[83] A Fossa
A escuridão que o cercava tornava impossível identificar o local onde estava, mas certamente aquele não era mais o gabinete de Toralápis. Sua cabeça estava coberta por uma espécie de saco de pano, e a boca por um tecido que o impedia de articular qualquer palavra ou gritar por ajuda. Havia pouco espaço para se mover e mesmo assim não poderia fazer muita coisa, pois ambas as mãos estavam presas, amarradas atrás das costas.
Jungwon fechou os olhos para melhor se concentrar utilizando os outros sentidos. Ele respirou fundo tentando encontrar algum cheiro conhecido que sugerisse o local em que se encontrava, mas a única coisa que conseguiu identificar foi que ainda seguia em terra firme, uma vez que não estava sentindo o tão familiar cheiro do mar.
Concentrando-se com maior intensidade, ele pode escutar um barulho semelhante a rodas atravessando uma estrada de terra, mas não conseguiu ir além disso. A julgar pela curta extensão ao seu redor, ele estava em uma cela de metal com espaço apenas para uma só pessoa.
Mesmo com tão raso conhecimento sobre onde se meteu, o ômega suspeitou de que aquele caminho o levaria às riquezas que pretendia tomar para si. Com as poucas informações que lhe restavam, ele se comunicou com o único que poderia ouvi-lo naquele momento:
“Pode me ouvir?” — Perguntou mentalmente.
“Sempre.” — O Kraken respondeu de imediato.
“Estou preso, sendo levado para algum lugar desconhecido.” — Jungwon informou.
“Quem o levou?”
“Márcio Toralápis, tenho certeza.”
“Não o sinto no mar.”
“É porque não estou… preciso que avise o Jay e o Lian.”
“Como exatamente faremos isso?” — A pergunta do Kraken era devido ao fato de que, ainda que tivessem marcado Jungwon, aqueles alfas não podiam ouvir os pensamentos da criatura.
“Daremos um jeito, apenas faça o que estou pedindo.”
Jungwon esperou em silêncio enquanto o Kraken buscava uma forma de se comunicar com Jay e Lian. Os dois alfas se encontravam na cabine após o mais novo retornar de sua ida à floresta com Taesung.
— Jay? — Lian o chamou, visto que o alfa ficou em silêncio, de frente a uma janela.
— Ele fez alguma coisa com o Jungwon. — Finalmente respondeu, virando-se de frente para o outro. — A culpa é minha.
— Espera… quem fez alguma coisa com o Jun?
— O alfa que governa esse lugar… — Jay contou a ele o que havia acontecido desde o momento em que receberam o convite de Toralápis. — A gente precisa ir atrás dele!
As ondas que seguiam em direção a praia foram momentaneamente desmanchadas quando o Kraken moveu-se para chegar perto do Luna. Ele ergueu um dos tentáculos na lateral do navio próximo a cabine, e o guiou em direção a uma das janelas.
Não houve tempo suficiente para uma resposta. O barulho da janela sendo quebrada assustou brevemente os dois alfas, que olharam ao mesmo tempo na direção onde o Kraken havia invadido a cabine com um de seus tentáculos.
— Mas o que… — Lian arquejou.
— O Kraken! — Jay o interrompeu. — Ele deve saber onde o Jungwon tá!
Os dois ignoraram os vidros da janela quebrada espalhados pelo chão e deixaram a cabine, para então dar a volta pelo convés e debruçar seus corpos na lateral do navio, onde encontraram a criatura com parte de seu corpo do lado de fora da água.
— Você sabe onde ele tá, não é?! — Jay perguntou ansiosamente. — Faz algum gesto. Qualquer coisa!
— E se ele escrever? Será que ele sabe?
— Não sei. Pode ser…
“Seus alfas pensam que eu frequentei a escola para criaturas abissais.” — O Kraken caçoou na mente do ômega. — “Querem que eu escreva.”
“Pode funcionar.” — Jungwon respondeu.
— Me espera no deque. — Lian indicou, depois rumou em direção a cabine.
“É só você seguir minhas instruções…” — O ômega afirmou, ouvindo, em seguida, um murmúrio de confirmação por parte da criatura.
Munido de alguns rolos de pergaminhos usados para elaborar mapas, um tinteiro e uma pena, Lian deixou a cabine mais uma vez e levou apenas alguns segundos para cruzar o convés do navio e descer em direção ao deque, onde os navios costumam carregar e descarregar passageiros ou cargas.
Jay estava sentado no pavimento de madeira e o Kraken próximo a ele. Assim que chegou mais perto deles, Lian posicionou um dos pergaminhos no chão, mergulhou a pena na tinta e posteriormente encaixou na pontinha do tentáculo do Kraken.
Os alfas ficaram impressionados quando a criatura marinha realmente começou a escrever, deslizando a pena sobre o pergaminho com bastante delicadeza. O papel molhou assim que o Kraken passou a traçar os sinais gráficos que foram sendo ditados em sua mente por Jungwon, mas ainda era possível compreender cada palavra sendo formada.
Uma bolinha e depois um traço. Um pontinho em cima, um laço e uma cobrinha. O Kraken foi seguindo exatamente tudo o que Jungwon estava descrevendo. Apesar da aflição e ansiedade, os alfas aguardaram pacientemente a criatura terminar de redigir a tão importante manifestação de seu ômega, por meio daquela mensagem.
Quando finalmente terminou, o kraken largou a pena e deslizou seu braço de volta para a água. Lian virou o pergaminho de modo que pudesse ler, com cuidado para não rasgar. Estava posicionado ao lado de seu alfa quando ambos leram juntos a seguinte mensagem:
Desconfio que estou sendo levado para o local onde o regente exerce sua atividade tão misteriosa e lucrativa. Nada poderia ser mais perfeito. Não cobrem dele o meu desaparecimento. Tenham cuidado. Amo vocês.
— Ele não pode tá falando sério… — Jay pensou em voz alta.
— Eu acho que tá sim.
— Não, não… ele não pode fazer isso sozinho. Eu preciso… eu vou…
O mais novo respirava pesadamente, ruminando alguma ideia do que fazer de antemão, mas nada lhe veio à cabeça. O sentimento de culpa e impotência somado à apreensão de que algo acontecesse com o ômega foi crescendo de maneira quase incontrolável. Lian notou a perturbação de seu alfa e sabia que Jungwon também poderia sentir através da marca, por isso, brincou, para chamar a atenção dele para si:
— Ah, não. Jungwon é o cérebro de nós três. Sem ele, estamos perdidos.
A bola de neve na mente do alfa de repente se desfez quando ele virou para o mais velho, recebendo do mesmo um olhar que transmitia uma expressão rudimentar. Jay se atentou ao fato de que seu alfa descaradamente o chamou de burro – e também a si mesmo –, bem na sua cara.
— Ah, céus… — ele riu. — Como você consegue ficar tão calmo?
— Não estou tão calmo como parece. Eu também tô muito preocupado, mas entrar em desespero não vai ajudar em nada.
— Você tem razão. — Jay retribuiu o sorriso que lhe foi dado pelo mais velho. — Tenho que manter a calma e pensar como um contramestre.
— Vamos avisar a tripulação?
— Sim, mas tem alguém que precisa saber antes…
Eunji estava em seus aposentos quando foi chamada na cabine do capitão. Sua prima e companheira inseparável também estava com ela e seguiu junto. Quando as duas entraram no cômodo, o coração da mais nova acelerou ligeiramente quando viu que os dois alfas de seu irmão estavam ali, mas a cadeira do capitão estava vazia.
Algo em seu interior alertava para o fato de que algo não estava certo. Sua confirmação veio após Lian pegar um pergaminho que estava em cima da mesa e entregar em suas mãos. Eunji olhou para as palavras tortas e desajeitadas, lendo o conteúdo da mensagem com o cenho franzido.
— Isso é do Jungwon? — Ela perguntou assim que terminou de ler.
— Sim — Lian respondeu. — Toralápis levou ele bem debaixo dos nossos narizes.
— Eu confio no meu irmão, mas vamos ajudar, certo?
— Sim, é claro. — Jay respondeu imediatamente. — Só não faz nada precipitado, tá bom? Sem o Jungwon eu sinto que sou responsável por você, então não tenta encontrar ele sozinha.
— Não se preocupe… — Eunji sorriu para o mesmo e logo em seguida deixou o cômodo com a prima.
Antes de serem chamadas à cabine, as garotas estavam divertindo-se na companhia de Hyun, Zoe e Liz, com alguns jogos que descobriram na região. Sarah imaginou que sua prima retornaria para onde os outros estavam aguardando, mas Eunji permaneceu parada no convés, olhando para um canto fixo com os pensamentos longe.
— No que tá pensando? — Sarah perguntou.
— Eu vou encontrar o meu irmão.
— Mas o Jay pediu pra você não fazer nada.
— Dizem que sou parecida com meu pai, certo? — Ela estava se referindo a Jimin. — Ele não era muito obediente…
— Eunji…
— O que você faria se fosse o Hyun? — Sarah não respondeu, mas pela expressão dela Eunji já sabia que ela faria o mesmo. — Eu não vou invadir o lugar. Só quero saber onde ele tá.
— Eu vou com você.
Ainda que aquela atitude fosse amplamente esperada, Eunji sorriu agradecida. Após o apoio verbal da alfa, ambas voltaram para onde estavam e contaram com a ajuda de Hyun. Está claro que as irmãs Liz e Zoe também prestariam seu apoio a Eunji, mas os três decidiram deixá-las de fora dessa empreitada, para que elas não fossem expostas a um perigo desnecessário.
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O transporte percorreu uma distância que Jungwon ainda não conseguiu determinar, mas desde que recobrou a consciência ele acreditava que passaram-se cerca de vinte minutos até que a carruagem finalmente parou. Algum tempo depois ouviu o barulho de chaves, e o pequeno espaço em que se encontrava confinado foi aberto. Sentiu a mão de um desconhecido o segurar em seu braço para ajudá-lo a sair de onde estava e descer da carruagem.
Jungwon finalmente pôde sair e esticar o corpo dolorido por ter ficado naquela posição por longas horas. Ele foi guiado ainda sob grande mistério por baixo do tecido que cobria seu rosto. Após mais alguns minutos de caminhada um clarão repentino o ofuscou – devido ao tempo que permaneceu em completa escuridão –, quando lhe foi concedido o direito de enxergar o mundo ao seu redor outra vez.
Assim que seus olhos se acostumaram à claridade, ele constatou que estava sendo conduzido por um caminho que levava a portões com muros altos, e que lembrava a Fortaleza de Nabuco, porém, muito maior. O sol encontrava-se em seu ponto mais alto, ou seja, as horas contavam por volta do meio-dia. Levando em consideração que quando desmaiou no gabinete de Toralápis estava prestes a anoitecer, Jungwon constatou que a distância que percorreram foi cerca de 60 quilômetros, considerando as pausas para descanso.
Os portões que guardavam aquele território foram abertos para que o ômega e aqueles que o escoltavam entrassem. Uma dúzia de alfas armados apareceu para receber o mais novo residente. Jungwon tomou nota de tudo o que sua vista alcançava. Por dentro daqueles muros o lugar era completamente diferente da Fortaleza de Nabuco. Ao invés dos prédios que pertenciam ao Forte da Ilha, o enorme sítio possuía casarões.
Em frente a esses casarões um imenso jardim que se estendia diante de todas as residências, com lindas flores, deixava a paisagem alegre, mas foi uma estrutura peculiar no meio de todas aquelas plantas que chamou a atenção do ômega.
Uma construção feita de pedra e cerâmica, semelhante a um cavalo e de tamanho aproximadamente igual, estava erguido sobre as patas traseiras, com as da frente levantadas como se fosse dar um coice frontal. O mais curioso era que tal criatura não possuía cabeça, ao invés, uma cascata de água jorrava do pescoço, caindo e acumulando em um espaço circular construído ao redor do monumento.
A escolta continuou acompanhando Jungwon e Severino – o alfa que o tirou da carruagem – por um caminho que os deixava cada vez mais distante dos casarões, através de uma única estrada de barro que levava a um bosque. Após algum tempo de caminhada entre as árvores eles chegaram a uma clareira aparentemente desguarnecida.
Quando o ômega olhou para trás percebeu que não era possível enxergar as construções que tinham um jardim. Ele voltou a olhar para frente após escutar o barulho de um dos alfas batendo em um alguma coisa feita de madeira, que logo se mostrou ser um alçapão.
Assim que as portas foram abertas, Jungwon viu-se de frente a uma escadaria de pedra que dava a um corredor pouco iluminado por archotes presos às paredes. Ele olhou para Severino esperando um retorno, e o mesmo indicou com a cabeça para que o ômega seguisse as escadas para o subterrâneo. Após uma última olhada ao seu redor, onde encontrou apenas árvores, ele obedeceu, sendo o primeiro a descer com a escolta logo atrás.
A entrada imediatamente foi fechada assim que todos adentraram. Agora, o único caminho a seguir era um longo túnel que levava a Deus sabe onde. Apesar do local lembrar vagamente o Submundo de Nabuco, ali não tinha o barulho insistente dos vendedores anunciando suas mercadorias bizarras, nem das centenas de clientes buscando os mais variados produtos. O único ruído provinha dos passos do pequeno grupo seguindo pelo subterrâneo em completo silêncio.
No final do extenso túnel eles encontraram uma bifurcação, que dava em outras ramificações. Quem não conhecesse bem o local, poderia se perder facilmente. Os túneis pareciam todos iguais. Severino fez a escolta de alfas aguardarem no corredor e entrou sozinho com Jungwon em um compartimento que parecia ser um depósito. Ele buscou algo entre algumas caixas e logo voltou-se para o ômega segurando uma camisa e uma calça.
— Tire as suas roupas. — Indicou, colocando o par em cima de uma bancada ao lado de um lavabo.
Jungwon ergueu as duas sobrancelhas, com uma expressão completamente abismada. Ele encarou o alfa tentando transmitir com os olhos que não iria seguir a ordem. Os únicos que veriam sua intimidade eram seus companheiros, Lian e Jay. Mesmo se quisesse obedecer, não teria como, dado que suas mãos ainda estavam presas. Severino entendeu que seria praticamente impossível o ômega fazê-lo sozinho.
— Vou te ajudar.
— Hmm!! — Jungwon murmurou com a garganta, afastando-se ligeiramente.
— Vem. Não tem como você fazer isso sozinho.
O ômega se afastou mais uma vez, resmungando com um som abafado pela tira de pano em sua boca. Não importava o que estava em jogo, Jungwon não iria permitir que aquele alfa o tocasse.
— Tá bom! — Severino ergueu as mãos, apontando uma delas para a boca do ômega. — Eu só vou tirar pra você poder falar.
O alfa usou uma faca para cortar a mordaça, e logo Jungwon já podia articular as palavras que pretendia momentos atrás:
— Se me tocar eu te mato.
— Só quero te ajudar a vestir as roupas. — Jungwon revirou os olhos. — Não adianta fazer essa cara, todo mundo tem que vestir a mesma roupa. São as regras.
— Eu posso vestir sozinho. É só você me soltar.
— Tudo bem, vire-se. — Jungwon fez o que ele disse ficando de costas para o alfa. — Você é muito trabalhoso, sabia?
Assim que se viu livre o pirata girou rapidamente e tomou a faca das mãos de Severino com engenhosa habilidade. O corpo do alfa paralisou dos pés à cabeça quando sentiu o metal afiado sendo encostado suavemente em sua garganta.
— Olha só como é fácil tirar a vida de alguém… — Jungwon sussurrou.
— Por favor, não me mate.
— Não pretendo fazer isso se você responder algumas perguntas.
— Eu faço tudo o que você quiser. Responderei todas as perguntas.
— Ótimo. Primeiro de tudo, eu quero confirmar se este lugar realmente pertence a Márcio Toralápis.
— Tudo pertence a ele. — Severino tentou não tremer muito enquanto respondia. Ele ainda adicionou mais informações como um bônus: — Não somente aqui, mas também em outras regiões.
— Interessante… e o que eu devo esperar desse lugar?
— Toralápis construiu esse lugar inspirado em um tal de Coliseu, mas aqui chamamos de Fossa. Os residentes, como você, são enviados semanalmente à arena de luta onde quem sobreviver continua para lutar na próxima semana até … — ele engoliu em seco e continuou: — que ele morra.
— Deixa eu adivinhar… — Jungwon ligou os navios que semanas atrás haviam ancorado no porto ao presente momento. — É como um grande espetáculo onde um enorme público de nobres assiste a esses combates, estou certo?
— Na mosca. — Severino confirmou. — Eles pagam um ingresso tão caro que é possível sustentar uma cidade inteira com o que Toralápis lucra aqui todo mês.
— Você sabe onde os lucros são armazenados?
— Cá entre nós, quem me dera… Eu só sei que fica em algum lugar por aqui, depois alguém vem buscar e leva pro Toralápis.
Jungwon sorriu com certo entusiasmo. Márcio acreditava que estava mandando o ômega para o inferno, mas realizou exatamente o que ele queria, desvendar as fontes de sua vasta riqueza. Satisfeito, ele soltou o alfa e o empurrou para longe de si. Severino tropeçou alguns passos para frente, ele ouviu o som da faca caindo aos seus pés e quando virou-se para o outro, Jungwon estava examinando as roupas em cima da bancada.
— Isso aqui parece mais um saco de batatas — o ômega criticou, referindo-se a pouca qualidade do tecido. Posteriormente, dirigiu-se para o alfa: — Vira pra lá. Não quero você me olhando enquanto troco de roupa.
— E se você tentar me matar?
— Já teria te matado se eu realmente quisesse.
Severino deu de ombros e recolheu a faca no chão, depois virou-se para o outro lado, dando as costas para que o ômega pudesse se vestir com um pouco de privacidade. Jungwon retirou seu traje e vestiu aquele que foi entregue pelo alfa. Com o tecido em contato com seu corpo ele constatou que era pior do que aparentava. Se quisesse, poderia rasgá-lo facilmente de tão fino que era. Apesar de possuir mangas longas, se fizesse muito frio, seria impossível manter-se aquecido.
Por último, Jungwon recolheu a pequena faça que havia recebido de Lian quando eram crianças, na ocasião em que Jay e ele escaparam das garras do falecido Almirante Zhang. O ômega foi revistado e teve suas armas recolhidas assim que os homens de Toralápis entraram em seu gabinete para levá-lo, mas ninguém notou a lâmina que estava escondida por dentro da bota dele, para a sua grande sorte. Ele a escondeu entre o quadril e o cós da calça, antes de avisar o alfa:
— Terminei.
— Certo… — Severino virou-se para ele com um livro de registros e perguntou: — Qual seu nome?
— Jungwon.
— Jungwon de quê?
Embora, provavelmente, nunca os tivesse visto, certamente o sobrenome Jeon era conhecido por todos os Sete Mares. Não havia uma alma viva que não tenha ouvido falar. Jungwon levou em consideração que Toralápis não tenha mencionado tal fato para os subordinados da Fossa, e queria que as coisas continuassem assim.
— Jungwon Zhang Bennington. — Ele respondeu.
— Agora eu preciso te levar para as moradias — Severino guardou o livro em uma estante. — É o lugar onde os residentes são instalados.
Enquanto guiava o ômega de volta pelos túneis, Severino explicou que as moradias eram divididas em 4; 1 para os alfas, 1 para os ômegas e 2 para os betas, separados entre machos e fêmeas. A escolta foi dispensada pelo alfa e minutos depois, a dupla chegou em um salão considerável, onde haviam 5 portas largas que indicaram a ideia de que ali eram as citadas moradias, o que foi confirmado logo depois pelo próprio Severino. Porém, a quinta porta não foi citada na explicação, e Jungwon queria saber o que ela escondia.
No local haviam muitos alfas, betas e ômegas espalhadas pelo salão, estavam divididos em alguns pequenos grupos e não disfarçavam os olhares curiosos em direção ao recém chegado. Aquelas pessoas eram chamadas de residentes, e Jungwon seria um deles a partir do dia de hoje. Ele tomou nota mentalmente da quantidade de pessoas, depois virou-se para Severino e apontando para a 5ª porta, perguntou:
— E aquela ali?
Severino olhou na direção indicada e explicou:
— É a passagem que leva a arena. Você vai conhecer no sábado. — Faltavam dois dias para a referida data. — Ah é! Você ainda não comeu nada. Vou trazer alguma coisa, espere aqui.
Jungwon permaneceu no lugar onde estava enquanto o alfa se retirou pela mesma rota em que vieram. Ele reparou nas pessoas ao redor mais uma vez, observando que todas ainda tinham a atenção em si. Alguns sentiam pena, imaginando que o ômega seria facilmente executado, outros olhavam com interesse de obter algum tipo de proveito sobre ele.
Os ômegas que estavam em menor grupo esperavam que o recém chegado se dirigisse para perto deles. Por serem da mesma classe, eles presumiram que Jungwon se sentiria mais seguro entre os seus, mas estavam enganados. O pirata não se aproximou de ninguém. Não confiava em nenhum dos residentes, seja ômega, cachorro ou papagaio. Precisava de um olhar mais elaborado sobre cada um deles.
Depois de alguns minutos, Severino voltou trazendo comida para o ômega. Ele entregou pão e uma caneca com leite, pois o almoço já havia sido servido naquele dia, mas o alfa garantiu que logo mais a noite ele receberia a mesma refeição que os demais. Isso posto, ele mostrou a Jungwon um poço do outro lado do salão onde os residentes poderiam obter água para beber quando quisessem, ou para realizar sua higiene pessoal no banheiro dentro de suas respectivas moradias.
Jungwon ingeriu o que lhe foi dado para manter as energias, depois pegou um pouco de água do poço onde saciou a sede. Posteriormente, o ômega decidiu que deveria conhecer o interior da moradia onde iria permanecer por um tempo indeterminado. Logo que entrou ele reparou em várias camas enfileiradas em lados opostos das paredes. Aquele aposento obviamente era onde os ômegas dormiam. No canto do cômodo havia um pequeno compartimento onde poderiam atender ao chamado da natureza.
As únicas camas disponíveis ficavam no fundo do cômodo, Jungwon escolheu uma que estava o mais longe possível do compartimento onde localizava-se a latrina. Uma ômega ocupou o leito ao lado e o estudou, curiosa. Ele examinou a estrutura da própria cama, constatando que pelo menos o colchão era macio. Depois, espiou debaixo da cama para ter certeza que não tinha ninguém escondido. Por último, virou-se devagar ao perceber que estava sendo observado.
— Algum problema? — Perguntou, encarando-a.
— Desculpe, não quis incomodar. É que você parece muito tranquilo… — Seu tom de voz expressava preocupação. — Você tem noção de onde está e das coisas que acontecem aqui?
— Estamos na Fossa? — Ela confirmou com a cabeça. Jungwon continuou: — Onde lutamos pelas nossas vidas para entreter nobres entediados?
A ômega ficou um pouco surpresa ao se deparar com a calma e naturalidade com que o outro tratava do assunto. Quando chegou na Fossa e soube do que a esperava, ela se desesperou e chorou por dias, até aprender com os outros ômegas como eles se protegiam dos ferozes residentes que eram mais fortes, egoístas e impiedosos.
Depois que ela se aproximou do novato e estava conversando com ele, outros ômegas tiveram coragem para se aproximar também, e chegaram perto da cama de Jungwon, para conhecê-lo e se possível ajudá-lo de alguma maneira, como sempre faziam quando algum ômega era levado até a Fossa. Eles eram minoria e considerados inferiores em relação aos demais residentes, em razão disso, se apoiavam no que podiam.
— Qual é o seu nome? — Um dos que se aproximou perguntou.
— Jungwon.
— O meu é Afonso. — Ele se apresentou e em seguida os demais, começando pela ômega que falou com Jungwon primeiro: — Essa é Alice, Joaquim, Carlos, Ivonete…
— Por que tá fazendo isso? — Morgana, que ainda não estava perto, finalmente se aproximou. — Por que está se aproximando e criando laços, se ele vai estar morto no sábado?
Um silêncio desconcertante se instalou no ambiente. A maioria ficou incomodada e triste com a fala da ômega. Indiferente, Jungwon apenas observou quando Afonso retomou a fala:
— Ele é bonito. Tudo o que precisa fazer é encontrar alguém que o proteja. Tenho certeza que algum alfa deve estar interessado.
— Mas ele é marcado, vejam. — Carlos apontou.
— E são duas… — Ivonete arregalou os olhos. — Como você pode ter duas?
— Tenho dois alfas. — Jungwon explicou o óbvio.
— Nossa, que guloso… — Alice comentou com um olhar divertido. Todos riram timidamente, e o clima hostil criado por Morgana foi desfeito.
Posteriormente, os ômegas explicaram como sobreviveram durante tanto tempo naquele ambiente infausto. A maioria dos alfas não estavam à vontade com a ideia de se relacionarem entre si, as betas escolhiam os homens de sua mesma classe, então só restavam os poucos ômegas para que pudessem aliviar a tensão. Em troca de atos sexuais, os alfas mais fortes permitem que ômegas fiquem perto durante as lutas e, quem tentasse atacar, eles protegeriam seu parceiro sexual.
Jungwon ficou horrorizado, embora tenha compreendido a razão pela qual levou os ômegas a tal escolha terrível. Apesar dos conselhos que recebeu, a tentativa dos ômegas de convencê-lo a fazer o mesmo fracassou. Jungwon não precisava sujeitar-se a tamanha humilhação, no sábado todos saberiam o porquê.
Continua…
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