Capítulo 5: A Nova Maré
Roma
Viajamos de carro até a Zona Norte do Rio de Janeiro. Tivemos que dar a volta por dentro de outros bairros, pois a Avenida Brasil ainda estava em obras. O caminho além de um pouco engarrafado, devido ao alto tráfego e ruas estreitas, também era longo. Contudo, após Gael desviar bem o trajeto começamos a nos aproximar do Parque União. Dava para chegar no máximo na entrada da Vila do João.
— Que magia toda é essa? — Ezequiel contestou, ao sentir a mana preta que subia como fumaça nos limites da favela. — Algum tipo de barreira de proteção?
Estávamos dentro de um Jeep. Veículo usado pela B.M.O.E e cedido aos protetores. Ezequiel, Amanda, Bruno e o Sasha vieram conosco. Diana, Henrique e Chris ficaram para resolver outras questões.
Descemos do carro. Deixamos o carro estacionado na Avenida Brasil. O ambiente do Complexo da Maré aos poucos ia retomando a forma. Os favelados, moradores, já haviam se adaptado à nova rotina. Tinham de trabalhar, buscar as frutas da freira, utilizar o moto-táxi. A dor da perda e da destruição deveria ser engolida como um choro infantil. Com os problemas estruturais, eles tinham que pegar ônibus em um ponto diferente, e colocar comida na mesa dos filhos como sempre fizeram.
"Essas pessoas amavam o Ivan, e todos os seus atos de promoção social da paz dentro da comunidade." Elas tinham, antes, um pequeno vislumbre do que era a tranquilidade. Nós tiramos isso. Contudo, de uma maneira estranha, um certo aspecto da paz foi restaurado.
— O mago dessa mana nem está perto. — Amanda tocou na mana. — Ele deve ser um tanque de energia.
— Vamos entrar, fiquem próximos. — Gael se meteu na frente.
Adentramos a comunidade. Aos poucos as pessoas começaram a nos olhar. Como Gael era nosso porta-voz, não nos viam com medo ou receio, ele era bem quisto na comunidade. Alguns gritavam seu nome, acenavam. "Opa!" Era a palavra que mais saia da boca naquele momento. Quase um político.
Olhei para os lados, e rapidamente perdi meus aliados. — Mas que porr... — Olhei para distante à esquerda. Amanda estava sentada numa pastelaria, esperando o caldo de cana ficar pronto.
— AMANDA! — Berrei.
Ela me olhou quase como uma criança, com um pedaço de pastelão segurado na boca. Inocente, não sabia corresponder. Apenas estava feliz demais sentada na pastelaria. Para desviar a cena constrangedora apontou para o outro ponto da rua. Ao qual Ezequiel estava analisando máscaras de bate-bola. Ele colocou uma máscara de Gorila.
— Eu compro. — Deu uma nota de vinte reais na mão da moça.
— Ezequiel, retire essa máscara. Você não vai passar nossa viagem com isso na cara. — Contestei.
— O que!? Mas ela é linda! — Reclamou. — Me obrigue a tirar.
Ele chegou próximo, e foram inúmeras minhas tentativas de alcançar o rosto de gorila, mas acabei não conseguindo. Desisti pela insistência. O sádico era ágil demais para minha única mão.
— Isso é patético Ezequiel, por que você está com essa máscara? Somos magos de nível Federal, se dê um pouco de respeito. — Sasha retornou das cinzas.
— Sasha. — O encarei. — Por que você está de cropped?
Assim que Ezequiel olhou para ele começou a gargalhar. O babaca caiu no chão de tanto rir ao ver Sasha de cropped rosa. — É necessário que sejamos vinculados ao ambiente para não passarmos medo aos cidadãos. — Sasha explicou sério. — E eu achei... bonito.
— Hahahahahahaha! Vocês estão em casa já. — Bruno sorriu. — É essa a sensação que uma favela passa. Nunca devem ter pisado numa.
Amanda trouxe um pastel para Gael. Os três magos ficaram em silêncio. Eram de famílias ricas, assim como a minha, então nunca haviam tocado na parte pobre do próprio país.
No centro da principal da Vila do João ficamos. Algumas motos e carros passavam, e desviavam da gente como podia. Bruno ficou ali. Retirou do rosto a máscara de caveira, praticamente desnecessária, devido a ferida que expunha os ossos abaixo do tecido.
Ele encheu os pulmões.
— REEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEI! — O grito chamou atenção dos moradores que por ali passavam.
— Você continua escandaloso como sempre.
A voz saiu de cima de nossas cabeças. Com os pés virados para o céu, Rei nos olhava como um morcego em repouso. — Ainda tem usado o Tinder? Só assim para pegar mina, com essa cara feia do caralho.
Ele se descolou dos céus e virou-se para pousar na frente do amigo. O abraço que deu em Bruno era de uma saudade de anos, mas a verdade é que haviam se visto meses atrás. Isso era amizade.
— Por que você está todo vestido de preto? Um calor da porra! — Bruno deu um tapa amigável na nuca de Rei.
O garoto o ignorou, e foi apertar a mão de Gael, em seguida o abraçou com menor intensidade do que fez com Bruno. Contudo, o amor e respeito eram os mesmos. Os três se consideravam irmãos.
— Desculpa ser grosseiro. Mas o que querem aqui? — O olhar sério veio destinado a mim e aos outros magos. Dava para sentir certa agressividade e tensão no jeito de se posicionar.
Rei estava pronto para me atacar, e aos magos federais, se necessário. Ele havia, de fato, se tornado como o próprio mestre. Educado e atento. Violento e pacífico. De fato, detestava a presença dos demais.
— Rei... Fui eu que pedi para vir aqui. — Passei as costas dos garotos. — Preciso da sua ajuda, e da...
— Eu recuso. — Rei me cortou.
— Mas...
— Se quiserem ficar. Podem dormir na casa da mãe do Bruno. — Olhou a Gael. — Graças ao Gael, temos quartos o suficiente. Mas sendo sincero, espero que não fiquem mais que um dia.
Rei abriu um portão das sombras, onde caminhou em direção. "Eu imaginei que seria uma conversa difícil." Ele sumiu de nossa visão, e nos deixou com cara de tacho no meio da favela.
— É isso? — Amanda perguntou. — Vamos para casa?
— Não. — Bruno contestou. — Vamos para a casa da mamãe. Lá poderemos conversar melhor.
Assim como acordado aos meninos, fomos para a casa da mãe do Bruno. Era uma casa enorme, de dois andares. Assim que chegamos à porta, Gael bateu palmas para alertar a presença. Assim que a senhora negra saiu do portão abriu os braços largos e pelancudos para abraçá-los.
— Que saudade de vocês! — Abraçou os meninos. Na verdade, os sufocava entre o amor e a falta.
Soltei um leve sorriso. Que sensação estranha dentro do peito? Era diferente. Dor talvez. As pessoas que falaram comigo não eram assim. Inveja? Ciúmes? Não, era apenas a sensação de não ter aquilo. Eles vieram da mesma guerra que eu tive, mas foram amados.
Eu ainda sou uma ameaça, a paz de todos.
— Entrem! A comida já vai ficar pronta.
— Um pedido irrecusável! — Amanda saiu correndo na frente de todos, quase derrubando Dona Rosângela.
Não demorou muito pra comida ficar posta a mesa. Nos reunimos para sentarmos juntos e almoçarmos junto a senhora. Arroz, feijão, farofa de bacon, costela de porco e lasanha de brócolis. Era o paraíso! — Eu fiz essa lasanha aqui, porque a Clara é vegetariana, mas aí ela saiu de casa e eu me acostumei.
— Onde ela está morando agora? — Bruno perguntou.
— Foi para Ramos, dividir a casa com uma colega da faculdade. — Dona Rosângela servia nossos pratos. — Desde essa última invasão do Liam. Ela quer ficar longe da violência. Está mais que certa, não é mesmo filha!?
Rosângela olhou para mim. Por alguns segundos fiquei em choque. Afirmei com a cabeça, quase envergonhada pelo silêncio.
— Mãe, o que está acontecendo com o Rei? — Bruno pontuou.
— Humf... — Soltou o ar do pulmão, e ficou pensando no que falar. — Ele está assim desde a morte do Ivan. Após o enterro, todo dia ele vinha aqui em casa e chorava. Pedia conselhos meus para poder seguir em frente. Até que um dia... ele veio mais feliz. Sem o peso da dor.
— Ele superou a morte do Ivan? — Perguntei.
— "A morte não é algo que eu preciso superar. Ainda existe vida após perder alguém." — Rosangela me deu meu prato. — Foram palavras dele. Vindas de uma paz que nem eu mesmo tive quando perdi meu filho...
Dona Rosângela sorriu, enquanto sentava para comer junto a nós. — Ele está em paz. Acho que é isso que aconteceu com ele.
— Chega até ser agressivo, chegarmos no território dele e pedirmos ajuda. — Sasha afirmou. — Talvez devêssemos repensar sobre isso.
— É... talvez... A gente devesse... — Amanda foi interrompida.
Uma batida na mesa. — Talvez o caralho! — Bruno ficou de cabeça baixa. A respiração pesava, e as mãos tentavam destruir o tecido da mesa.
Um portal de magia das sombras apareceu na sala da casa da mãe do Bruno. Nós vimos, pois os cômodos não eram separados. Bruno olhou para Rei com desgosto. Dos olhos apenas lágrimas escorriam de modo incontrolável.
— Para de ser um mentiroso! Quer parecer forte, mas só passa o ar de um babaca! — Bruno gritou. — Nosso melhor amigo morreu! O cara que matou ele está tomando conta do país! E você quer que eu acredite que está tudo bem!?
— Não precisamos da vingança para que possamos seguir em frente, amigo. — Rei o olhava, cabisbaixo. — Existem pessoas aqui que precisam da gente.
— SEU ARROMBADO! — Bruno saltou da mesa até o pescoço de Rei. — NÃO É VINGANÇA PORRA! É JUSTIÇA! O CORPO DE TODAS AS PESSOAS QUE MORRERAM AQUI NÃO PESAM NA TUA CONSCIÊNCIA!? SABER QUE HELIEL ESTÁ SENDO ABRAÇADO COMO DEUS NÃO TE MACHUCA!?
— Me solta Bruno!
Nos levantamos para soltar os garotos. Bruno queria partir pra cima dele, e precisou de mais gente para segurá-lo. Dona Rosângela apenas almoçava. Já devia estar acostumada à cena.
— VOCÊ É UM IMBECIL! O QUE ADIANTA SER MAIS INTELIGENTE DO QUE EU SE ESSA INTELIGÊNCIA TE DEIXA COM MEDO? — Bruno gritava.
— PARA QUE EU VOU QUERER TER ESSA CORAGEM TODA? PARA VER MAIS GENTE MORRER BRUNO? NÃO SEI SE ESSA VIDINHA DE SUPER HERÓI TE FEZ ESQUECER QUEM VOCÊ É! MAS AS PESSOAS DESSA COMUNIDADE NÃO MERECEM SOFRER MAIS POR CAUSA DESSA GUERRA!
— PAREM COM ISSO! — A voz dela preencheu a sala, e congelou os dois brigões. — Quanto tempo, Roma.
— Dandara... — Aliviada fiquei. — Precisamos conversar.
— Eu imaginei que queria falar comigo.
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