13. CONHECENDO O QUE OS OUTROS IGNORAM
Hoje foi mais um dia daqueles.
Fico pensando em como era muito mais fácil quando minha única preocupação era estudar para passar de ano.
Se ao menos o trabalho me fizesse esquecer... Mas nos poucos minutos em que tenho uma folga, minha mente é invadida por memórias de um tempo em que tudo parecia normal e saudável. Eu não sabia que minha vida estava longe de ser normal. E eu definitivamente não estava tão saudável quanto pensava.
Maio de 2024, 7pm
Cristal jogou o celular em cima da cama, com raiva.
Depois de quase três semanas, pensou que finalmente quem estava lhe mandando mensagens ameaçadoras tinha se esquecido dela, porém outra mensagem chegara aquela manhã, quando ela estava desenhando um projeto.
Felizmente, ela já estava quase acabando quando olhou o celular, por isso pôde terminar sem permitir que suas mãos trêmulas cometessem erros no papel. Queria muito falar para alguém sobre aquilo, se sentia sobrecarregada. Entretanto, Nicole estava longe e já tivera experiência suficiente com hackers para saber que esse tipo de assunto sério não fica seguro quando falado por telefone.
Além disso, nem mesmo Nicole conhecia toda a história. Ela cuidou para que seu segredo fosse só seu, mas outra pessoa descobriu e agora estava tentando infernizar sua vida.
E como se não bastasse, agora também tinha que conviver com a mãe e o irmão de Kevyn. Isso não lhe causaria muito incômodo se não fosse por aquelas malditas mensagens, pois Cristal estava começando a conhecê-los, e a cada dia percebia quão diferentes eles eram daquilo que imaginou.
Erick agora jantava quase todas as noites com ela e Melissa. Ele era gentil e educado quando ela estava sendo agradável, mas quando tinha suas crises de personalidade explosiva, ele parecia ter prazer em provocá-la e rir de sua raiva.
Nesses momentos, Melissa dizia alguma coisa cáustica que o fazia parar de provocar a morena. A garota parecia o tipo de amiga ciumenta que não gosta que seus amigos tenham outros amigos, e embora não dissesse nada, ficava emburrada quando Cristal dava mais atenção a Erick do que a ela. Como esperado, Cristal passava mais de seu tempo livre com a loira, já que Erick fazia aflorar nela sentimentos que preferia ignorar.
Mesmo assim, a amizade entre eles crescia a cada dia. Como elas, Erick passava o dia trabalhando e à noite lhes fazia companhia. Cristal nunca o viu com nenhuma outra mulher, nem mesmo na internet. Pelo visto, ele não era o típico riquinho mulherengo.
Depois de uma semana convivendo com ele, aprendeu a respeitá-lo, contudo, ainda ficava desconfiada com suas gentilezas, especialmente depois de ver como ele se divertia perturbando-a.
Outra pessoa que começava a fazer parte da vida da morena era David, o amigo taciturno de Erick que, diferente do loiro, não demonstrava simpatia por ela. Conversava malmente com Melissa quando solicitado na conversa e não tinha vergonha de encarar Cristal com o que parecia desprezo quando Erick estava por perto, como se ela não fosse boa o suficiente para ter a atenção de seu melhor amigo. Tinham se visto apenas duas vezes e ele já tinha uma opinião formada sobre ela.
Seus sentimentos quanto ao moreno eram contraditórios. Ela o achava bonito e sentia vontade de conhecê-lo melhor, mas se incomodava muito com o jeito como ele a tratava, mesmo que não se importasse com o que pensava dela com relação a Erick, afinal, eram apenas amigos.
Cristal olhou para o celular e tentou imaginar quem ganharia alguma coisa com a exposição de seus segredos. Não lhe ocorreu ninguém, exceto Kevyn, e mesmo ele não ganharia nada com isso, a não ser a discórdia em sua família.
Ela balançou a cabeça, desgostosa consigo mesma. Agora, aos vinte e um, quase vinte e dois anos, ela percebia o quanto foi ingênua aos quinze, quando pensava saber alguma coisa da vida. Kevyn se esgueirou aos poucos para a sua vida e fez um estrago.
Lembrou-se do dia em que chegou em casa com Nicole e encontrou todo mundo reunido, sua família e as das gêmeas Brandão. Aquiles estava mais pálido que o normal, contando que havia passado o fim de semana viajando e "Ricardo" estava tomando conta de um gatinho que ele tinha encontrado na rua e levado para o apartamento. O pânico a invadiu ao ouvir Bruna contar quão assustada ficou ao vê-lo ferido e a quantidade de sangue molhando o chão.
Gostaria de dizer que o coração acelerado e o suor frio foi porque poderia ter sido seu irmão, mas o pânico que sentiu foi pelo anjo de cabelos dourados com quem vinha conversando por mensagem nos últimos meses. Seu irmão estava bem, mas o rapaz que ela tanto admirava estava na UTI depois de uma cirurgia.
Ainda conseguia lembrar de como entrou discretamente em um quarto e chorou por causa dele, torcendo para que ficasse bem e se recuperasse logo. Se soubesse o que esse desejo acarretaria depois para sua vida, jamais teria querido isso.
Batidas suaves vieram da porta do quarto. Cristal despertou de seu devaneio, percebendo que seu rosto estava úmido. Não tinha percebido que estava chorando.
Foi até a porta e abriu, encontrando um Erick relaxado, com cabelos molhados do banho, vestindo apenas uma bermuda. Seu olhar passeou pela barriga e o peito esculpido dele antes de olhar para o rosto másculo. Ele sorria.
— Você não sabe como usar uma camiseta, por acaso? — questionou.
— Acabei de sair do banho. Meu corpo nu te incomoda?
— Nunca te vi nu. Não poderia saber.
Só depois percebeu o que tinha falado e tentou completar a frase com alguma zombaria, mas ele falou primeiro:
— Isso não é um problema. Se quiser me ver sem roupa é só pedir. Eu prontamente atenderei ao teu pedido.
— Não seja tão precipitado. Se eu quisesse te ver nu, entraria no banheiro enquanto você estivesse tomando banho.
— Isso é uma dica? A porta do meu banheiro sempre fica destrancada. Sinta-se à vontade para entrar no meu quarto e invadir meu banheiro quando eu estiver. De preferência, entre sem roupa. Eu aprecio as simplicidades da vida.
Ela revirou os olhos.
— Você não veio aqui para me convidar para o teu banheiro, né?
— Não, mas tenho que admitir que é uma ótima ideia. Eu vim te convidar para ir comigo a um lugar amanhã, você sabe, para me conhecer melhor. Você já me contou quais os teus hobbies favoritos, agora eu quero te mostrar um meu. Dois, se você topar passar o dia comigo e com o David.
Ela fez uma careta.
— David vai também?
— É algo que ele faz também. — Ele deu um sorriso malicioso. — Mas eu vou entender se você quiser um encontro, só nós dois.
— Não seja tão convencido, idiota. — Ela deu de ombros. — Eu só não acho que o David goste de mim. Ele me tolera por tua causa e não é justo forçá-lo a passar seu tempo livre perto de mim.
— O David é um cara legal depois que você o conhece bem. Ele não vai se importar se você for.
— Tem certeza?
— Ele te incomoda tanto assim?
— Não. A não ser quando fica me encarando como se eu fosse uma criminosa.
— É só o jeito dele, Cristal. Você vai se acostumar. Além do mais, amanhã à noite eu vou precisar viajar a Nova Iorque para representar meu pai em um acordo de negócios. Só volto daqui a três dias, por isso não poderemos passar um tempo juntos no fim de semana.
Ela o olhou em dúvida. Ele viajaria por três dias?
Sabia que devia se sentir aliviada por passar alguns dias sem a opressão de sua presença perturbadoramente masculina no apartamento. Então por que não se sentia assim?
— Vamos, Cris. A mamãe está indo viajar esta noite, só volta na segunda-feira. Você tem a sexta livre. Vem comigo?
— Ela nos falou que vai viajar, só não entendi o motivo. Geralmente ela nos faz trabalhar dobrado na sexta para compensar o fim de semana, então por que vai viajar hoje em vez de ir amanhã?
— Você perguntou para ela?
— É claro que não. Eu só fiquei curiosa.
— Se tivesse perguntado, ela teria respondido sem problemas, porém você não gostaria da resposta.
— Por que não?
— Esquece isso, Cris. Então, vem comigo ou não?
— Só vou se você responder minha pergunta.
Ele suspirou e a olhou seriamente.
— Amanhã é o aniversário do Kevyn. Mamãe vai visitá-lo.
Ela sentiu um arrepio.
— Ele não está preso aqui em São Paulo, então?
— Não. Ele está no Paraná, mas só eu e meus pais sabemos onde e não temos permissão judicial para contar. Foi um acordo para manter a segurança dele, pois o alvoroço que causou há cinco anos deixou muita gente revoltada, inclusive outros criminosos. Afinal, ele era só um "riquinho de merda" que matava por prazer.
Cristal estremeceu.
— Tem razão, eu preferia não ter sabido disso. Da próxima vez vou ficar calada em vez de insistir. — E murmurou: — Psicopata doente.
Erick ouviu, apesar dela não ter falado para ele.
— Ele não é psicopata, na verdade. Psicopatas são incapazes de sentir afeto, segundo especialistas. Kevyn ama a mamãe, era apaixonado por Cecília e obcecado por Elise. Seus depoimentos e o testemunho dela sugerem que ele se sentiu triste por tê-la ferido. Todas as vezes que a machucou foram por impulso, por um ciúme cego, nunca realmente planejou matá-la. Alguns psiquiatras dizem que ele é sociopata, apesar do fato de se mostrar encantador para as pessoas em geral e ser extremamente manipulador, isso gera muitas discussões a esse respeito. Para mim, ele é simplesmente egocêntrico e cruel.
— E para mim, ele é o monstro que quase matou minha irmã duas vezes. Por favor, a partir de agora, não vamos mais falar nele, ok?
— É claro. Me desculpe.
Ele notou a dor nos olhos dela. Mais uma vez teve a nítida impressão de que Kevyn a havia ferido diretamente, não apenas por machucar sua irmã. Levantou a mão e acariciou o rosto macio dela. Cristal ofegou e se afastou de seu toque.
— Nos vemos amanhã, então?
— Você não vai jantar com a gente? Melissa vai ficar triste.
— Diz pra ela que eu sinto muito. Tô sem fome. A que horas devo estar pronta?
— Vamos sair às oito. Não se preocupa em fazer café, vou preparar uma vitamina energética. Ah, e veste algo confortável.
— Ok. Até amanhã.
— Boa noite, Cris.
Mais uma vez ele levantou a mão para tocar seu rosto e ela se esquivou, entrando no quarto e fechando a porta.
No dia seguinte, Cristal saiu do quarto vestindo um macacão comprido de tecido leve e pernas largas. O cabelo estava arrumado em uma trança.
Andou pelo apartamento sem encontrar ninguém. Na cozinha, uma jarra com um líquido espesso alaranjado estava em cima da mesa com um papel escrito: "Beba-me". Cristal revirou os olhos, mas não conseguiu evitar um sorriso.
Ao terminar de beber um copo cheio da vitamina, olhou no relógio. Faltava quinze minutos para as oito. Foi até o quarto de Erick e hesitou antes de bater, entretanto, como estava quase na hora de sair, deu três batidinhas leves.
— Entra, Cris. — A voz de Erick soava rouca, como se tivesse acabado de acordar.
Novamente hesitou, mas abriu a porta, sem entrar, deparando-se com o loiro suado, só de short.
— Eu estava na academia. Vou tomar banho e estarei pronto no horário combinado — ele disse, rindo ao perceber que ela não conseguia desviar o olhar de seu peitoral. Cris até lambeu os lábios inconscientemente. — Gosta do que vê?
— Por que você sempre tem que ser tão arrogante? Não deveria ter me chamado para entrar se ainda não está pronto — ela reclamou.
— Desculpa, é que eu não resisto a esse teu olhar de admiração quando me vê sem camisa.
Ela lhe mostrou o dedo do meio.
— Babaca.
— Admite que você se sente atraída por mim, querida. Eu não nego que você me atrai muito.
— Vai à merda, Erick.
— Prefiro quando você manda eu ir me foder. Me faz pensar coisas inapropriadas para fazer com você.
— Se continuar enchendo o saco, eu não vou mais pra lugar nenhum.
Ele levantou as mãos, se rendendo.
— Relaxa, já vou me arrumar. Aliás, você está linda.
Ela simplesmente fechou a porta e foi esperar na sala. Dez minutos mais tarde, Erick saiu do quarto vestindo jeans e uma camisa branca simples. O aroma de seu perfume amadeirado com notas florais misturado ao seu cheiro natural, causava sensações perturbadoras ao olfato dela. Era envolvente. E sensual.
Cerca de quarenta minutos mais tarde, eles pararam em frente a uma clínica.
— O que estamos fazendo aqui?
— Eu sou doador de sangue. O David está aqui, já doou. Vou doar e depois vamos entrar na clínica para você ver um pouco do que eu faço em meus dias livres. Tudo bem?
— Claro. — Algo estranho começou a acontecer com ela. Um tipo de ternura ao olhar para ele... não, não podia deixar seus sentimentos fora de controle. — O que eu faço para doar?
Ele a olhou, surpreso, mas respondeu:
— Você tem anemia ou algum problema no sangue? Está saudável?
— Sim, eu me sinto saudável.
— É só apresentar teus documentos e fazer um cadastro. Eles vão coletar teu sangue e levar para fazer os testes necessários para avaliar se é adequado para doar, você será avisada. Mas não precisa fazer isso se não se sentir confortável.
— Eu quero — falou simplesmente.
Ele assentiu. Depois de todo o procedimento, comeram o lanche que a enfermeira lhes deu e depois Erick a levou para outra parte da clínica. Cristal o olhava surpresa a cada pessoa que o cumprimentava, pois ele parecia conhecer a todos pelo nome.
Chegaram a uma sala ampla, onde viram David e várias outras pessoas vestindo jalecos, com gorros engraçados em forma de animais. Antes que pudesse dizer alguma coisa, Erick a levou para lavar as mãos e vestir um jaleco, e um gorro em forma de urso panda de pelúcia foi colocado em sua cabeça.
— Vem, quero te apresentar a alguns amigos bem especiais — ele declarou.
Quando chegaram perto de David, ele mal olhou para ela, apenas balançou a cabeça uma vez, como cumprimento, e ajustou um gorro de leopardo em sua própria cabeça enquanto Erick colocava um de leão. Cristal pensou que parecia bem apropriado para os dois.
Então ela viu os "amigos especiais" de Erick e sentiu seu coração apertar.
— Cristal, estamos na maior clínica de oncologia pediátrica do estado. Aqui você vai conhecer as melhores pessoas do mundo.
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