1. A MENSAGEM
Algumas pessoas são capazes de amar incondicionalmente, mesmo depois de enfrentarem traumas que fariam qualquer pessoa normal deixar de confiar nos outros.
Como a mente dessas pessoas funciona, eu não seria capaz de dizer.
Entretanto, por experiência própria, para aqueles que, como eu, passaram pelo inferno sem ninguém sequer imaginar, confiança tem tanta validade quanto o amor. O que significa nenhuma.
Podem me chamar de cínica por não acreditar que seja capaz de amar ou confiar em um homem novamente. Tudo o que posso dizer é: "Foda-se! Quem se importa?"
Abril de 2024, 3pm
Aquele era um grande dia.
Para todo lado que Cristal olhava, via pessoas bem-vestidas, exalando elegância e alegria. Ela só conseguia revirar os olhos para isso.
Tudo bem, esse dia era especial para muitas pessoas e emocionante para tantas outras, mas para ela era apenas uma formalidade sem sentido. Quando se ama alguém de verdade, não precisa de tanta pompa e gasto para demonstrar isso.
É claro, ela não era a pessoa mais adequada para falar de amor romântico, não conhecia esse sentimento. O único amor que conhecia era aquele tipo dedicado à sua família e à sua melhor amiga, nada além disso.
Porém, obviamente, a celebração desse "sentimento maravilhoso" era importante para as outras pessoas. Tanto que elas passavam por todo esse trabalho apenas para fazer uma festa de casamento.
Casamento.
Já havia se passado cinco anos desde a última vez em que ela fora a um, isso porque era do seu irmão, Aquiles. Lembrava-se como se fosse ontem: Rebeca entrando no salão de braços dados com Carlos, em um vestido pérola que reluzia e destacava suas ondas flamejantes, enquanto olhava para o Aquiles no altar.
Cristal não se lembrava de já ter visto alguém tão feliz quanto Aquiles ao olhar para Rebeca, exceto, talvez, sua irmã Elise quando Julian a pediu em casamento, um ano atrás. Mas isso era uma outra história.
O casamento que estava para acontecer era o de Bruna e Andreoli, o italiano super lindo que Aquiles surpreendeu a todos ao convidar para ser o seu padrinho, visto que, na época, ninguém da família o conhecia, exceto Elise.
Ela não sabia muito sobre ele, apenas que era amigo do Julian desde o tempo em que ele fez intercâmbio na Itália e que ajudou Julian, Bruna e Elise, quando estavam fugindo de Kevyn, procurando evidências de seus crimes.
Só de pensar no nome de Kevyn, sentia seu estômago se revoltar.
Enfim, também sabia que Andreoli e Bruna tinham passado os últimos anos, ora se estranhando, ora caindo nos braços um do outro. Assim como Bruna, Andreoli perdera seu primeiro amor de forma irreversível. Ambos tiveram que superar traumas e medo de confiar.
O pobre Andreoli passara quatro anos tentando conquistar Bruna, e mesmo quando estava de volta à sua terra natal, ele não desistiu. Era uma história de amor inspiradora, se parasse para pensar. Ele lutou tanto, que um dia ela se deixou confiar, abriu seu coração para ele e agora estavam prestes a casar.
— Admirando a vista ou pensando em piadas impróprias a respeito dos noivos?
Cristal se virou para ver Nicole vindo em sua direção. Ela estava maravilhosa em um vestido verde que realçava a cor dos seus olhos e o cabelo ruivo cortado na altura dos ombros. A passagem do tempo havia feito muito bem à sua melhor amiga. Seu corpo de adolescente que conservava as gorduras infantis agora era um corpo de mulher cheio de curvas arredondadas. A primeira coisa que os homens pensavam ao olhar para ela era "gostosa".
Ela estava usando lentes, mas vez ou outra usava óculos também. Era quase dez centímetros mais baixa que Cristal e os homens simplesmente choviam em cima dela, não só por sua beleza natural, mas por seu senso de humor e sensualidade sem qualquer esforço.
— Ei, gata — Cristal a cumprimentou. — Tá linda hoje. Se você gostasse de mulher, eu te pegava, com certeza.
— Hum... — Nicole a abraçou e falou com voz sedutora. — Se você gostasse de mulher, não haveria nenhuma que conseguiria resistir ao teu charme e a essa língua ferina que deixa os homens malucos.
Cristal deu de ombros.
— Do que adianta gostar de homens, se todos eles me veem como uma concorrente?
Nicole encarou Cristal com seriedade. Sua amiga media 1,76 m de altura, tinha longos cachos castanho-claros emoldurando um rosto fino de pele alva, lindos olhos verdes e uma boca carnuda sedutora. Com o passar dos anos, o corpo magro de Cristal ganhou curvas sutis, menos avantajadas do que Elise possuía, apesar de seus seios serem maiores.
Ela aprendeu a mudar os all-stars por sandálias de salto plataforma e botas de vez em quando, apesar de nunca ter aprendido a gostar de saltos. Aprendeu a falar usando "você" em vez de "tu", porém só quando queria. Por influência de sua irmã, começou a usar rímel e batom, mas era totalmente avessa à ideia de usar maquiagem como Elise, Bruna e Nicole faziam. Datas especiais, como aquela, eram exceção.
Cristal tinha uma beleza natural tão atraente, contudo, por algum motivo, não percebia o quanto chamava a atenção dos homens. É claro que, assim que abria a boca, os homens achavam que ela tinha um comportamento masculinizado, talvez por não ter filtros, falar com gírias e xingar usando palavrões que geralmente eram usados por homens.
— Isso só acontece porque você anda no meio de garotos e não fica escandalizada com as piadas sujas deles como as outras mulheres ficam. Sabe, alguns homens acham que ter esse comportamento muito aberto no meio deles é sinal de que você gosta do mesmo que eles.
Cristal bufou.
— Ridículo isso. E quer saber? Eu não me importo. Nunca conheci nenhum homem que valha à pena. Esses garotos têm a maturidade de crianças de cinco anos. No dia em que eu encontrar um homem de verdade, que goste de mim exatamente do jeito que eu sou, aí sim vou querer me arrumar e ser mais "feminina". Fora isso, "tô suave".
Nicole olhou para o lado e pareceu ter algo chamando sua atenção. Cristal nem fez questão de olhar.
Era sempre assim com elas. Nicole se interessava por algum rapaz e Cristal achava-o tedioso. Nicole tomava a iniciativa de falar com o seu alvo, enquanto Cristal ficava na dela, afastada, agindo cautelosamente, mesmo que achasse o homem muito bonito.
Em algum ponto de sua amizade, enquanto cresciam, Nicole deixou de ser a garota tímida para se tornar uma mulher de atitude, tanto que estava estudando para ser advogada e era raro alguém conseguir vencê-la em uma discussão. Cristal, por sua vez, nunca foi tímida, porém tinham coisas que aconteceram no seu passado, coisas que mudaram seu jeito direto e muito honesto. Ela continuava sincera, sim, mas havia aprendido duramente que, às vezes, mentir era necessário, assim como guardar segredos.
— Uau! Que pedaço de mau caminho — sussurrou Nicole, ainda olhando na mesma direção.
— Outro? Você só parece ver homens bonitos na tua frente, especialmente desde que pisou nesse país.
— Ah, mas ele, com toda certeza, não é italiano, querida. — Ela se abanou. — Nossa, Cris, olha só pra isso. Esse corpo alto definido, essa barba cerrada e esses cabelos loiros que me fazem desejar passar os dedos entre os fios para saber se é tão macio quanto parece. E que boca, ai, eu vou pegar fogo!
Cristal teve sua mente imediatamente sugada para uma lembrança.
Um homem alto, de intensos olhos azuis e apetitosos lábios avermelhados, que se aproximava como um lobo à espreita, pronto para atacar. Ele tirou a camisa, revelando músculos perfeitos e uma trilha de pelos loiros que desciam até abaixo do cós da bermuda, que começou a desabotoar. Sua barba rala pinicava a pele sensível do rosto dela quando seus lábios se encontraram em um beijo avassalador...
Ela balançou a cabeça para espantar a lembrança indesejada e, como que por reflexo, olhou para onde sua amiga olhava. Seus olhos se prenderam a um par de olhos verdes, um tom mais escuro que os seus próprios, e Cristal sentiu um arrepio atravessar seu corpo, como se uma descarga elétrica a atingisse.
Houve um tempo em que pensou nunca encontrar em sua vida um homem mais bonito que... ele. Mas naquele momento, ao contemplar aquele homem loiro, mais alto que Aquiles e com um corpo que remetia aos desejos eróticos mais profundos de uma mulher, ela pensou que aquele sim era um espécime masculino próximo à perfeição.
— Caramba — resmungou Nicole ao seu lado. — Fecha a boca, amiga. Você está praticamente babando por ele.
Cristal xingou baixinho, desviando o olhar.
— Eu só estava admirando. Você não queria que eu olhasse? — Deu de ombros.
— Eu queria que você visse quão gostoso ele era, mas pelo visto eu não vou ter a mínima chance agora.
— Do que você tá falando? — Cristal perguntou, confusa.
— Eu estava pensando em me aproximar, no entanto, agora que ele te viu, não consegue tirar os olhos de você.
— Fala sério, Nick — ela desdenhou. — Com uma deusa sexy como você, que homem perderia tempo olhando pra mim?
— Um homem com muito bom-gosto, pelo visto. O bonitão está te encarando. Analisando teu corpo de cima a baixo, Cris.
— Que mentira!
Mas ela não resistiu e olhou, apenas para, de novo, ter seus olhos presos pelos dele. De fato, o desconhecido olhava para ela de um jeito que só poderia ser descrito como faminto. Era um olhar de puro desejo. Ele tinha um sorriso discreto no canto dos lábios rosados que convidavam a beijar. Cristal estava com dificuldades para respirar normalmente.
— Você está ofegante, querida — provocou Nicole. — E corada.
— Ah, deixa de besteira, Nicole.
— Só estou falando a verdade.
De repente, Cristal sentiu algo puxando a barra de seu vestido curto, azul. Ou melhor, alguém.
— Titia, está vendo como mamãe e papai estão lindos? O papai e o tio Andreo parecem irmãos — sua sobrinha comentou, apontando seu dedinho gordo para Aquiles e Rebeca, que conversavam com Andreoli a um canto do jardim da mansão Marchetti, em Roma, onde o casamento seria realizado.
— Você é a mais linda de todos, princesa — respondeu, e a menina sorriu.
Enquanto esperavam a chegada da noiva, Cristal cuidava de Ruth, pois seus pais eram os padrinhos de Andreoli e Julian e Elise eram os padrinhos de Bruna. Sua sobrinha de quatro anos parecia uma bonequinha, com seus cabelos de fogo e olhos azuis, igualzinha à sua mãe, mas os traços do rosto eram de Aquiles, uma perfeita mistura.
Ela era linda. O amor da sua vida. E logo ganharia um irmãozinho, visto que sua cunhada estava grávida de quatro meses.
Cristal observou Rebeca por um instante, notando a pequena protuberância em sua barriga no vestido amarelo justo.
Sentiu uma pontada no peito.
Estava feliz porque seu irmão tinha agora uma família, seria pai pela segunda vez, e Elise não demoraria a ter filhos também, pois estava noiva e logo casaria com Julian. Mas havia uma parte dela que lamentava por si mesma.
Vendo a barriga discreta de sua cunhada, sabendo que uma vida crescia ali, lamentou por saber que, talvez, nunca seria capaz de sentir isso. Ela nunca poderia sentir uma criança se mexer em seu ventre, nem olhar nos olhinhos de um filho, tudo por causa de suas escolhas erradas.
Quando a mestre de cerimônias avisou que a noiva estava descendo para o jardim, todos se organizaram. Então Bruna apareceu em um vestido verde-água feito sob medida, as ondas loiras agora estavam arrumadas em um penteado sofisticado, deixando cachos caírem em cascatas, emoldurando seu rosto delicado de fada. Ela estava tão linda que fazia a morena lembrar da rainha das dríades, que vira em um filme há muito tempo.
Cristal olhou para Andreoli, que sustentava um sorriso charmoso, para não dizer constrangedoramente erótico, enquanto olhava para sua noiva.
Quando estava assistindo à entrada da noiva, o olhar de Cristal novamente encontrou o homem loiro, ficando surpresa ao perceber que Elise sorria e acenava discretamente para ele.
Ficou confusa por um momento.
Sua irmã conhecia aquele deus grego? De onde? Como? Quem era ele?
Mal percebeu quando Eduardo Nascimento, o pai de Bruna, entregou a filha ao italiano sorridente no altar, pois não conseguia manter seus olhos afastados por muito tempo do homem misterioso.
A pequena Ruth reclamava sua atenção, pedindo para ver a noiva ou brincando com as flores que enfeitavam os bancos onde os convidados estavam sentados. Qualquer objeto que atiçava o interesse da garotinha virava brinquedo em suas mãozinhas.
Durante toda a cerimônia, vez ou outra os olhares de Cristal e do desconhecido se encontravam e ela sentia-se corar como uma garotinha tímida, o que a irritava muito, pois agora era uma mulher de vinte e um anos e a melhor acadêmica de sua turma de arquitetura. E com toda certeza não era tímida.
Não sabia quanto tempo havia se passado entre a entrada de Bruna, toda a coisa monótona do juiz de paz e os votos seguidos de um beijo tão apaixonado que beirava a indecência, mas quando todos estavam se dirigindo ao outro jardim, na parte lateral da mansão, para a recepção, seu celular vibrou, notificando a chegada de uma mensagem.
Normalmente ela não pegaria o celular com Ruth por perto, pois Aquiles achava que ela era muito nova para ficar demasiadamente exposta às mídias sociais, mas estava em outro país e Nicole havia sumido no meio dos convidados, então pegou o celular porque poderia ser uma mensagem dela.
Leu e sentiu como se seu sangue estivesse congelando nas veias. Era uma mensagem privada, todavia, seu conteúdo não deixava dúvidas de que a intenção de quem quer que a tenha mandado era muito ruim, para dizer o mínimo.
Sentiu o pânico invadindo seu sistema nervoso e tentou se acalmar, pensar em outra coisa para que ninguém, principalmente seus irmãos e Nicole, percebesse que havia algo errado com ela.
Com mãos trêmulas, releu as palavras que lhe causavam calafrios.
"Eu sei o que aconteceu há quase seis anos. Teu segredo nunca será apenas teu. O que aconteceria se tua família descobrisse quem é a verdadeira Cristal? Como eles te olhariam se soubessem o que você fez?"
Ela sentiu seus olhos marejarem.
Isso não podia estar acontecendo.
Não agora.
Não quando estava apenas começando a superar seu passado e seus traumas.
Não agora que ela era uma mulher adulta perseguindo uma carreira de sucesso e tentando fazer sua vida dar certo.
Especialmente não agora que todos estavam bem e felizes.
Suas mãos tremiam e suavam enquanto um único pensamento invadia sua mente: o que ela iria fazer?
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