Dia 4: Só nós três.
Jack,
Olá diário,
Abri os olhos: O sol batia contra meu rosto, me cegando, as cordas pinicavam meus braços.
A ideia das árvores ter dado certo foi uma surpresa, na verdade.
Olhei em volta: Mônica ainda estava adormecida, com o cabelo loiro caindo sobre o rosto e a cabeça inclinada para frente. Como uma boneca de pano.
Desatei os nós em meus pulsos e desci a árvore cuidadosamente. Assim que estava perto o suficiente, soltei-me da árvore, flexionando os joelhos e caindo em pé -Uma das minhas melhores proezas,se me permite acrescentar.
Comecei a caminhar pesadamente até a casa abandonada, tentando,em vão, tirar o gosto amargo da minha boca.
Para minha surpresa, Eric não estava lá, mas sim mais fundo na floresta, parecendo procurar algo.
-Ei, o que foi? - me aproximei.
Ele se virou, surpreso, parecendo quase agradecido por ter companhia.
-É Dália, não a vejo desde a madrugada! -seus olhos transpareciam preocupação.
-De novo? Mais um? -eu não acreditava, será que todos morreríamos ou sumiríamos? Mesmo? Por um momento achei que tivéssemos chance. - Mas que droga, Mônica vai surtar.
-Ah, Jack... Isso não está certo, como alguém pode sumir assim do nada?
-Eric, vocês estavam cercados de zumbis,ela deve ter sido atacada. -eu estava triste de verdade. Ela havia viajado até ali conosco... Isso me fez lembrar-me de todos eles: Minha mãe, Dina, Rony, e agora Dália se juntara àquela lista fúnebre.
Eu baixei a cabeça e segui em direção a casa, seria difícil dar a notícia à Mônica.
Isso me fez questionar: Qual seria o meu fim? Quanto tempo demoraria para que todos morrêssemos? Só haviam se passado quatro dias e metade do grupo havia sumido ou morrido... Não demoraria muito para que morrêssemos também.
Cheguei à árvore, Mônica estava lá em cima, já acordada, se desamarrando.
Cheguei perto da árvore e disse em voz gentil:
-Bom dia. -dei um sorriso forçado.
Ela se assustou e gritou lá de cima, rindo:
-Você quer me matar do coração?
Ofereci-me para ajuda-la a descer. Ela se pendurou em um galho baixo, ficando pendurada, e eu a peguei um pouco acima da cintura.
Coloquei-a no chão e ela se virou para mim, sorrindo:
-já tomaram café da manhã?
-Na verdade não, acabei de acordar também... - coloquei a mão na nuca.
-Onde estão os outros?- ela colocou o cabelo louro atrás da orelha e espiou por cima do meu ombro, ficando na ponta dos pés.
-Eric está lá atrás, na floresta. -me enrolei todo para falar, nervoso. Sabia qual seria a próxima pergunta.
-E Dália?- Aquele sorriso radiante ainda brincava em seus lábios.
Eu desviei os olhos, bolando a melhor mentira que podia.
Suspirei e desisti:
-Mônica, Dália sumiu nessa madrugada. Não sabemos se foi devorada por zumbis ou... –o que eu estava falando? O que mais poderia ter acontecido? Dália estava morta.
Seu sorriso morreu. Mas poucos segundos depois, contrariando minhas expectativas foi substituído por uma gargalhada:
-hahahaha....é...hahahaha....É brincadeira né? - ela inspirou- isso não tem graça! -Deu soquinho no meu ombro.
O quê? Eu não sabia como reagir,ela havia me pegado de surpresa. Só continuei ali,parado,encarando-a.
-Mônica eu... Eu sinto muito... De verdade. -E sentia mesmo, a menina tímida e engraçadinha que desembrulhava lanches com cuidado exagerado já não estava mais entre nós.
Mônica parou de rir. Sua expressão parecia pânico e pude ver lágrimas em seus olhos. Ela se virou e correu em direção à casa.
-Eu sinto muito. - Sussurrei mais para mim mesmo.
+++++++
Dália
Oi diário,
-Vejam quem acordou... -Rony me encarou, com um sorriso misterioso.
-Rony? Você... Onde estamos? -Eu queria perguntar tanta coisa, tinha tantas dúvidas... Porque ele tinha virado o volante se na verdade eu não tinha visto vaca alguma? Como ele conseguiu escapar? Como veio parar aqui? O que aconteceu na casa abandonada? Quem me pegou?
Eu podia ver o grande ponto de interrogação se formando em cima de minha própria cabeça quando Rony disse:
-ah, isso pode esperar... Temos assuntos mais importantes a tratar...-seus olhos brilharam.
Tentei me sentar, mas eu estava amarrada. Porque eu estava amarrada?
-Rony o que... o que está acontecendo?-Olhei para os lados,o pânico começou a tomar conta da minha voz.
-Estamos embaixo da cidade, perto do metrô. Zumbis aparecem a todo o momento, então é melhor dar um jeito de se soltar. - ele sorriu diabolicamente. Qual é o problema desse cara?
-Rony, o que está fazendo?!! - meus olhos se arregalaram.
-Acalme-se, tudo vai ficar bem. -ele fez uma voz fina -Foi o que disseram para mim quando ela se foi,e adivinhe? Não tem nada bem! -ele gritou, enraivecido.
-Rony, do que está falando? - e BUM! Tudo voltou à minha mente: Dina! Ah, pobre Dina. -Rony, aquilo foi preciso, nós não queríamos, nós também gostávamos dela...
-Cale a boca!-ele rosnou,seu rosto ficando vermelho - Pare de mentir! Vocês não estavam nem aí pra ela! Ou para mim.
-Rony,não foi nossa culpa!- se aquele era o motivo,por que ele tinha ME pegado? Eu estava dormindo quando tudo aconteceu...- Ela já estava morta Rony,não fomos nós. Você sabe disso.
-Cale a droga da boca!-Achei que ele fosse começar a chorar.
-Por que você me pegou? Eu estava dormindo quando ela morreu, só acordei quando já era tarde...- Eu mal havia completado a frase e ele emendou:
-Ai é que eu quero chegar!-ele se recompôs rapidamente. -Quero que me ajude a me infiltrar lá.
-Lá?
-Lá. Onde vocês estavam Dália, naquela casa no meio do nada.
-E por que eu faria isso? - Desafiei.
-É o mínimo que você pode fazer por ela,já que estava dormindo e então já era tarde.
-O que vai fazer com eles?Por que quer chegar "lá"?
-Eu vou vingar Dina, vou mata-los. -Seus olhos brilhavam novamente,de forma fria e obscura.
O que? Ele estava delirando, a morte de Dina havia sido culpa da infecção, apenas. - Pensei. - Toda aquela discussão começava a me embrulhar o estomago,esse moço deveria ser louco.
-Rony,não vai chegar a lugar nenhum assim,isso não vai trazer Dina de volta.
-Ah, eu não vou mata-los Aleatoriamente, eu tenho um alvo principal, é claro. -ele disse de punhos cerrados,ignorando-me. -Aquele desgraçado que fincou a faca no coração dela! Maldito!- ele socou a parede de concreto.
-Jack? Mas ele...
-Sabe Dália, -ele me interrompeu - o pior não foi ele ter matado-a,o pior é que acho que ele gostou. Pude ver em seus repugnantes olhos.
Eu não queria pensar nisso, não queria culpar meu companheiro de viagem, mas eu havia percebido que Jack estava mais frio.
O sentimento me atingiu em cheio : A mais pura e genuína impotência.
+++++++
Jack
Dei a volta na casa abandonada,passando as mãos por suas rachaduras e redesenhando com os dedos seus grafites.
Encontrei Eric martelando algo, seu revólver em cima da mesa improvisada, ao lado.
-Ei, não acha isso exagero? Digo,o revólver...
-Ah, eu achei que eles só morriam com tiros... -ele deu um sorriso de canto de boca.
-Nossa,você precisa ver menos filmes, cara. -brinquei e ele riu.
-Você viu Mônica? -perguntei, fazia um tempo que eu procurava pela loura.
-Lá dentro. -Ele apontou a casa com a cabeça.
Saí em direção a casa, deixando Eric sozinho com seus pedaços de madeira e pregos.
Entrei e subi as escadas, Mônica estava no corredor de cima, encolhida, com olhos e nariz vermelhos.
Sentei-me ao seu lado, encolhendo os joelhos junto ao peito, imitando-a.
-Ei, -coloquei a mão em seu braço -você está bem?
Ela sequer se mexeu, então continuei:
-Eu sei que ela era importante para você, mas estamos no meio de algo grande, Mônica...
Eu sei que a perda é dolorosa, mas estamos lutando por nossas próprias vidas, isso também é importante.–pensei.
-Não é só isso Jack, - ela levantou a cabeça e fungou- está todo mundo indo, todos morrendo...
Nisso ela tinha razão, havia apenas quatro dias desde que havíamos nos juntado para uma maior chance de sobrevivência, mas metade do grupo já havia sido dizimada miseravelmente.
-Mônica, eu sei que é difícil e que muitas dessas pessoas eram muito próximas de você, mas todas essas mortes e desaparecimentos, - Fiz uma pausa, pensando no que dizer a seguir. - não deveriam fazer você dar mais valor ainda à sua vida?
-Jack, do que adianta viver se não há mundo, se não há futuro, se não há como sairmos daqui? – Ela me encarava com curiosidade. - De que adianta se será sempre sobreviver e nunca viver de verdade?
Eu tive de concordar, sabia do que estava falando: Comíamos e bebíamos, mas não estávamos vivos. Apenas existíamos. Tudo o que fazíamos era lutar para poder existir por mais um dia.
Ela olhou para mim com olhos cheios de lágrimas, então voltou a enterrar a cabeça nos joelhos.
Era como se tivéssemos voltado no tempo,mas,dessa vez,um sorvete não bastaria para traze-la de volta.
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