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Capítulo 11

O vestido assentara-lhe na perfeição. Depois de muito pensar, Cora decidira usar a máscara perfeita: vestido azul rodado, coroa na cabeça, um colar antigo que a mãe lhe dera para irem a uma qualquer festa chique, o medalhão de Rowena Ravenclaw pousado no seu peito. Com a ajuda de Sarah, fizera pequenas tranças no seu cabelo ruivo e calçara umas bonitas sapatilhas pretas. Sorriu para si própria, encarando o seu reflexo no espelho uma última vez.

           Em seguida, saiu do dormitório, desceu as escadas e saudou Remus, cujo rosto se iluminou ao vê-la.

- Princesa? - adivinhou o menino, divertido.

- Princesa dos Ravenclaw! - exclamou a ruiva, rodando sobre si mesma - Não está perfeito?

Remus corou. A menina ajeitou o cabelo, as bochechas rosadas do entusiasmo, os olhos safira brilhantes. Gaguejou, a voz saindo-lhe tremida ao dizer:

- E-Estás m-maravilhosa.

Cora esboçou um sorriso, satisfeita. Encarou o amigo com atenção, soltando uma risada ao perceber o fato que ele escolhera. Por vezes, esquecia-se que Remus era filho de pai bruxo e mãe Muggle; a sua máscara era a prova disso e muitos não iriam perceber a referência.

- O Conde Dracula? - perguntou-lhe, entrelaçando o braço ao dele enquanto se afastavam da Torre dos Ravenclaw, rumo ao Salão Nobre.

- Sim. A minha mãe mostrou-me o filme à pouco tempo e eu adorei a forma como os Muggles vêem os vampiros. - Remus soltou uma risada, impressionado - Não achei que alguém do mundo bruxo fosse perceber. - comentou, admirado com a ruiva.

- Acho que o mundo Muggle tem tanto potencial como o mundo bruxo, por isso gosto de conhecer um pouco a cultura de ambos. - respondeu Cora, encolhendo os ombros - Por Merlin!

         A menina apertou o braço de Remus, que corou, constrangido. Os olhos safira arregalaram-se, temerosos à medida que percorriam os corredores. Hogwarts estava aterradora; abóboras assustadoras tinham sido penduradas, o fogo mágico dentro delas serpenteando e criando sombras tremeluzentes. Cora prensou os lábios, rindo internamente de si mesma. Viera a uma festa de Halloween mas, se fosse sincera, tinha medo de tudo o que fosse de terror. Pessoas mascaradas caminhavam na mesma direção que eles, cada uma mais assustadora que a outra, o som de palavras e risadas ecoando à sua volta.

           Ao chegarem ao Salão Nobre, Cora estacou, respirando fundo. Velas, abóboras, decorações assustadoras por todo o lado. Juntando isso aos fantasmas que por ali esvoaçavam, a menina sentiu-se empalidecer.

- Talvez esta não tenha sido uma boa ideia. - murmurou para os seus botões.

- Pois talvez não tenha sido. Estás bem?

        Cora franziu o sobrolho. Tinha a certeza que falara baixinho demais para que Remus a ouvisse, por muito próximo que tivesse dela. Este corou, desviando os olhos castanhos dos dela, os quais o observavam com atenção.

- Estou bem. - acabou por responder, suspirando - Foi só o susto inicial. Espera... Aqueles são...

No meio da festa, um par de mascarados atraía toda a atenção. Cora tapou a boca com a mão, incapaz de conter o riso, ao mesmo tempo que Remus sorria, os dois aproximando-se dos mascarados. Estes ergueram os copos com sumo de morango, cada um mais alegre que o outro.

- Olá! Que tal?! - perguntou Sarah, girando sobre si própria.

- Estou sem palavras. - respondeu a amiga, com sinceridade.

- Admite, estou fabuloso. - disse Sirius Black, balançando-nos cabelos negros caídos pelos ombros.

- Sirius, tu estás vestido de...

- Errado. - interrompeu Sarah, impedindo Remus de continuar - Nós estamos vestidos de...

O duo cruzou os braços, as costas voltadas, um olhar sério que na cabeça dos ditos cujos seria um olhar matador, mas para os restantes era apenas engraçado; em coro, exclamaram:

- Fish & chips! * (peixe com batatas fritas - referência à famosa refeição inglesa de fast food)

Sirius piscou o olho a Cora, que soltou uma gargalhada genuína, surpreendendo todos. O fato de peixe de Sirius tinha sido feito pelo mesmo, era perceptível ao notar-se as costuras tortas e o olho vesgo do peixe. Já o de Sarah, parecia bastante realista e a menina exibia-o com orgulho, encolhendo os ombros ao ver a melhor amiga abanar a cabeça, divertida. Juntos, faziam a famosa refeição Muggle, indiferentes aos olhares desdenhosos de quem passava por eles. Sarah saltitou até à melhor amiga, a tiara de batatas fritas na sua cabeça balançando ritmicamente com o movimento, a roupa amarela caindo pelo seu corpo esguio na perfeição.

- Não sabia que tinhas tanto talento para a costura. - comentou Cora, avançando com ela para junto das mesas com comida de todas as formas e feitios.

- Achas que fui eu que fiz isto? - Sarah bufou, soltando uma risada debochada - Naaaaao, foi a Haillee que fez. A minha irmã. Eu pedi-lhe há imenso tempo e ela tem muito jeito para estas coisas. A única coisa que tive de fazer foi desafiar o Sirius a vestir o dele. - a Hufflepuff colocou um bolinho de abóbora na boca, mastigando-o e engolindo-o velozmente; Cora imitou-a, deliciando-se com o sabor adocicado que lhe preencheu a boca - Não foi difícil, fizemos uma aposta e ele perdeu...

- Espera. A tua irmã fez isso? - questionou a Ravenclaw, apontando para o fato - Sozinha? Sem magia?

Sarah assentiu, orgulhosa.

- É muito talentosa, não é? - abanou os braços, feitos de batata frita amarela em tecido - Ainda disse ao Sirius que ela fazia o dele mas ele não quis. - a menina abanou a cabeça - Ficou tudo torto mas olha, é o que temos. Tive uma grande ideia, não tive? Olha lá, que raio de máscara é aquela que o Remus trouxe? Com aqueles dentes afiados a fingir e a cara toda pintada de branco, parece que ficou com um ar mais doente do que o costume. - Sarah engasgou-se, vendo o olhar reprovador de Cora - Sem ofensa.

A Ravenclaw abanou a cabeça, a boca abrindo-se para lhe responder. O som de uma voz familiar fê-la calar-se, as bochechas ruborizadas e o coração quase a saltar-lhe do peito ao virar-se em direção ao rapaz de quem gostava.

- Está bem, Sirius, estou impressionado. - dizia James Potter, os olhos verdes arregalados ao ver Cora ao seu lado - Cora! Nem te vi aí! O teu fato é engraçado. - comentou, embora os olhos verdes sequer estivessem pousadas nela, parecendo demasiado ocupado a perscrutar o salão para a notar.

- O-Obrigada. - gaguejou a ruiva, sentindo-se envergonhada.

- O teu fato nem por isso. - comentou Sarah, torcendo o nariz - O que raio és tu?

- Sou...

- O Príncipe Encantado. - respondeu Cora, analisando o fato dele - Da Cinderela, aquele conto Muggle em que... O sapatinho de cristal...

- Esse mesmo. É a história preferida da Lily. - os olhos de James brilharam, o rosto girando à procura da Evans - Alguém já a viu?

O coração de Cora mirrou, vendo o rapaz afastar-se. James sequer reparara que também ela se mascarara de realeza, ele sequer reparava nela. O que ela tinha de errado? Sabia que era bonita, era inteligente, era interessante... E James era o seu Herdeiro de Grynffindor, tinha quase a certeza disso. Estavam unidos por uma magia antiga e inexplicável, mas James não parecia ter consciência disso. A ruiva sentiu os olhos pesarosos de Sarah sobre si; recusou-se a encará-la, sabendo o que a amiga diria.

- Eu já venho. - murmurou para os amigos, os quais a deixaram ir, uns sem repararem em nada, outros preocupados.

Remus fez menção de a seguir mas o braço de Sarah impediu-o, os olhos âmbar firmes ao dizer-lhe:

- Deixa-a ir.

**

A festa continuava, a música ecoando pelo castelo. Os alunos divertiam-se, os mais novos tentando aproveitar ao máximo, já que regressariam ao dormitório mais cedo que os mais velhos, uma regra que detestavam.

Cora bebericou o seu sumo, observando o céu estrelado. Colocou um bolinho que trouxera consigo no caminho, mastigando calmamente. Conseguia ouvir a música da festa mas, ali no jardim, a noite estava tranquila, acompanhando-a com a tranquilidade que gostava. A Ravenclaw sabia que começava a ceder; ceder aos amigos que não queria ter, ceder aos sentimentos de adolescente que não queria ter, ceder à vida e ao que ela tinha para oferecer.

Talvez fosse melhor regressar ao dormitório e ir dormir. No dia seguinte seria fim de semana mas Cora tinha muita coisa para fazer: trabalhos de casa, estudo, escrever uma carta à mãe... responsabilidades. Tinha demasiadas responsabilidades para uma menina de doze anos.

Soltou um suspiro, balançando as pernas penduradas. Um restolhar nos arbustos fê-la dar um salto, a mão erguendo de imediato a varinha, na defensiva. Uma figura sombria aproximava-se dela, as mãos erguidas e um sorriso debochado de lado, os olhos negros parecendo cintilar na noite.

- Baixa a arma, princesa. - murmurou Regulus Black, baixando os braços - Ainda furas um olho.

- Talvez fure o teu, o que te parece? - respondeu Cora, irritada - Deixa-me em paz, Regulus.

- Quanta hostilidade. O Menino-de-Ouro não te quis?

A Ravenclaw rangeu os dentes, tentando engolir as lágrimas que ameaçavam escorrer pelos seus olhos. Era assim tão transparente que até Regulus, que pouco ou nada a conhecia, tivesse reparado?

Vendo-a cabisbaixa, Regulus engoliu em seco, inclinando a cabeça ao dizer-lhe:

- Princesa Ravenclaw. É o que te chamam, não é? A mim parece-me adequado. E o vestido é bonito.

       Cora fungou, olhando-o de soslaio.

- Obrigada. - murmurou, contrariada - O que fazes aqui? A festa é lá dentro.

- Não gosto de festas. Nem de pessoas. - o menino encolheu os ombros, fitando o céu estrelado - Costumo vir dar uma volta pelos jardins à noite. É sossegado.

- Mas o recolher obrigatório...

- Foi feito para ser quebrado... Pelo menos é o que o meu irmão diz. Como todas as outras regras.

Regulus baixou os olhos. Uma sombra passou-lhe pelo rosto à menção de Sirius, como se fosse algo doloroso. Pensando bem, Cora nunca vira os dois irmãos juntos e Sirius não falava muito de Regulus. A ruiva observou o Black com redobrada atenção, deixando a desconfiança de lado por breves instantes.

- Porque tu e o teu irmão não se dão? - questionou-o, de chofre.

- Não tens nada a ver com isso. - ripostou Regulus, friamente.

Cora ergueu o queixo, o orgulho ferido. Com um bufar, deixou-se cair ao chão, caminhando furtivamente para longe dele. Poucos passos depois, ouviu-o chamá-la, os lábios prensados quando o encarou.

- Desculpa. - murmurou o mais novo, tão baixinho que Cora levou a mão ao ouvido, querendo provocá-lo - Tu ouviste.

- Eu não ouvi nada. - mentiu a ruiva, o sorriso no seu rosto alargando-se ao vê-lo revirar os olhos, aborrecido.

- Desculpa ter falado como falei contigo. Ouviste agora?

- Perfeitamente.

Delicadamente, voltou a sentar-se ao lado dele, vendo os seus ombros relaxarem de alívio. Um suspiro entristecido escapou dos lábios do moreno, os cabelos encaracolados caídos para os seus olhos cabisbaixos, a máscara caindo por alguns minutos.

- Sirius é a ovelha negra da família. Não concorda com os ideias que os meus pais defendem, não quer ter nada a ver com Magia Negra, coisa que os Black são perito, não tem orgulho nenhum em ser um puro-sangue e fazer parte de umas das mais nobres famílias da Inglaterra. Ele é tudo o que não devia ser... - Regulus fez uma pausa, prensando os lábios- A minha mãe diz que ele é uma má influência para mim. Ainda está a tentar ver se o consegue mudar mas... Já perdeu as esperanças. Por causa disso acabamos por nos afastar, eu e ele. Tudo o que quero é orgulhar os meus pais e ser o que eles gostavam que eu fosse. Honrar o nome Black com tudo o que tenho. - os olhos negros cintilaram, orgulhosos, antes de esmorecerem novamente - Infelizmente, isso acabou por nos afastar, a mim e ao Sirius. E... Bem... Às vezes...

- Tens saudades dele. - completou Cora, analisando-o - Tens saudades do teu irmão mais velho.

        Regulus não respondeu. Não precisava, nem queria. Já fora longe demais ao falar com ela, confiara nela, esquecera-se quem ela era: uma Ravenclaw, uma desconhecida, uma rival.

A ruiva levantou-se, pondo-se à frente do mais novo com um sorriso no rosto. Sentia-se à vontade ali, apenas dois desconhecidos e a noite repleta de estrelas. Uma música melancólica soava pelo castelo, vinda da festa de Halloween. Porque estava a dar uma música tão triste numa festa? Cora não sabia. A única coisa que sabia era que queria aproveitar aqueles breves momentos em que se sentia verdadeiramente ela própria, não a Ravenclaw certinha e requintada que a mãe queria que ela fosse, não a puro-sangue de renome, não a descendente direta de Rowena Ravenclaw.

Apenas Cora.

Estendeu a mão para Regulus, cujo sobrolho se franziu, confuso. Olhando para o menino, podia ver que também ele precisava de um momento de pausa, onde apenas pudesse ser Regulus: não um Black, não um Slytherin... Apenas Regulus.

- Dá-me a honra desta dança? - perguntou a menina, inocentemente.

         Regulus ergueu uma sobrancelha, confuso.

- Eu não danço. - respondeu o Black, como se fosse óbvio.

- Eu também não. Vá lá, é só hoje.

         Os dois encararam-se. O mais novo encolheu os ombros, entediado.

- Só hoje.

Pegou-lhe na mão, depois na outra. Juntos, balançaram ao sabor da música, longe o suficiente, perto apenas pelo toque das palmas das mãos unidas. Num gesto suave, Regulus puxou-a para si e Cora deixou-se relaxar, pousando a cabeça no ombro dele, os olhos de ambos fechados. As duas crianças ficaram ali em silêncio, num raro momento de paz e tranquilidade.

No meio da noite, um medalhão em forma de coração brilhava, o tom esmeralda puro inundando a escuridão sem que ninguém tivesse reparado.


Imagens ilustrativas

Exemplo do fato de Cora

Imaginem o fato destes cães.... No Sirius e na Sarah! 😂

Fish & chips

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