui, ouvindo tudo. Por que não pergunta diretamente a mim?
— Porque você tem o hábito irritante de não responder.
— Eu te irrito? — ele perguntou, com um sorrisinho cínico.
Erick lhe deu um olhar atravessado, parecendo irritado, então voltou a rir.
— Por que não diz a ela o que gosta de ouvir, David?
David novamente ficou calado. Aproximou-se do banco da frente, esticando o braço ao lado do ombro de Cristal para tentar mudar a música, mas Erick impediu.
— Não, não. O carro é meu e você vai ouvir o que eu colocar. Além do mais, a Cristal é nossa convidada e parece gostar da música.
Ele bufou de novo. Cristal se virou no banco para olhar seriamente para ele.
— Que tipo de música você gosta, afinal?
Ele rolou os olhos e ignorou a pergunta.
— Você não respondeu minha pergunta lá na clínica.
Dessa vez foi Cristal quem rolou os olhos.
— Não sei se gosto de você porque você não demonstra gostar muito de mim também.
— Não sei se minha maior vontade é ignorar que você existe ou aceitar que você agora faz parte da vida do meu melhor amigo e, portanto, da minha. Satisfeita?
Ela continuou olhando para ele.
— Você é sempre tão babaca?
— Só com pessoas que despertam o pior de mim. Desculpe se eu prefiro uma abordagem direta. Sou fã da sinceridade.
— Você é rude e insensível em nome da sinceridade. Se o problema é não saber se eu quero o dinheiro do Erick, não precisa se preocupar. Eu não quero nada dele nem de você. Se puder me respeitar, eu agradeço.
— Nunca te desrespeitei. Só disse que não sabia em qual grupo de garotas você se encaixava na vida do Erick. Particularmente, acho que você faz parte das que não são boas o bastante para que ele continue interessado depois de um tempo.
— David... — Erick falou, em tom de aviso.
— O quê? Vai me dizer que não a quer só porque ela diz "não" o tempo todo?
— David... — Dessa vez foi Cristal quem falou. — Vai se foder.
Ele a olhou de cima a baixo e seu olhar ficou ardente. Sem querer saber se era de fúria, ela se virou para frente, ignorando-o.
Erick finalmente falou, quebrando o silêncio incômodo:
— O David é um idiota que curte sertanejo. Não liga pra ele.
Cristal não conseguiu conter a expressão de surpresa.
— Sertanejo?
— Por quê? Só porque tenho o cabelo comprido e uma cicatriz no queixo sou obrigado a gostar de rock?
— É claro que não. Eu só não pensei que você fosse um cara da "sofrência".
— Você não sabe nada sobre mim.
— Você também não sabe nada sobre mim e fica me julgando desde o momento em que me viu pela primeira vez.
Ele ficou calado, porém Cristal pôde ver seus olhos negros fixos nela pelo retrovisor. Ignorando-o, aumentou o volume da música e começou a cantar em alto e bom tom, com uma dicção perfeita, a canção "Natural". Ainda era Imagine Dragons que tocava.
Ao passarem na frente de um salão de beleza, Cristal pediu para Erick parar.
— Preciso fazer uma coisa.
— Agora? Está na hora do almoço — resmungou David.
Cristal o ignorou e desceu do carro, acompanhada por Erick. Entraram no estabelecimento e Cristal foi até a recepção.
— Bom dia. Eu gostaria de fazer um corte.
A mulher analisou os compridos fios encaracolados e disse:
— É claro. Quer só que apare as pontas ou quer mudar o corte?
— Na verdade, eu quero doar para fazer uma peruca. Vocês fazem isso aqui?
Erick olhou para ela, espantado.
— Sim — a mulher falou, atordoada. — Mas geralmente nós compramos cabelo para fazer perucas e vender para lojas de beleza.
— Eu vou doar para uma garotinha que passou os últimos anos lutando contra um câncer. Ela está curada e pode começar uma nova vida como uma criança saudável, mas fica triste por não ter cabelo e as outras crianças podem ficar apontando isso quando ela começar a estudar. Eu tenho muito cabelo e cresce rápido, então decidi presenteá-la com uma peruca.
— Tudo bem. — A mulher olhava para Cristal, admirada. — Espere um momento, vou chamar a cabeleireira.
Vinte minutos mais tarde, eles saíram do salão, tendo organizado tudo para que tivessem a peruca pronta em uma semana. Erick fez questão de pagar pelo serviço da profissional, sentindo aumentar a admiração que tinha por ela. Cristal também sentiu ternura por Erick ao perceber quão bondoso ele era, entretanto, deixou o sentimento de lado, fazendo de tudo para escondê-lo.
Notou o olhar de espanto de David ao ver seu novo visual, mas continuou o ignorando. Eles almoçaram em um restaurante familiar, depois foram para uma quadra, onde se viam vários homens e mulheres de tênis, short e camiseta.
— Futebol? — Cristal perguntou, incrédula. — O teu outro hobby é jogar futebol?
Erick deu de ombros.
— É um esporte para qualquer classe social. Posso ter morado nos Estados Unidos durante anos, mas nunca deixei de ser brasileiro. Amo futebol.
— Você também joga? — Ela olhou para David, que a ignorou. — Idiota.
— David é mais do tipo que curte natação e artes marciais. Esportes com bola não são sua praia. Ele vem para ganhar dinheiro apostando em quem vai ganhar.
— Faz sentido. Tem vaga pra mais uma? Estou de tênis.
— Você joga?
— É claro. E garanto que sou melhor do que todos vocês, seus pernas-de-pau.
— Veremos. — Ele sorriu. — Vamos nessa.
Em pouco tempo eles entraram em times e começaram a jogar. Cristal não se lembrava da última vez que se divertiu tanto. Ela amava a sensação de tomar posse da bola e driblar seus adversários antes de fazer um gol. Era realmente boa. Fez cinco gols em três partidas.
Quando ficou muito cansada, pediu para ser substituída. Sentou encostada à parede da arquibancada, observando Erick jogar sem camisa. Ele era absolutamente belo. Distraída pelo corpo do loiro, ela não percebeu quando o moreno se aproximou silenciosamente.
— Você é diferente das garotas com quem Erick costuma ficar.
Ela fez uma careta.
— Eu não fico com ele, então é normal que seja diferente.
— Você não fica agora, mas vai ficar. Ninguém que ele queira resiste ao seu charme.
— Isso é ridículo. Ele não é o cara mais atraente do mundo e eu não sou mulher de fazer parte de coleções de conquistas. Não sou mais uma da lista dele.
— Você não entende. — Ele se sentou ao lado dela, que se afastou um pouquinho. — Erick não é um cara safado. Em toda a sua vida, ele só namorou três garotas. Stefany durou um ano, ele só tinha dezesseis. Rafaela ficou com ele por um ano e meio, até que ele foi embora para os Estados Unidos. Então ele conheceu Anne, com quem se relacionou por mais de três anos.
— E o que eu tenho a ver com isso?
— Como você, elas resistiram, porém ele conseguiu conquistá-las. Teve algumas garotas de uma noite, mas não é um sedutor, ele se relaciona sério. Só não entendo por que está tão interessado em você, que não tem nada a ver com as ex-namoradas dele. Elas são sofisticadas, da alta sociedade e com muitas relações no meio financeiro. Você é uma estudante de arquitetura que fala palavrão e se comporta de um jeito que não é comum para a maioria das mulheres. — Ao receber um olhar mortífero dela, ele completou: — Não me entenda mal, é só que isso não é o tipo de coisa que combina com ele. Ainda não entendo o que ele quer com você.
Cristal levantou, irritada. Não queria se sentir mal pelo que ele disse, contudo, um sentimento de humilhação trouxe um gosto amargo à sua boca.
David estava mesmo dizendo que ela não era boa o suficiente para atrair o interesse de um homem rico e sofisticado como Erick? Por que isso a incomodava tanto? Afinal, não queria nada além da amizade dele. Ou queria?
— Você não precisa acompanhar o Erick quando ele está comigo, já que isso te incomoda tanto. — Olhou duramente para ele. — Se você me menospreza tanto, por que ainda fica perto de mim?
Ele a encarou de volta, olhos negros mergulhando nos verdes dela.
— Para falar a verdade, eu não sei.
Ela deu uma risada sem humor, depois virou as costas para ir embora.
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