VII - Confronto
"Just try to see in the dark
Just try to make it work
To feel the fear before you're here."
The Cure, Close To Me
Ozilia enfrentava o guerreiro gigante.
Era um facto inegável que o deixava baralhado e esmagado. Ela considerava-o sem capacidade para combater aquele inimigo que aparecera ali do nada, materializando-se do próprio ar. Não emitia ki, como ela, pelo que não se tinha apercebido da sua aproximação e já eram demasiadas coisas estranhas a acontecer naquelas montanhas, demasiadas dúvidas.
Enfrentavam-se em silêncio, medindo-se cuidadosamente antes de partirem para o confronto físico – ou energético, o que não adivinhava um grande futuro para aquela aldeia se o poder empregado na luta fosse apenas uma amostra daquilo que ele sentira nela quando o derrubara, na cabana. Podiam não ter ki, mas ele conseguia avaliar que eram bastante poderosos, debaixo daquele véu que escondia a sua verdadeira essência.
Mas ela não sabia do que ele era capaz, ele também não emitia ki e também escondia a sua verdadeira essência. Sorriu. Melhor assim. Haveria de a surpreender e de a impressionar no momento certo.
Até podia ser naquele dia. Quando ela não aguentasse o embate contra o guerreiro gigante, ao primeiro deslize e à primeira queda, quando se apercebesse do erro que tinha cometido ao enfrentá-lo sozinha, ele iria intervir e despachava aquele assunto. Afinal ele era o mais forte do Mundo... O sorriso esmoreceu. Bem, se na equação não entrassem os malditos saiya-jin, ele era, sem dúvida, o mais forte do Mundo.
- Não podem combater aqui – disse ele, sem qualquer esperança de ser escutado. – Demasiadas testemunhas.
O guerreiro gigante parecia feito de pedra, uma escultura posta no largo para emparelhar com o fontanário. Não reagiu. Ela, contudo, arrastou a perna esquerda para trás, relaxando ligeiramente a posição defensiva e acabou por concordar:
- Talvez tenhas razão. Vou levá-lo para outro sítio, enfrentamo-nos lá. Não quero testemunhas. E isso inclui-te.
- Não deves estar a falar a sério – disse ele indignado. – Tu estás ferida.
- Não estou assim tão mal, o trabalho que fizeste em ligar os meus ferimentos foi excelente. Ele quer lutar comigo, com mais ninguém. A missão dele é encontrar-me e destruir-me. – Uma curta pausa e, mesmo de costas, ele sabia que ela sorria. Depois lembrou-se que nunca a tinha visto sorrir e lamentou que ela estivesse de costas. – Já me encontrou. Agora, só falta destruir-me.
- Sei que não queres, mas vais precisar da minha ajuda.
- Pois vou. Recupera o diamante. É essa toda a ajuda que preciso de ti.
Ele revirou os olhos com a petulância dela. Mas se ela queria assim, não iria impedi-la. Afinal, não se interessava uma pevide pelo destino dela. Nada... Só não queria que ela voltasse a atormentá-lo com sonhos estranhos.
Ela acrescentou num tom cavo:
- O diamante não está aqui. Se estivesse... ele não teria sido tão ousado e não teria vindo.
- Nani?
Um dado novo.
Ele começava sinceramente a detestar aquela história.
Ozilia endireitou as costas, transmitiu qualquer mensagem telepática ao guerreiro gigante pois fê-lo reagir, pela primeira vez, através de um rugido e de um leve movimento dos braços. A seguir, sumiram os dois, utilizando a técnica da supervelocidade. Evaporaram-se do largo, deixando um odor metálico e uma brisa que levantou a poeira do chão calcetado. Número 17 torceu o nariz.
Começando pelo dado novo. Voltou-se para a casa ardida e descobriu um grupo de aldeões que tinham assistido à cena toda. O mais afoito avançava armado com uma forquilha de ferro, os outros três agitavam varapaus, todos assustados e com tão pouca convicção que ele suspirou ante a cena. O Bode não empunhava qualquer arma, refugiava-se atrás do grupo, seguia-os por uma espécie de solidariedade ou por se sentir responsável, pois toda aquela confusão tinha começado porque resolvera esconder na sua casa uma estranha criatura.
Número 17 encaminhou-se para o grupo de aldeões e, quando o fez, estes pararam. A forquilha e os varapaus tremiam nas mãos deles. Apoiou o punho esquerdo fechado na cintura e chamou pelo Bode com um dedo. O homem escondeu-se.
- Não tenho o dia todo, ojiisan.
Os aldeões começaram aos cochichos e o Bode saiu do seu refúgio. Não o conseguia encarar e andava de olhos colados no chão, as costas encurvadas, enrolando as mãos uma na outra.
Número 17 foi direto ao assunto
- O que fizeste ao diamante?
O Bode fez um ruído estranho com a garganta.
- Ojiisan, começas a irritar-me. Responde-me de uma vez.
Sem levantar a cabeça, o homem contou:
- Deixei-o na floresta... Enterrei-o. Era um diamante muito grande, tive medo de o trazer para a aldeia.
- Onde foi que o enterraste?
- No sítio onde a encontrei...
- E por que razão a trouxeste contigo?
Número 17 inclinou a cabeça para trás quando o Bode o encarou com os olhos injetados de sangue, em completo terror.
- Ela tinha acordado – explicou quase aos gritos. – Agarrou-se ao meu pescoço, pediu-me que a levasse até ao caçador. Dizia coisas sem sentido, falava de deuses e de perigos e de um palácio. Também falava do diamante e fiquei cheio de medo. Não queria que ela soubesse que eu o tinha escondido. Queria... Queria ficar com o diamante. É tão grande, ficava rico e podia mudar de vida... Sei lá! Fui ambicioso e fui castigado, eu sei. Perdi a minha casa... mas, ainda tenho o diamante. Ou tinha-o.
Engoliu a saliva que tinha na boca e prosseguiu, mais calmo:
- Prometi ajudá-la a encontrar o tal caçador, trouxe-a para casa. Veio escondida debaixo da minha capa de pastor, ninguém se apercebeu que era alguém... bem, um pouco diferente. Tentei tratar-lhe dos ferimentos, mas não me deixou que tocasse nela. Só perguntava pelo caçador. Disse-lhe que era muito tarde, que não podia ir para as montanhas pois o dia estava a acabar. Disse-lhe que no dia seguinte lhe traria o caçador. Dormiu um sono só. Quando despertou, irritou-se comigo porque ainda não lhe tinha trazido o tal caçador. Mas sabia lá eu quem era esse caçador? Só a queria afastar do lugar onde estava o diamante. Irritou-se ao ponto de me atacar e de rebentar com a casa... O resto da história, bem já a conheces.
Número 17 suspirou, fechando os olhos. Levantou uma mão e pediu:
- Chega. Ouvi o que queria ouvir. Vou até ao lugar onde a encontraste e vou recuperar o diamante.
- E como sabes tu onde fica esse lugar?
O Bode encolheu-se com o olhar assassino de número 17.
- Se não encontrar o diamante, venho atrás de ti e vou desfazer-te em pedacinhos. Compreendido, ojiisan?
O Bode acenou tanto com a cabeça que parecia que esta se ia soltar do pescoço. Número 17 sorriu-lhe e o outro ficou desconcertado. Ele sabia muito bem porquê, conseguia inventar sorrisos angelicais que transmitiam tranquilidade e confiança, que eram a anestesia ideal para eliminar os inimigos.
Abandonou a aldeia caminhando sem pressas, de mãos nos bolsos do casaco, assobiando e observando despreocupado os pássaros que voavam por ali. Estranhou por não sentir o combate entre a criatura e o guerreiro gigante. Haveriam de empregar tanta energia que se fariam notados até por simples humanos, quer fosse através de alguma explosão ou algum tremor de terra.
Semicerrou as pálpebras e percebeu, na paisagem, uma linha luminosa feita de elos amarelos e brilhantes, invisível para olhos destreinados, um rasto por onde Ozilia tinha passado com a supervelocidade. Só um rasto, o guerreiro gigante não tinha deixado nenhum indício, o que queria dizer que ela sabia que de outro modo ele não conseguiria saber onde ela estaria, já que não emitia ki e conhecia a capacidade que ele tinha de guiar-se pelo ki dos seres viventes. Ou seja, ela queria que ele a seguisse, mesmo que tivesse afirmado que não o queria por perto.
Matutou nos dados novos, inserindo-os meticulosamente na sua mente. Deuses, um diamante e um palácio. O caçador. Pelo menos, conseguira descobrir a identidade do misterioso caçador: era ele próprio. A razão por que ela tanto insistira para ser levada até ele permanecia envolta em mistério, uma vez que volta e meia escarnecia da sua presença e do seu auxílio. Quanto ao diamante, ia agora por ele. Haveria de descobrir quem eram esses deuses, mas estava desconfiado que ela pertencia a uma qualquer raça divina, o que explicaria um bom punhado de dúvidas de uma vez só. O palácio poderia ser o lugar onde ela vivia, onde viviam os deuses, onde vivia o deus da Terra. Era um lugar, de certeza absoluta.
E nestes pensamentos, número 17 dirigia-se para o coração da floresta.
***
Não lhe metia medo, mas o guerreiro tinha poderes claramente superiores aos seus. Não podia deixar-se abalar por um sentimento humano tão mesquinho como o medo, porque ela desconhecia a sensação e nem sequer podia imitar uma reação amedrontada.
Preparava-se para o primeiro ataque, observando cuidadosamente a paisagem que tinha escolhido e que seria do agrado do humano. Uma clareira rochosa deserta, num sítio montanhoso no outro extremo da floresta, sem testemunhas. Que ridículo que era aquela máquina com aparência humana. Começava seriamente a preocupar-se com ele, pois estava a ligar-se a ela de uma forma que Ozilia odiava.
A estratégia, naquele caso, era fundamental. Não tinha o diamante e as suas possibilidades desciam a pique, mas confiava que o humano haveria de o encontrar e de lho trazer quando ela mais precisasse, pois ele estava definitivamente a ligar-se a ela.
O que lhe seria útil. A relação deles baseava-se na utilidade, pensava ela enquanto observava o guerreiro imóvel, à sua frente. O poder dele serviria para que ela conseguisse regressar ao seu mundo e recuperar tudo o que tinha perdido, a começar pelo diamante e a terminar na dignidade. Se ele não o conseguisse, mais ninguém daquele patético planeta, habitado por patéticos humanos, o conseguiria. O castigo fora bem aplicado, pensou ela com uma nesga de cinismo. Atirada para um planeta menor, longe de tudo, um ponto minúsculo na pequena galáxia do Norte.
O guerreiro atacou.
Previsível, pensou ela, a esquivar o golpe com um salto. Desviou outros murros num bailado gracioso, pairando junto ao guerreiro a acompanhá-lo numa dança mortal, terrível e com um desfecho tão sólido como as rochas daquela paisagem: a derrota dela. Mas até isso acontecer, haveria de gastar todos os seus trunfos e de torrar os miolos do guerreiro, pensou Ozilia.
Aproveitou o braço esticado do guerreiro para se apoiar no punho que a quisera atingir, deu um salto mortal e pontapeou-o em cheio na têmpora esquerda. Enquanto descia, ágil como a bailarina que emulava naquele combate, disparou um raio energético para o olho do guerreiro. Assentou os pés no chão tão suavemente que parecia uma borboleta a pairar por ali.
O guerreiro reagiu à bruta. Com o olho a fumegar, elevou os braços, congregou uma nuvem de luz faiscante entre as mãos enormes e arremessou-a sem qualquer hesitação, como se atirasse um pedregulho.
Ela cruzou os braços sobre a cara, enrolando o corpo para se proteger do primeiro ataque verdadeiramente perigoso. Sorriu. O guerreiro não queria perder tempo e o bailado inicial já fora uma espécie de concessão.
Explosão.
Mas se houvesse testemunhas daquele combate, estranhariam a falta de ação, pois na clareira rochosa, a criatura e o guerreiro gigante entreolhavam-se imobilizados naquela arena, lutando num mundo diferente, aquele que comumente era chamado de mundo dos espíritos. E por isso, sem emitirem energia e outras reações físicas que haveriam de destruir o cenário e consequentemente assustar os humanos patéticos.
***
Abriu várias covas com pequenos disparos de energia, revolvendo a terra num raio de cinco metros. O Bode não seria tão inteligente ao ponto de se ter afastado demasiado do lugar, para não correr o risco de esquecer onde tinha enterrado a pedra preciosa, o homem não passava de um pastor de cabras, mas quis certificar-se de que esquadrinhava o terreno todo.
Caminhou no limite da circunferência, pontapeando pedras, escavando com a ponta das botas superficialmente os locais que lhe pareciam ter algo entre os torrões de terra, e foi-se aproximando do centro, onde a criatura tinha estado deitada.
Parou, olhou para a esquerda, para um arbusto enfezado. Um bom marco para fixar um sítio secreto, algo distinto que avivaria a memória de um simples pastor de cabras. Agachou-se e enfiou ambas as mãos na terra preta e húmida. As unhas arranharam algo duro. Os dedos tatearam os limites da coisa, rodearam-na, foram mais fundo de modo a soltarem-na da cova onde se escondia.
O diamante não brilhou quando ele o levantou à altura dos olhos. Esperava que tivesse aquele brilho glorioso que vira no seu sonho, mas talvez lhe faltasse a ligação indispensável à sua misteriosa dona.
Número 17 sorriu. Limpou o diamante à camisa para lhe tirar o excesso de terra. Era, realmente, enorme e garantiria uma excelente pensão de reforma a um humilde pastor de cabras.
Fechou os olhos por um segundo para recuperar o fino rasto de luz que ela deixara. E depois seguiu-o, porque sabia que ela precisava do diamante e precisaria certamente da sua ajuda no combate contra o guerreiro gigante.
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