62 - Não nos cansemos de fazer o bem.
Toda a família estava na praia, até mesmo Mariana e o insuportável do namorado, apesar de um pouco afastados, ele fazia o possível para que ela não ficasse próxima das outras.
- Estivemos conversando com a nana, e achamos que você deveria conhecer o seu pai. - Disse Carla de repente.
- Oi? Por que isso agora?- Perguntou desconfiada olhando de uma para a outra. - Vocês sabem que eu vou conhecê-lo.
- Sim, nós sabemos! Mas estamos falando tipo hoje, eu gostaria muito de conhecer Natividade, veja só eu conheço as cidades históricas de Minas Gerais e não conheço Natividade a cidade histórica do estado onde eu cresci. - Disse Jéssica empolgada.
- Espera aí! Vocês querem ir comigo? - Perguntou emocionada.
- Claro! Também queremos conhecer seu pai e seus irmãos, e além do mais, é sério gostaríamos mesmo de conhecer a cidade, até fizemos uma pesquisa sobre o lugar, parece interessante! - Claudia olhava de uma para a outra, engoliu seco.
- Se vocês fazem tanta questão, vamos nessa! - Disse contagiada pela empolgação das irmãs, as três se abraçaram.
- E aí vamos mesmo para Natividade? - Perguntou Mariana assustando Claudia.
- Você vai? E o seu namorado? - Perguntou tensa.
- Eu dei a ele duas alternativas, ou ele me espera aqui com os meus pais e vamos embora domingo juntos e felizes como havíamos combinado ou ele vai sozinho e acabamos. - Disse melancólica.
- Ele não te deu uma resposta. - Deduziu Carla.
- Não! Mas ele que sabe, a decisão é dele.
- Mariana, claro que será um prazer ter você conosco, mas não precisa brigar com o seu namorado. - Disse Claudia triste, gostou da ideia de viajar as quatro.
- Não se preocupe, e quero estar contigo neste momento e não vou perder isso por causa de um namorado que eu nem sei se vai continuar comigo.
- Ok! Então vamos nos preparar para a viagem. - Disse Carla. - Seu irmão ficou de reservar quartos de hotel para nós, - Claudia arregalou os olhos. - sim já preparamos tudo.
- E quando foi mesmo que vocês fizeram isso? - Perguntou intrigada. O único momento em que ficara sem elas foi logo depois do café da manhã que elas foram para a casa dos pais, mas elas não haviam demorado tanto tempo assim.
- Conversamos com os nossos pais e com a nana e eles concordam que você precisa resolver logo isso. - Disse Jéssica.
- Até a mamãe? - Indagou intrigada.
- Também fique surpresa levando em conta que ela não queria nem ouvir o nome do seu pai até ontem! - Lembrou Carla erguendo a sobrancelha.
- Pois é, vamos antes que ela mude de ideia. - Disse Mariana.
- Ok, lá vamos nós! - Disse Claudia nervosa.
Às dezesseis horas elas estavam em Natividade, na entrada da cidade, conforme combinado Carla ligou para Sérgio, ele e os filhos iriam encontra-las. Claudia andava de um lado para o outro aflita.
- "E se eles não gostarem de mim, se os filhos dele acharem que eu estou querendo roubar o pai deles, se o Sérgio achar que eu sou a culpada pela morte do grande amor da sua vida"! - Pensou aflita. - Jesus! - Exclamou assustando as irmãs.
- O que foi menina? - Perguntaram.
- E se ele me odiar como o Stivie odiou o Michael? - Perguntou exasperada.
- E porque raios ele te odiaria? E o Stivie não pode ser usado como base para ninguém. - Disse Carla revirando os olhos,
- O grande amor da vida dele morreu por minha causa. - Lembrou pesarosa.
- Se levarmos em conta que você estava no útero dela por causa dele, não vejo a associação! - Disse Jéssica tranquila, as três olharam para ela de olhos arregalados, ela apenas olhou de uma para a outra, deu de ombros e entrou no carro.
- O que deu nela? - Perguntaram as três se encarando. Naquele momento um carro parou ao lado delas.
Claudia apertou a mão de Mariana que estava ao seu lado, três pessoas saíram do carro, um senhor e dois jovens, para surpresa geral, principalmente de Claudia, a garota correu e a abraçou.
- Eu sou Lorena sua irmã, estou muito feliz por você ter vindo, esperamos convencer vocês a ficarem lá em casa.- Disse a garota extremamente excitada.
- Também estou feliz por ter vindo. - Respondeu Claudia emocionada.
- Você vai assusta-la, ela deve estar pensando que somos loucos. - Resmungou o garoto com um sorriso radiante aproximando-se das duas.
- Olá Claudia! Eu sou o Lucas, é uma honra te conhecer. - E a puxou para um abraço. Ela estava engasgada, temia falar alguma coisa e começar a chorar, não esperava por essa recepção.
- Oh, minha filha! - Disse o pai aproximando-se e abraçou-a carinhosamente. - Se eu soubesse, se eu não tivesse sido tão tolo, perdoe-me minha filha. - Os dois permaneceram abraçados por algum tempo sem dizer nada, cada um perdido em suas próprias emoções. Afastou-se do pai constrangida, os irmãos biológicos e as irmãs conversavam alegrementes como se fossem amigos de longa data.
- Fiz as reservas no hotel como vocês pediram, mas nós gostaríamos verdadeiramente que vocês ficassem lá em casa. - Dizia Lucas.
- Não queremos dar trabalho ou sermos inconvenientes. - Respondeu Carla.
- Será um prazer receber minha filha e as irmãs na minha casa. - Ele encarava Jéssica com um olhar sonhador, Claudia suspirou ao se dar conta do que ele estava vendo.
- Algum problema? - Perguntou Jéssica constrangida.
- Incrível o quanto você se parece com a Ângela. - Disse emocionado.
- É, minha mãe está sempre me falando isso, principalmente quando eu faço coisas que a desagrada! - Retrucou revirando os olhos, todos riram.
- Compreensível, a Ângela tinha uma personalidade forte e difícil. - Sussurrou confuso. - Justamente por isso é tão difícil aceitar que ela sucumbiu à depressão. - Lucas passou o braço no pescoço do pai.
- O senhor sabe que depressão não é tão simples assim papai! - Disse carinhosamente. - Vamos tomar alguma coisa, enquanto vocês decidem se querem ficar conosco? - Todos assentiram.
- Sorvete? - Perguntou Lorena animada.
Todos concordaram, Claudia não saberia dizer se era pelo nervosismo, mas parecia que estava mais quente que em Palmas. Respirou fundo e acompanhou os outros, conforme a conversa fluía ela foi relaxando e começou a aproveitar verdadeiramente a companhia dos irmãos e do pai, Lucas e Lorena eram bem-humorados, e o pai tinha um humor reservado, o que fazia com ela lembrasse de si mesma.
Quando ela comentou com a mãe que achava a irmã parecida com sua mãe biológica, ela rira e dissera-lhe que as semelhanças entre as duas ia muito além da aparência física, ela ficara um pouco enciumada, ela queria ter herdado os cabelos negros da mãe, o tom moreno da pele e os olhos curiosamente em tom de âmbar, o que segundo a família aquela peculiaridade era herdada da avó do seu avô, e era raro, assim como seus olhos verdes esmeraldas também eram raros, ela não tinha nada da mãe, nem física, nem no comportamento, e teve um momento em que ela se perguntou porque não tinha nada da mãe, para que de algum modo se sentisse próxima dela, no entanto conforme se sentia mais próxima de Deus, mas se aceitava e se amava, e naquele momento estava feliz por parecer com o pai, e com os irmãos, Deus sabia o porquê de ter escolhido aquelas características para ela, e estava feliz por ser quem era.
- Se realmente não formos incomodar, e as meninas estiverem de acordo, seria uma honra ficarmos na casa de vocês. - Disse Claudia encarando o pai.
- Bravo! - Respondeu Lucas. - Vou ligar para o hotel, tudo bem para vocês? - Perguntou às outras que sorrindo assentiram.
- Acho que devemos ir até lá, acredito que teremos que pagar alguma taxa de cancelamento alguma assim. - Disse Carla levantando-se.
- Não se preocupe, eu cuido disso. - Respondeu Lucas afastando-se falando no celular.
Eles encontraram Lucas na saída, e como uma família feliz que passavam férias juntos, foram para casa, e estranhamente, isso não soava estranho para Claudia, estava feliz por estar ali.
O pai estava de plantão naquela noite, e eles decidiram ficar em casa, os irmãos sugeriram pizza, e surpresos descobriram que Mariana e Claudia gostavam de cozinhar, e todos se prontificaram em ajuda-las, assim fizeram o jantar e harmoniosamente eles se sentiam à vontade uns com os outros.
- Uau! Vocês cozinham muito bem. - Elogiou Lorena.
- Elas sempre atormentaram a nana, e para que ela pudesse trabalhar em paz, ela ensinou algumas coisas para elas. - Disse Carla.
- Quem é nana? - Perguntou Lorena.
- A nossa avó Conceição. - Respondeu Claudia, de repente constrangida, aqueles netos conviveram menos com a avó que ela, e até ontem ela nem sabia que era neta dela.
- Ah! - Comentou Lorena com os olhos brilhando. - Quando descobrimos porque não podíamos visita-la, ficamos chateados, porque ela continuava trabalhando na casa de pessoas que odiavam nosso pai. - Disse ressentida.
- Lamento por isso, acho que ela continuou lá por mim. - Sussurrou Claudia tímida.
- Ela finalmente nos contou porque continuava lá e porque aquelas pessoas odiavam ao papai, foi uma surpresa saber que tínhamos uma irmã, principalmente para ele. - Comentou Lucas distraído.
- Tudo bem? - Perguntou Jéssica, e os dois irmãos se olharam.
- Sabíamos que o papai havia amado uma mulher antes da mamãe, e que esta mulher continuou importante para ele, por isso o casamento deles acabou, e não fazíamos ideia de quem era ela, pensávamos que esta mulher ainda era viva e a culpavámos pela separação dos nossos pais. - Disse Lorena. - Sentimos muito por isso, não ficamos felizes por saber que você não conheceu sua mãe. - Olhou constrangida para o irmão.
- Mas admitimos que ficamos felizes por saber que ela não é responsável pelo fim do casamento deles, pelo menos não diretamente. - Completou Lucas também constrangido.
- Não se preocupem com isso, eu creio que não tenha sido fácil, eu entendo! - Disse Claudia sorrindo.
- Eu acho que os adultos não deveriam tratar as crianças como criaturas alienadas, e sempre que possível dizer a verdade a elas, isso evitaria que crescêssemos sendo tolos e injustos - Sussurrou Jéssica ressentida.
- Vamos mudar de assunto! - Sugeriu Mariana. - Aonde vocês nos levarão amanhã? - Os irmãos se olharam sorrindo.
- O que vocês querem fazer primeiro? - Perguntou Lucas.
- As ruinas. - Disse Mariana no mesmo momento em que Carla e Jéssica disseram - Cachoeira. - Todos começaram a rir.
- E você Claudia. - Perguntou Lorena.
- Aonde vocês forem eu irei, na verdade eu não sou muito turística. - Respondeu tímida.
- A nossa irmã é do tipo que fica enfurnada em um quarto de hotel lendo.
- Sério? - Perguntaram os dois irmãos juntos rindo, as irmãs se encararam confusas.
- Sou eu na vida. - Disse Lorena. - Eu amo ler. Meu sonho é ser uma romancista, ter as pessoas viajando nos meus livros como eu viajo nos livros em que eu leio. - Disse empolgada.
- A Claudia escreve contos para a editora do nosso primo. - Comentou Carla.
- Como que é? - Perguntaram todos juntos, deixando Claudia corada.
- Você não nos contou isso. - Censurou Mariana. - E desde quando?
- Eu comecei quando a mamãe contratou a Luciana, fiquei temerosa que meu salário não desse, e o restaurante ainda não estava em sua melhor fase. - As irmãs olhavam-na como se ela fosse uma alienígena. - Achei que não era importante, além disso, eu escrevo sob um pseudônimo.
- Como isso não é importante? Se a Edith permitiu isso quer dizer que você é muito boa. - Retrucou Jéssica. - Qual o pseudo!
- Pássaro Ferido. - Sussurrou.
- Você quer dizer os contos que começaram a ser publicados em fevereiro na revista gospel 'Mensageira do Reino'? - Perguntou Lorena quase gritado.
- Sim. - Respondeu Claudia extremamente constrangida. - "Por que o foco da conversa sempre volta para mim"? - Pensou inquieta.
- Eu não perco um conto, o deste mês eu fui às lágrimas! - Disse Lorena pegando na mão da irmã. - Espero um dia escrever tão bem quanto você.
- Lucas você não ia levar o jantar para o seu pai? - Perguntou Carla.
- Verdade. - Respondeu encarando Claudia. - Lorena me ajuda? - Os irmãos saíram, e Jéssica olhou furiosa para a irmã.
- Já que você estava nos contando tudo, deveria ter nos contado que estava escrevendo para a revista, a sua irmã que acabou de te conhecer conhece seus pensamentos melhor que nós.
- Se vocês lessem a revista, depois de tudo o que ela contou, vocês saberiam que ela era o 'Pássaro Ferido'.
- Por favor! Vamos mudar de assunto? - Pediu Claudia exasperada, as irmãs assentiram, Jéssica visivelmente chateada.
Lorena voltou à mesa, e não tocou mais no assunto 'Passaro Ferido', e o assunto passou a ser o que elas gostavam de fazer, e o que faziam, Claudia soube que Lucas fazia engenharia ambiental e Lorena publicidade e propaganda, ambos moravam com a mãe em São Paulo, mas sempre que possível estavam com o pai, permaneceram no mesmo lugar até Lucas voltar e lembra-las que ainda tinham uma cozinha para arrumar, Claudia estava feliz por estar ali, e quando estavam se preparando para dormir, ela agradeceu às irmãs por terem planejado essa viagem maravilhosa.
- Eu jamais vou esquecer o que vocês fizeram por mim, eu amo vocês. - Disse com os olhos marejados.
- Oh, maninha! - Disseram abraçando-a.
Na manhã seguinte, Claudia levantou silenciosamente para não acordar as irmãs, pegou a bíblia e foi para a área ao redor da casa, a casa era confortável e aconchegante, sentou-se na espreguiçadeira percebendo que o sol nascia em um espetáculo maravilhoso de cores.
- "Obrigada meu Deus por este espetáculo da vida, obrigada por me trazer até aqui e pelas minhas irmãs estarem comigo, obrigada pelos novos irmãos que eu estou ganhando e pelo pai também, obrigada Senhor por cuidar de mim até aqui, e continue a segurar minha mão por onde eu for, eu te louvo pois jamais me abandonou, eu te amo Senhor". - Pensou e abriu a bíblia.
- O que você está fazendo acordada uma hora dessas? - Perguntou Sérgio assustando-a.
- Eu acordo muito cedo, independente do horário que eu durmo. - Disse constrangida ao se dar conta que estava de pijama. - Desculpe-me vou trocar de roupa e preparar um café da manhã pra nós. - Levantou rápido.
- Desculpe-me não quis ser rude, é que estou acostumado com as crianças sempre acordando tarde quando estão aqui, e aqui é sua casa, fique à vontade, se você quiser preparar o café comigo será um prazer. - Disse sorrindo, mostrando algumas sacolas com slogan de uma panificadora.
- Será um prazer. - Respondeu sorrindo também.
Na cozinha colocou a bíblia na mesa e ele perguntou se ela poderia fazer o café, ela assentiu.
- A propósito, o Lucas transmitiu o meu recado para você e sua irmã?
- Sim, e ficamos felizes que o senhor tenha gostado do nosso jantar. - Respondeu lembrando da felicidade que a irmã ficara com o elogio.
- Você é cristã evangélica? - Perguntou pegando sua bíblia para arrumar a mesa.
- Sim. - Respondeu simplesmente.
- Influência da minha mãe? - Perguntou em um tom estranho, ela o olhou surpresa.
- Se levarmos em conta as orações dela, pode se dizer que sim, mas ela não podia me evangelizar fazia parte do acordo para ela ficar comigo.
- Eu imagino que isso tenha sido como cortar as pernas dela, a coisa que ela mais ama neste mundo é falar de Deus e do Seu Imenso Amor pela humanidade. - Comentou sarcástico.
- No que ela está coberta de razão, aliás eu jamais seria louca de pensar que a nana não estava certa em alguma coisa, ela é muito sábia. - Disse orgulhosa.
- Que ela é sábia, isso ela é mesmo. A minha ex-mulher se converteu depois que nos separamos, e as crianças acompanharam-na, as crianças sempre acompanham os pais nessas caminhadas. - Disse com um ar sonhador.
- O senhor acompanhava a nana? - Perguntou colocando o café na mesa, o pai sentou com o olhar distante.
- Sim, me afastei da igreja quando seu avô me proibiu de namorar a sua mãe. - Ela sentou interessada.
- Como assim?
- Eu fiquei revoltado, ele me disse que eu não era e nunca seria bom o bastante para ela, a gente aprende que receberemos o melhor desta terra, pra mim ela era o melhor desta terra, e começamos a namorar escondido, namoro escondido e igreja não combinam muito bem, mas admito que no inicio eu tinha vontade de voltar eu amava as coisas da igreja, os cultos, os encontros, os retiros, sair para panfletar, evangelizar os meus amigos, aquele era o meu mundo, e quando eu soube que ela, - ele calou alguns segundos, e fez sinal de aspas com os dedos. - que ela havia me traindo, eu decidi dar outro rumo na minha vida, só voltei a entrar em uma igreja para me casar, e depois disso nunca mais.
- Mas já se passaram tanto tempo, mesmo com meus irmãos indo à igreja o senhor não sente vontade? - Perguntou triste, lembrando-se da própria atitude toda vez que Marcelo falava do Amor de Deus para ela.
- O que nos move para Deus é o sobrenatural, toda a emoção e desprendimento de Deus por ter dado seu Unigênito para morrer pelos pecadores, os milagres que envolve toda a história de Deus com o Homem desde Gênesis até o Apocalipse; e o meu problema é que eu acredito que nada daquilo é pra mim, lembra de Ismael e Isaque? É como eu me sinto, Ismael tinha os mesmos direitos que Isaque, no entanto ele sabia que nada daquilo era para ele, ninguém se importou com o fato de que ele estava naquela situação por causa de decisões de outras pessoas. - Disse frustrado.
- "Procurar para Luciana quem são Ismael e Isaque". - Pensou. - Não sei de quem o senhor está falando eu ainda sou novata nesse negócio, mas imagino que o senhor esteja tentando me dizer que as atitudes do meu avô te trouxeram até este momento de revolta com Deus, e imagino que saber que a mulher que o senhor amou incansavelmente morrera de maneira tão estúpida também não ajuda muito, certo? - Ele assentiu.
- Ele foi cruel, ele não tinha o direito de nos fazer o que fez.
- Ele fez com que vocês dois acreditassem na mesma mentira, desde que eu soube dessa história eu tenho tentado imaginar outro desfecho pra ela, mas não consigo, ela poderia ter resistido à depressão, ter decidido não se deixar abater pela dor, no entanto, só quem sente a dor conhece a dimensão real do estrago, o senhor poderia ter procurado meu pai e pedido ajuda, não seria tão fácil convencê-lo mais totalmente possível, mas imagino que não fosse tão fácil pedir ajuda de alguém que tudo indicava que não lhe ajudaria.
- Na verdade eu pensei em pedir ajuda para o Pablo, mas eu precisaria de um milagre para ele me ajudar, e eu já não acreditava mais em milagres. - Ela pegou na mão dele.
- Eu não sei porque meu avô foi tão cruel com a própria filha ou com a neta, não sei porque ela morreu ao me dar à luz, mas eu sei que milagres existem, eu sou um milagre. Eu nasci perfeita e saudável apesar dos remédios fortes que ela tomava, a minha mãe te odiava pelo que ela acreditava que o senhor havia feito à irmã dela, e mesmo assim ela escolheu não deixar a 'sua' filha ir para um orfanato e cria-la e ama-la como filha dela, só Deus sabe o que seria de mim se eles não tivessem me acolhido, eu fui deixada em um beco qualquer sem nenhuma perspectiva de sobrevivência, e um rapaz que perdido, literalmente tropeçou em mim e me socorreu, - ela levantou a manga do pijama e mostrou para ele as marcas no pulso, - quando eu fiz essa arte, a pessoa menos provável que o senhor poderia imaginar impediu que eu cortasse o outro pulso e sangrasse até a morte. - Ela percebeu que ele ficou pálido, ela cobriu o pulso. - Desculpe-me acho que eu falei demais.
- Quem te impediu? - Perguntou baixo.
- Uma mulher viciada em drogas que já havia tentado tirar a própria vida por duas vezes.
- Oi?
- O meu pai e o atual marido dela se tornaram sócios para nos ajudar, o que foi muito bom, afinal nós duas ajudamos uma à outra.
- A minha mãe pediu para não ficarmos te enchendo de perguntas, mas eu posso te fazer uma bem delicada? - Ela assentiu. - Você também teve problemas com drogas? - Perguntou olhando-a intensamente nos olhos, ela fixou o olhar nele com a mesma intensidade.
- Não. Nenhum problema com nenhuma droga, lícita ou ilícita. - Ele sorriu abertamente.
- Desculpe-me se te constrangi com essa pergunta. - Disse envergonhado.
- Não me constrangeu, melhor me perguntar do que ficar imaginando coisas.
- Verdade! - Respondeu servindo café para os dois. - Você sabe que todas as coisas que você me falou só fez com minha imaginação voasse alto, e fico ainda imaginando o que você não comentou.
- São histórias tristes, mas que me fez ver o quanto Deus me ama, eu já fui pior que o senhor, eu cheguei a ter raiva de Deus, a pensar que Ele era o culpado de tudo o que me acontecia de ruim...
- Se levarmos em conta que Ele é o Deus do impossível, o Deus que pode todas as coisas, então sim Ele é o culpado. - Disse revoltado, e mais uma vez ela lembrou-se de si mesma e sorriu.
- Era assim que eu pensava, até que eu compreendi que se Ele deu o livre arbítrio ao homem, Ele não pode simplesmente tirar quando quiser, mesmo se for para ajudar outra pessoa, e eu percebi também que poderia ser ainda pior do que foi, se Ele não estive ali também, se não fosse as orações da nana, do meu primo e de outras pessoas que também intercedem por mim.
- Bom dia! - Cumprimentou Lucas. - Finalmente encontrou alguém que madruga como senhor! - Comentou abraçando o pai, então olhou de um para o outro. - Algum problema? Aconteceu alguma coisa no seu plantão? - Perguntou preocupado.
- Não filho, estávamos falando sobre milagres. - Disse encarando-o.
- O nosso pai é aquele típico homem criado na igreja e quando adulto se afasta e acha que todos são fanáticos por confiar suas vidas a Deus.
- Não penso não, apenas não fico vendo milagres em todo lugar.
- Como não? O senhor é médico, à sua volta está repleta de milagres, quantas pessoas não chegam lá sem nenhuma perspectiva de cura... - Começou Claudia empolgada.
- Foi para isso que eu estudei, para salvá-los...
- Por favor! Pai eu não gosto quando o senhor fica com complexo de Deus. - Interrompeu Lucas frustrado.
- Não tenho complexo de Deus, estou sendo realista. - Respondeu com desdém.
- Eu entendo o que o senhor quer dizer, mas não acho que seja apenas a sua dedicação e inteligência, até porque se fosse apenas isso, o senhor salvaria a todos, e as vezes não é isso o que acontece. Além disso, por exemplo eu tenho um QI de cento e sessenta sou considerada superdotada, e tenho uma memória fotográfica acima da média, juntando esses dois fatores se eu pegar um livro de medicina eu sou capaz de fazer o que a maioria dos clínicos gerais fazem ou até mesmo alguns especialistas dependendo do livro que eu ler, no entanto eu não vou salvar a vida de ninguém, porque esse não é o meu dom, e não importa qual seja o meu QI, eu serei útil para o propósito que Ele tem para mim; se Deus quiser Ele pode fazer com que uma pessoa de QI oitenta descubra a cura da aids, Ele usa as pessoas conforme Ele quer e conforme a disponibilidade que a pessoa tem para ser usado, e o senhor sabe que Ele é o motivo do senhor estar onde está, só não pensa que o Senhor poderia fazer alguma coisa sem Ele, porque Ele pode continuar fazendo o que faz através do senhor sem o senhor, não demore para ver os milagres ao seu redor. - Pegou a bíblia. - Com licença vou chamar minhas irmãs, e não esqueça eu estar aqui é um milagre, talvez eu te conte alguns detalhes antes de eu ir embora.
O café da manhã foi tranquilo, nada de comentários sobre Deus ou milagres, o pai disse que iria descansar mais iriam à tarde com eles à cachoeira, no momento da saída Claudia resolveu ficar, os irmãos queriam ficar também, mas no final eles se convenceram de que ela precisava de um tempo com o pai, assim ela cuidou da casa enquanto ele dormia, e quando ele acordou ficou surpreso por ela estar lá, mas visivelmente feliz por ela ter escolhido ficar. Juntos fizeram o almoço e responderam as inúmeras perguntas que fizeram um para o outro.
- O que você quis dizer com ser largada em beco qualquer? - Perguntou ele entre uma pergunta e outra.
- Quando eu tinha quinze anos... - E assim pela segunda vez naquela semana ela narrou aquela história que até outro dia era impossível para ela ao menos pensar, mas que agora era apenas a sua história, triste, deprimente e lastimável, mas era a sua história, era a narrativa dos milagres que Deus fizera em sua vida, mesmo antes de ela ter conhecimento de tal Cuidado e Amor.
Naquela tarde todos foram para a cachoeira, os irmãos nada perguntaram sobre as cicatrizes da irmã, eles devem ter deduzido que era sobre isso que a avó pedira para não fazerem perguntas, e foi extremamente divertido.
Na manhã seguinte Claudia encontrou o pai na cozinha se preparando para ir à panificadora, e ela logo se prontificou a ir também. Ela tirava os cabelos do rosto com uma sensação estranha de déjà vu, o vento a incomodava e a irritava.
- Aqui venta um bocado! - Comentou tirando o cabelo do rosto novamente, Sérgio apenas sorriu.
Estavam entrando na panificadora quando ele recebeu uma mensagem, precisava comparecer ao hospital.
- Oh, filha! Eu sinto muito. - Disse apreensivo.
- Tudo bem! Não se preocupe comigo, vai cumprir com o seu papel de bom médico que eu serei uma boa filha e uma boa irmã e prepararei um excelente café da manhã, isso se o senhor voltar com tempo para aprecia-lo. - Brincou.
- Qualquer problema me liga imediatamente. - Pediu beijando a testa dela.
Ela ficou parada vendo-o desaparecer na esquina, e com um sorriso iluminado entrou na panificadora, e como em uma cena de filme a voz dele chegou até ela, em câmara lenta ela se virou na direção da voz, e lá estava ele, alto, bonito, com os tristes olhos castanhos, apesar do sorriso na boca cheia de dentes brancos e perfeitos, e as tatuagens nos braços e pescoço que ficavam à mostra na camiseta regata preta.
Ela sentiu o coração acelerar, a respiração falhar, e quando o sorriso dele desapareceu de seus lábios quando seus olhos se cruzaram, e ele veio em sua direção, ela quis sair dali correndo, mas suas pernas não a obedeciam, sentiu uma pessoa segura-la e perguntar se ela estava bem, e então o rapaz a alcançou visivelmente preocupado.
- Moça está tudo bem? - Perguntou ansioso.
Continua...
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro