Capítulo 4: Armas bélicas
Roma
Os Slaafs não eram puros. Dava para notar. Foram criados assim como os que enfrentávamos no Rio. Contudo, ainda eram violentos e agressivos. Por um momento, os contemplando enquanto ia de encontro ao combate, fiquei travada. "Eram jovens negros". O cenário não havia mudado em relação à ciência violenta de modificação de corpos.
"Tudo que meu irmão lutou contra, protegendo a favela. A cidade tornou-se seu pesadelo."
Talvez eu tivesse parcela nisso? A responsabilidade de ter blindado os olhos contra a verdade, a luta "policial" contra um crime onde os culpados eram as vítimas. Até onde eu era responsável? Até onde eu era vítima também?
Não havia importância. Erros no passado não mudariam o desastre do presente. Culpa minha ou não, só poderia proteger a cidade como sempre fiz.
Até que um assobio chamou a minha atenção. Era Diana, no alto de um prédio, me chamando com os dedos. "Ela quer que nós observemos a cena?" Fui até ela. Desativei toda magia que havia execrado.
— Quer um cigarro? — Me ofertou.
— Não fumo. Obrigada. — Recusei, enquanto olhava os Slaafs aos gritos, berros e açoites as construções.
As pessoas que estavam próximas fugiam o mais rápido que as pernas permitiam. O grito dos cariocas ressoava o som de uma música dolorosa a qualquer ouvido.
Ela acendeu o cigarro, e ficou ali contemplando as ações de terror aos nossos olhos. Eu, por maior das hipocrisias, também fiquei parada.
— O que você quer me mostrar? — Olhei para ela. Aguardei a resposta sair do trago do cigarro. Ela tinha um jeito misterioso e belo que me recordava... Pavlov.
— Você ainda não confia em nós. Eu compreendo. existem muitos magos aqui no Rio atualmente, a cidade não está nada segura com os embargos e sanções feitas por Heliel. — Ela soprou a fumaça para o lado oposto, e aprofundou os olhares aos meus. — Mas acredite. Não vencerá a guerra sozinha.
Olhei para os monstros. — Sabe qual é o ingrediente principal para criação dos Slaafs? — A questionei.
— Não.
— Jovens negros. — Respirei fundo, vendo as criaturas subirem o prédio em que estávamos. — Nós negligenciamos por tempo demais as ações que levaram ao desastre atual. Mas primordialmente, minha família sempre fez parte disso em algum nível. Alguns apoiando, outros lutando contra.
— ... — Ela ficou em silêncio.
— Começou junto a minha família. — Invoquei uma lança. — Há de terminar nela também. — A joguei para baixo.
Os Slaafs que escalaram foram dilacerados pelo poder da magia, sobrando pouco mais que carne e alguns ossos ou membros.
— Quando você fala, me lembra o Caleb. Ele era teimoso assim como você. E eu sei o motivo. — Enquanto ela falava, nossos companheiros chegavam ao combate. O uso da magia fazia uma explosão de luzes ao redor de nós. Cada um usando o possível para proteger a cidade. — Quer proteger as pessoas, da caminhada violenta que está para fazer.
A encarei, pois havia me lido sem rasgar uma única página.
— Eu sinto em você, o peso das almas que já ceifou, e o cheiro da guerra impregnado no seu coração. — Respondi. — Acha mesmo que eles. — Olhei aos magos que nos acompanhavam. — Merecem morrer da maneira que nós vamos?
— Eles não vão morrer. — Diana respondeu. — Pelo teu olhar, é capaz de notar, que sob nosso comando, eles não vão morrer. Podemos ser capazes de retomar o país.
Os raios começaram a tomar conta dos céus. As criaturas voadoras começavam a sofrer os lampejos e ataques do pseudo Deus do Trovão. Henrique os rasgava e passava seus corpos podres e sucumbidos. Ele estava dentro dos raios, da própria magia.
Começou a chover sangue no Centro do Rio.
Algumas criaturas, à nossa esquerda, eram perfuradas por pequenas bolas de metal. Como se levassem tiros constantes de uma pistola potente. Enquanto prostrado no chão, um rapaz de cabelos loiros os observava morrer. Era ele o dono das bolinhas de metal que violentamente destruíram músculos e veias. Um pouco de sangue resvalou em seu cachecol branco. Algo que o deixou nitidamente incomodado. Não era de se sujar.
As criaturas à direita eram consumidas pelo fogo. Um fogo vigoroso e imponente. Como era o poder de Ares, admito que me recordei dele no exato momento que vi o elemento ascender o topo dos prédios. Dentro dele, uma menina negra com tranças. Tinha nela profunda animação em estar lutando. O corpo dela dançava junto aos Slaafs. Distinto do loiro. Ela queria se sujar, adorava o sentimento de combate.
Ela sorria, e muito por sinal. Pois as risadas dela se uniam aos gritos dos monstros. Os Slaafs que fugiam, ou estavam mais distantes eram caçados por Gael e Bruno. Uma dupla que já sabia conversar por mente.
O portão em nossas costas rangeu. Dele saíram os dois faltantes em combate, o sorridente psicopata de franja gótica. E o garoto de capuz e olhos azuis. Eles vieram para próximo de nós, para assistir o teatro do desastre.
— Pensei que tínhamos ocultado bem nossa mana até aqui. — O risonho ficou ao meu lado, e me deu um aperto de mão. — Esses reis, são bem mais poderosos que imaginei. — O sorriso dele era incômodo.
— Esse país vai virar um caos, e Heliel quer isso. — Diana o respondeu.
— Por que ele quer você? — Olhei para o garoto encapuzado, que ficou surpreso com a minha pergunta. — Não apresentou sua magia. Diana está te escondendo. Você é o Chris.
— Meu... — Tímido, evitou me encarar. — Meu poder... Ele quer o meu poder.
Diana ficou desconfortável. Tomava conta dele e o colocava na retaguarda como se fosse um irmão mais novo, ou um filho tímido.
— Ele não nos trará problema, mas eu preciso deixá-lo conosco. Há outras formas de...
— Heliel o quer. Então é por algum motivo bem importante. Preciso que me contem, antes que eu seja obrigada a retirá-los da cidade. — A magia começou a circular pelo meu corpo.
O risonho começou a rir. — Acha mesmo que é capaz de vencer todos os magos federais?
— Ezequiel! — Diana o recuou em palavras. — Ela ainda é uma arma bélica. Não se esqueça disso.
— Conte, Diana! Você ou ele! Esse rapaz tem pelos na cara! Pare de agir como mãe! — Nossos peitos quase se encostaram.
Os Slaafs não eram mais problema. Os magos começaram a se reunir ao nosso redor. O silêncio do Centro era abarcado por nossa discussão. Meus camaradas ficavam próximos. — Inclusive Bruno, que foi levado para próximo com o voo de Gael.
Uma tensão de combate começou a ser criada no lugar. Nós, que queríamos apenas proteger a cidade. E os Federais, com suas incógnitas e motivos escondidos. O momento de amizade começou a desaparecer. Henrique ficava de longe, demonstrando não querer interferir em nenhum acontecimento.
Diana respirou fundo. Percebeu que seu altruísmo falso e sorriso mentiroso não iria mais proteger os seus próprios objetivos. Ela respirou fundo, e retirou do bestunto a máscara de boa samaritana.
— Precisa confiar em mim... Eu não posso falar nada agora.
— Eu já confiei em pessoas demais. — A confrontei. — Olha onde cheguei.
O silêncio perdurou os rasgos do trovão nas nuvens cinzas. Os aliados dela a encararam, assim como os meus. O clima de tensão se agravou.
— Só o que precisa saber. É que ele é uma arma bélica. Assim como você. — Diana se abriu. — Se Heliel tocar nele. Possui o poder dele. É capaz de causar estragos irreversíveis. — Diana olhou minha lança, que por pouco não arranca os pelos da face. — Precisa confiar em mim. Uma última vez. Precisa confiar em alguém.
Por um momento, fiquei estática. Metade das minhas vontades não queria hesitar. O que esse moleque poderia fazer a essa guerra? Se fosse algo tão impactante, então matá-lo seria o melhor dos afazeres.
Hesitei. Desfiz a magia, e os ânimos ficaram mais confortáveis. Não confiava na Diana, e ela sabia disso, mas não poderia implodir meu plano de ir até Heliel. Eu não queria ser cruel, não queria. Mas não podia mais pensar em meus aliados como amigos. Tirando Gael, não havia nenhum outro sentimento pelos demais, a não ser um "coleguismo de trabalho".
Se fosse necessário reuni-los para chegar em Brasília, que assim fosse. Não desejaria ver seus corpos estirados no chão. Só eu e Gael vimos do que os Reis-Slaafs são capazes de fazer.
— O que são armas bélicas? — Uma voz quebrou o silêncio, veio de Bruno. Ele olhava Diana, como se ela devesse uma resposta.
— São magos que possuem um poder acima do nível Federal. Que são capazes de destruir nações se possível. — Ela respondeu. — Como o Brasil está em Guerra Civil, Heliel demonstrou a outros países que não vai recuar nos movimentos dele. Ele está cometendo um crime internacional, pois magos não podem ser presidentes.
— E esse moleque é um deles?
— Sim. — Diana olhou para Chris, antes de continuar. — Na Conferência de Castro, foi acordado que as armas bélicas seriam controladas. Alguns países matavam nascidos com mana irregular. Outros apenas vigiavam, se algo saísse do controle, eles o abatiam. Antes que alcançasse um potencial máximo. Magos bélicos sempre foram um perigo para o próprio país também.
— Somos... apenas carne para eles? — Bruno se via abalado. — Ei... Roma... Por que a gente está lutando por essas pessoas?
Não tive o que responder. Não sabia como.
— Quantas armas bélicas tem no Brasil? — Gael questionou. — Você falou da Roma e desse moleque. Existem mais?
— Heliel também. Antes existiam mais. — Ela me olhou. — Ivan, Caleb, eles também eram armas bélicas. No resto do mundo eles ainda respondem por crimes de guerra. Já que foram mandados a outros países para invadir e destruí-los.
— O professor? — Bruno ficou em choque. — Ele não faria isso...
— Existe mais sangue nas mãos dele do que você imagina.
— Eu vou avisar aos garis a respeito desse caos. — Falei. — Por hora, precisamos buscar um último apoio. Já que vamos para Brasília.
— Quando iremos? — Henrique questionou.
— Um mês. Acredito que podemos nos estruturar em uma semana.
Antes de ir à missão, precisaria de ajuda de duas últimas peças. Diana não sabia, mas Ivan ainda havia escondido uma pessoa que poderia mudar os rumos da guerra. A arma bélica escondida do mundo.
Dandara.
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