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Capítulo 30

Ponto C:

— O teu pai — disse como se não possuísse parentesco com ele, inclusive, cuspiu a frase como se fosse um pedaço de vômito entalado. — Sempre fazia missões de pacificação na favela, mas a verdade é que ele adorava a fama que tinha lá na Maré. — Ivan sorriu, ainda com desgosto. — Minha mãe acabou se apaixonando por ele, mas quando a gravidez apareceu, ele não se distanciou dos pais omissos deste país.

— Cala a boca. — Forcei a mana em meu braço decepado. Fiz o corpo cicatrizar mais rápido. — Não ouse falar do meu pai como conhecesse minha família.

— Mas eu conheço. — Retrucou. — Seu pai é nojento, e Caleb sabia disso. Só não tinha coragem de tomar a atitude que eu fiz.

— Que... Que atitude?

— Quando chegar a hora, falaremos. — Ivan me deixou à mercê da imaginação, e do ódio. — Aqui não será o momento.

Ivan olhou para cima. Avistou a chegada de um cometa — Ares, para ser mais específico. — No lado, Luana e Gael, pelo visto, haviam acabado as missões nos postos. Meus aliados. Todos cercavam a maior ameaça do lugar. Ivan não nos temia. O corpo não retrucava ou assustava. Ele estava ciente dos riscos de ficar ali.

Olhou para meus companheiros. — Sinto o cheiro de Bruno em você, de cabelo branco. Ele está bem? — A pergunta levava uma real preocupação com o parceiro.

— Ele fugiu. — Gael respondeu.

Ivan fechou os olhos, e ergueu os lábios. — Graças a deus. — Estava satisfeito.

— Não é o momento para pensar nos outros, Ivan. — Ares berrou do resplandor dos céus. — Aqui cavamos sua sepultura.

Ele abriu os braços. E admito que pela primeira vez o admirei. Mas por que? Não. A admiração nem sequer passou pela minha cabeça naquele instante. Foi inveja. Inveja de tamanha confiança e poder. Tantas vezes havia dito que o mataria, só que tudo foi da boca para fora. A raiva sim. O ódio, o rancor, vinham de dentro. Mas a crença? Eu não acreditava que conseguiria matar ele, e ele sabia disso. Lia em meus olhos. Agora estava ali. Aliviado pela vida dos companheiros, e eu, aliviada por não ter que lutar mais sozinha.

Ivan havia aceitado há muito tempo, que ia morrer.

Crescer na favela fez isso a ele. E ali, de pé. Estava mais vivo que eu. Que fracasso.

— Serão vocês contra mim? — Ivan olhou para Ares. — Seria desonroso morrer para um sujeito tão fraco.

Ares invocou as chamas na mão e as lançou. Quando chegou próximo a Ivan a magia esvaiu-se. Tornou-se apenas brasas.

— Equipe! Precisamos trabalhar em conjunto! — Ares gritou para nós. — Ele consegue copiar e anular magias, mas nunca ao mesmo tempo! Ataquemos juntos!

Ivan começou a rir. Gradualmente a risada tomou amplitude. Ele debochou da tática de Ares. — Você me desrespeita, Ares. — Comecei a canalizar uma flecha no braço que sobrou. Ainda queria lutar. — EU SEMPRE FUI O MAIOR MAGO QUE EXISTE!

Soltei a flecha. Ivan a rebateu quando criou outra. Luana ativou o modo de complexidade, mas ao aproximar-se dele, voltou ao normal. — O gelo? O gelo sumiu!? — Ivan a segurou no pescoço. Ele a jogou em cima de mim. Por sorte, consegui segurá-la.

— Você está bem?

— Roma! — Olhou para meu corpo, ferido — Por favor! Você precisa...

— Eu estou bem. — Sorri para ela. O sangue ainda escorria em meu rosto. — Vamos derrotá-lo.

Ares desceu. Nada feliz no próprio semblante. Quando próximo de Ivan tentou socá-lo com magia flamejante pelo braço. Ivan se defendeu com o próprio. Os impactos de mana, tão vívidos, mudavam a direção dos ventos e bateram em nossos rostos como explosões de granada. Eles trocavam socos e chutes altos no centro da arena improvisada.

— Ares está comprando tempo para gente. — Falei a Luana. — Precisamos usar tudo que temos.

Luana assentiu com a cabeça. Comecei a carregar outra flecha. Desta vez, com muito mais mana que as anteriores. Ela precisava ser pesada e poderosa — Mesmo que ele decepe meu outro braço. — Era tudo, ou nada.

Gael aproveitou o momento de concentração de Ivan para atacá-lo nas costas. Um corte violento com as garras negras. Sò que o favelado se curou tão rápido quanto foi atacado. Ele invocou as mesmas asas que Gael dispunha, e usou delas para afastá-lo. As asas rasgaram a camisa. Mostrou a todos o corpo maltratado pelas lutas, bruto e esguio.

Ares aproveitou o momento para tentar um golpe sórdido. Um soco direto no rosto dele — Mão de Ifrit! — gritou. Nós ouvimos o impacto. O soco acertou Ivan em cheio. Contudo, a expressão dele não era de vitória. Ivan estava irritado. Irritado com o talento de Ivan.

Ivan pegou o braço de Ares e o girou para longe. Quando virou-se para mim, pude enxergar a frustração do Protetor. Metade do rosto estava coberto por gelo. A magia de Luana. Ele sorriu. Ivan se divertia. Como um sociopata no tom máximo dos próprios planos.

— Roma! — Luana gritou a mim enquanto tentava pará-lo.

Ela palmeou o solo e usou o gelo para arremessá-lo no ar. Ele não foi capaz de evitar. No alto, viu-se cercado por ataques. Ares, carregava no centro das mãos, uma esfera de fogo minúscula e perigosa. Gael, no outro canto, invocava acima da própria nuca, uma esfera amarela do tamanho de um ônibus. Por fim. Nos olhamos. Ele viu em mim, minha magia. — Assim que vai ser... — pude ler os sussurros egocêntricos dele.

Lançamos. Em simultâneo, nossos poderes. Todos eles colidiram no ar. Deixaram nada visível a presença de Ivan. Ele sumiu em meio às magias. Na colisão, o branco do brilho ofuscou meus olhos. Os fechei. Meu braço doía. Pude sentir o calor das magias. Poderosas. Violentas.

Aos poucos, o brilho branco começou a sumir, e pude olhar o que havia ocorrido com meu inimigo.

Ele não estava lá. Em choque, eu e meus companheiros ficamos estáticos. "Será que o poder foi capaz de extingui-lo da existência?" Não. Não confiaria nisso ao menos que pudesse ver o cadáver de Ivan. Onde?

Onde ele estava?

— Ro... — uma pausa. — Roma. — Ares me chamou. A voz dele estava embargada pelo choro. Quando nos encaramos, eu vi o terror outra vez. A cabeça de Ares era segurada gentilmente no queixo e nuca, pelas mãos frias de Ivan. A sombra de Ares se misturava ao corpo do vilão, como se ele estivesse ultrapassado-a para chegar lá. — Eu ainda te amo. — sorriu. — Fique bem!

As últimas palavras. Ivan girou o pescoço de Ares. Os ossos quebraram num estalo e som que atormentou nossos ouvidos na mesma frequência que fiquei desesperada.

"Calleb nunca pode saber que a gente namora, ou ele vai me matar." Me recordei das palavras de Ares num dos nossos encontros da noite, no passado.

— ARES!!!!!! — Gritei horrorizada. O corpo do protetor caía no chão, sem vida.

Ivan me olhou com ódio. Um semblante de pura ira e prazer. Meu grito tomou conta do ambiente.

— Chegou a tempo, Rei. — Ele olhou para as colunas de um prédio, onde o aliado estava sentado, se recuperando.

— De nada. — Rei respondeu. — Lian está aqui, e a Isadora está contra ele.

— Então fale com Bruno e vá com ele para lá. — Ivan ordenou. — Não permita que algo aconteça a ela. Lhe suplico. Logo estaremos indo embora.

Rei sumiu nas sombras outra vez. Enquanto Ivan caminhava para o meu encontro. Estava sem forças. Mesmo com raiva, havia utilizado tudo que podia. O corpo de Ivan sangrava. Coberto de cortes e feridas.

— Você conseguiu me machucar, irmã. Fico feliz.

— Você... — Meus olhos tremiam num misto de sentimentos. — É um demônio.

Ele vinha em nossa direção. E eu não sabia o que fazer.

No distante do meu horizonte, uma enorme fumaça fazia-se presente. Poeira de chamas e destroços. De lá, gritos de alguns Slaafs ressoavam. Como um desalento. O último berro foi ouvido enquanto a sombra de alguém, segurando um machado maior que o próprio corpo nos ombros, atravessava a cortina.

"Pavlov". Havia saído do inferno. Na mão direita, arrastava a cabeça de um dos demônios que havia abatido. Ele jogou o crânio próximo a Ivan.

— O próximo é o seu. — O tenente o ameaçou.

Ivan sorriu. — Cachorro do Estado, finalmente apareceu. 

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