Capítulo 6
Luana tomou a nossa retaguarda. Dos três, ela era a menor. Nos empurrava para o portão de saída às pressas, como se nos expulsasse da presença da criatura. Ela virou-se para o Slaaf, e agachou o corpo. O toque dos dedos no piso branco criou uma poeira gelada que saía das unhas dela. "Parede de gelo!" ela gritou. Uma coluna cristalina de gelo se ergueu na frente do Slaaf, e preencheu toda a sala. Não o víamos mais.
— Agora precisamos nos preocupar com o que está ocorrendo lá fora! — Nos comandou para sairmos.
Eu e Gael a encaramos, admirados. Era como se os comandos dela fizessem valer. Só que isso foi momentâneo. Lembrei do aviso do falecido Caleb: "Não confie em si quando estiver contra um Slaaf. Você pode morrer por causa disso."
A pata espinhosa de barata rasgou o gelo. Os fragmentos voaram em nossa direção enquanto o monstro avançava. Ele esticou as mandíbulas. Era aterrorizador ver que as bocas eram maiores que Luana — maiores que nós.
Gael tomou ação. O braço demoníaco cresceu, como borracha. Ele arremessou Luana para a parede. Tirou a parceira da linha de morte. A reação tomou o custo. O Slaaf mordeu o braço dele.
— AAAAAAH! — berrava em dor. Gael trincou os dentes. Tentou parar o próprio grito. — Filho da puta!
O Slaaf fechou a boca. Rasgou o braço de Gael com os dentes, e comeu ele como um pedaço gordo de carne. O membro voltou ao normal. Pingava sangue e mantinha pedaços do músculo suspensos por fibras ensanguentadas.
— Gael! — Mal consegui controlar a entonação na voz ao vê-lo nesse estado.
Íamos morrer?
— Consigo me regenerar. — Ele cuspiu sangue da boca — Precisamos sair daqui.
— Vão embora! — Luana pedia encarecida.
Compreendi no momento. Não era confiança que sobressaia dos comandos dela. Era desespero. Mal sabíamos o que fazer.
O Slaaf a mirou outra vez. Usou da pata para esmaga-la contra a parede. Mesmo que Luana conseguisse aguentar o peso dela com o uso da magia. Era certo que as cerdas iam perfurar todo o corpo dela.
Nunca soube muito de magia como meu irmão. Ou como outros magos à nossa volta. Pouco havia estudado a respeito. — Sou uma merda de maga. — Contudo, sabia controlar o fluxo. "Você canaliza o poder como poucos magos que conheço."
Foi o último elogio que Caleb me deu.
"Expansão de mana!"
Um impulso. Joguei-me à frente do ataque. Pude ver a agressão indo lenta na direção de Luana. Consegui segurar as cerdas. Quando em contato aos dedos rasgaram a pele da minha palma. Algumas perfuraram o tórax — por pouco, não atravessaram meu coração.
Babava sangue. Sorria. Eu gostei disso? De me sentir poderosa. De saber que tenho força. Ver meu fluido carmesim pingar nas cerdas. Queria destruir o monstro a qualquer custo.
A lesma focou em me atacar. A outra pata, que pingava ácido nas pontas, ficou direcionada a mim. — Quer me matar, seu merda!? — Cuspia sangue dentre as falas, e sujava os dentes. Não conseguia parar de sorrir.
"Caleb ficava assim. Ele se sentia assim."
Gael usou da energia mágica para saltar alto. Ele chegou próximo ao ombro da criatura. O braço demoníaco ainda não havia se recuperado. As fibras musculares voavam como asas. O braço direito escureceu. Ficou preto como carvão. Com garras vermelhas na ponta.
Ele cortou o ombro do Slaaf. A pata ácida caiu no chão abaixo de Gael. O sangue do Slaaf, roxo, sujou nosso companheiro. Luana usou das lamúrias da criatura — que reclamava da pata arrancada — para contra-atacar.
"Árvore Cruz"
Esticou a palma. Do centro da mão saiu uma estaca de gelo que se alongou até tocar na caixa torácica do Slaaf. Os vermes presos foram perfurados. Ao atravessá-lo, pedaços de gelo começaram a sair como raízes. O monstro ficou paralisado.
"Merda." Sorri. "Esses dois são muito bons!"
Com a dor o Slaaf retrocedeu a força na pata que me segurava. Era hora. Canalizei a mana que tinha no braço direito. — Mal treinei isso — falei a eles — Mas tem que bastar. — A energia concentrada começou a transmutar numa flecha. A magia concentrou-se acima do antebraço, como se usasse meu corpo de arco.
"Besta Vehuiah."
Lancei a flecha mágica. Carregada de energia. Ela acertou o olho do monstro, e espatifou a cabeça dele como uma granada dentro de uma bola de futebol. O sangue e miolos voaram por toda sala e abriram parte do teto também. A lua cheia iluminou o Slaaf derrotado.
Gael deixou o corpo deslizar pela parede. Usou da garra no braço direito, e evitou cair na pata ácida. Nos reunimos na porta do salão, e encaramos a podridão que cada um ficou no fim da luta.
— Luana está limpa. — Gael pontuou.
— Vai pagar a cerveja, Luana. — Olhei para ela.
Ela só assentiu. Como se desculpasse por não ter tomado danos. De fato, era inocente. Gael abriu o portão, e fomos em encontro ao silêncio da pista de dança. As luzes brancas piscavam ainda. Deixavam o cenário mais aterrorizante que o normal. Nossos passos demonstravam o receio de ir até lá.
Praticamente juntos. Fomos ao portão que dava para a pista de dança. O lugar estava escuro, mal víamos um palmo à frente. Quando a luz passava, rápida e piscada, mostrava no chão os corpos mortos das pessoas que não conseguiram fugir. O sangue banhava todo salão. Corações arrancados ainda batiam desesperados. Tentavam manter os corpos esquartejados vivos a qualquer custo.
Esse era um estrago causado por um Slaaf.
— Ele está aqui. Consigo sentir. — Gael alertou.
Não conseguia tomar a dianteira sem ter medo. A mana dele estava baixa por conta da regeneração.
Eu e Luana fomos a frente. A cada passo podíamos ouvir o sangue respingar nos sapatos. Buscamos nas sombras alguma resposta do paradeiro do Slaaf. Nada. Até que a luz piscada girou para cima.
Pude detalhar. O corpo humanoide cheio de mucosa avermelhada. Tão comprido quanto um armário. Ele tinha quatro braços. Dois deles o prendiam no teto. Os outros ajudavam a mastigar na boca a cabeça das vítimas. Ele comia enquanto nos observava.
Eu e Luana ficamos paralisadas de medo. Como se não tivéssemos reação. O Slaaf levou a mão até a cintura de Luana, onde a agarrou pronta para levá-la à boca. Como se segurasse uma colher de arroz.
— Que porra vocês estão fazendo!? — Gael nos despertou.
Luana tentava se desgarrar do monstro, sem sucesso. Colocou a mão no pulso do monstro. — Vai congelar comigo, seu merda! — O braço dele começou a congelar. Não conseguia mais levá-la à boca por causa disto.
"Espada Cruz"
Luana materializou uma espada de gelo, e a usou para quebrar o braço congelado. O Slaaf berrou. Ele desceu do teto. Dentro da boca ainda estava a cabeça de uma vítima. Uma cabeça engolia a outra. Meu braço fervia em mana. Estiquei por completo o direito, enquanto o esquerdo trouxe para próximo ao peito. Materializei outra flecha carregada de mana. Pronta para destruir o Slaaf.
O monstro percebeu a ameaça. Ele deu uma porrada no teto e puxou com os dedos toda a estrutura. Metal, concreto, e madeira. Ia me esmagar se não soltasse a flecha.
Gael segurou os destroços com o corpo. Usou o braço preto para evitar que tudo nos cortasse. Uma viga atravessou o estômago dele, e foi direto ao chão.
— Mata esse filho da puta... — A voz dele estava fraca.
O Slaaf ameaçava atacar Luana outra vez. Se eu não o matasse ela ia morrer. Atirei a flecha. Mirei na cabeça. Ele moveu o pescoço para o lado. A magia explodiu no fim do salão, mas a criatura estava viva. O Slaff segurou Luana com os três braços. Esticou nossa aliada. Fez um crucifixo. Prendia braços e pernas.
Gael não podia se mover, e estava quase inconsciente.
Luana foi imobilizada.
Eu estava fraca demais para lançar outra carga de mana.
Era o fim.
Duas mãos.
Duas mãos brilhantes. Incendiadas num fogo azulado. Apareceram nos ouvidos do Slaaf, e pressionaram a cabeça do monstro no ataque. Elas iluminavam o lugar. Um homem com bandana de caveira na metade do rosto era o dono das mãos.
"Céu infernal!"
O fogo escapava das palmas, e consumia a cabeça do Slaaf. A magia era tão poderosa que ofuscava meus olhos. No desespero o Slaaf soltou Luana, e tentou tirar o mago das costas. Tarde demais. A cabeça do monstro era só carvão.
O salvador deixou a criatura cair. Sem perigos pisou no peito da Luana, sem permiti-la ficar de pé. As luzes se acenderam. Outro rapaz apareceu. Com um dread cheio de anéis dourados e uma gola alta que tampava a boca.
— Vocês são policiais, não são? — O caveira questionou. — Então. — Incendiou a mão outra vez. — Parece que somos inimigos.
Ele havia nos salvo. Só para ter a oportunidade de nos matar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro