Carla mandou uma mensagem que iria almoçar com os pais, perguntou se Claudia queria ir, mas ela preferiu almoçar com Luciana, queria conversar sobre a bíblia e sobre Deus, as coisas estavam tomando um rumo em sua vida, que ela não entendia direito. Chegando em casa tomou um banho rápido queria ajudar Luciana. Estava saindo do quarto o celular tocou, correu para pega-lo era Marcelo.

- E aí rapaz da grande metrópole? - Atendeu brincando, saindo do quarto.

- Com saudade das garotas da pequena metrópole. - Respondeu com o mesmo tom de brincadeira.

- Está mesmo com saudade das garotas da pequena metrópole, não está? - Perguntou rindo.

- Estou sim, o que você me diz de eu ir para aí na semana santa? - Perguntou cauteloso.

- Eu digo que é uma ótima ideia, e será um prazer recebê-lo na minha casa. Ou prefere ficar na casa dos meus pais? - Perguntou ficando séria.

Se a relação dele com a Luciana estivesse prosperando como ela imaginava, ele iria preferir ficar na casa de seus pais, ele não era do tipo que dava chance para as tentações. Franziu a testa sorrindo, Hércules tinha razão ela estava ficando parecida com o primo.

- Se você não se importar, eu acho que será melhor eu ficar na casa de meus tios. - Respondeu baixo.

- Eu entendo, não se preocupe! Quer falar com ela? - Perguntou sorrindo.

- Não! Eu acho que ela não quer falar comigo agora, ou está ocupada com alguma coisa, eu liguei e ela não me atendeu. - Respondeu tranquilo.

- Não creio que ela não queira falar com você, é bem possível que ela esteja ocupada, hoje todos perdemos a hora, e ela ficou muito chateada por ter perdido a hora.

- Ela me disse que iria para a vigília, mas geralmente ela não perde a hora por causa da vigília, o que será que aconteceu? - Perguntou visivelmente aflito, Claudia sorriu.

- "Ela não atendê-lo, não o preocupa, mas a possibilidade de ter acontecido algo para tira-la de sua rotina, isso o preocupa"! - Pensou revirando os olhos.

- O problema não foi a vigília, eu estava sem sono quando ela chegou, e eu fiquei conversando com ela, ai você consegue imaginar o que aconteceu; eu disse a ela, que não era culpa dela, e ela pode ficar tranquila, mas você a conhece. - Disse entrando na cozinha, franziu a testa, ela não estava lá.

- Sim, eu a conheço. Eu ligo mais tarde pra ela. E você e a Carla como estão? Fiquei tão feliz quando ela me ligou.

- A Carla te ligou? - Perguntou surpresa.

- Sim, ela me ligou e me agradeceu por ter ficado ao seu lado, ela foi fofa! - Disse sorrindo. - Eu te disse loira, Deus só tem coisas lindas e maravilhosas para você, basta deixar Ele te mostrar.

- Obrigada Marcelo! Fique sabendo que o Hércules disse que eu estou ficando parecida com você. - Disse emocionada.

- Isso é bom ou ruim? - Perguntou gargalhando.

- Isso é ótimo! - Respondeu rindo também.

-  Louvado seja a Deus por isso... - Claudia ouviu gritos, pareceu a voz de Edith, e Marcelo falou alguma coisa longe do celular que ela não compreendeu. - Desculpe...

- A Edith está aí com você? - Perguntou interrompendo-o.

- Nao, eu estou na casa dela, vim almoçar com eles hoje; querida não deixe de buscar a Vontade dEle para a sua vida, confie nEle e tudo vai ficar bem.

- As coisas já estão ficando bem, eu te amo Marcelo, não sei o que seria da minha vida sem você. - Disse emocionada.

- Deus teria mandando outra pessoa, como mandou a Luciana, e outras pessoas com quem você trabalha por exemplo. Deus sempre cuidou de você, e nunca deixará de cuidar.

- Estou contando com isso! - Disse sorrindo.

-Eu tenho que ir, antes que Edith me toma o celular, você sabe o quanto ela é exagerada; eu também te amo, a Edith está te mandando um abraço.

- Um abraço pra ela e para as crianças. Até mais querido. - Despediram-se e desligaram.

Ela estava pronta para chamar pela Luciana quando ela apareceu com a bíblia e o violão. As duas almoçaram, e conversaram sobre amenidades, Claudia ficou tentada a perguntar sobre Marcelo, mas ficou sem graça.

- O que vamos ler hoje? - Perguntou enquanto tiravam a mesa.

- Você quer algo em especial? - Perguntou encarando-a.

- As coisas estão estranhas, eu estou estranha, sempre fui tímida e retraída. - Parou um pouco, e refletiu. - Não, não é verdade, não fui sempre assim, nos meses seguintes depois que eu descobri que era adotada, eu dei uma de incompreendida e injustiçada, em minha defesa, eu acreditava que minha mãe havia me abandonado, depois que meu pai a abandonara grávida de mim, não sei de onde eu tirei que meus pais eram os culpados por eu ser o patinho feio da família, mas eu queria mágoa-los de qualquer jeito. - Passou a mão na tatuagem, sacudiu a cabeça afastando os pensamentos. - Fiquei tola e rebelde, mas ainda era eu. Foi depois daquela noite que eu me retraí, me isolei das pessoas, e não falei mais com ninguém, não sei se inconscientemente alguma vez eu culpei a Carla pelo que aconteceu, mas até aquela noite elas eram a única coisa que eu pensava que eu tinha, na minha cabeça desequilibrada eu pensava que eles poderiam até não ser os meus pais e não me amarem, mas elas eram minhas irmãs e para sempre nos amaríamos, até aquela fatídica noite.

- O que aconteceu naquela noite para que a Carla te maltratasse? - Perguntou cautelosamente.

- Como eu disse, eu fazia de tudo para magoar os meus pais, e naquela noite, eles iriam ao teatro com alguns amigos, e era para irmos para a casa da minha avó, e eu disse que não iria, que se eles quisessem levar as filhas deles que eles levassem, mas eu iria ficar; o condomínio é da família da minha mãe, na época só havia três casas que não era mais de familiares, então minha mãe achou que era seguro ficarmos em casa sozinhas, afinal eu tinha quinze e Carla quatorze anos, o que poderia dar errado? Ninguém saia ou entrava, sem passar pela portaria. Só que a Carla não queria ficar em casa, e por isso ela estava brava comigo, e ela começou a me falar as verdades que na época nós duas pensávamos conhecer. E o restante da história você já sabe, eu saí de casa como a idiota mimada que eu era e deu no que deu.

- Entendo! - Disse distraída.- E no que você está se sentindo estranha agora? - Perguntou gentilmente.

- Porque até o final do mês de janeiro, quando eu comecei a trabalhar naquela escola, e você entrou na minha vida, eu não estava nem aí pra nada e nem ninguém essa é que a verdade, o motivo de eu querer trabalhar, era única e exclusivamente, porque eu queria a minha independência financeira, queria ficar livre da pressão da minha mãe, só que não é isso que está acontecendo, eu estou me envolvendo com os problemas dos outros, estou comprando brigas que não são minhas, mas eu quero ajudar quem não tem quem possa brigar por eles, em um momento eu estou apavorada, e no outro eu estou no epicentro do terremoto. É estranho eu sempre achei que eu era a vítima, a que foi abandonada, violentada, oprimida pelos pais, mas sabe já não acho mais que eu sou a única vítima, toda a minha família foi vítima do que me aconteceu, tremo só de pensar em como está as cabeças da Mariana e da Jéssica, até ontem eu nunca tinha pensado nisso. Inúmeras vezes o Marcelo me falou para eu me pôr no lugar deles, mas eu sempre achei que era eles quem tinham que se pôr no meu lugar. - Disse com as lágrimas molhando seu rosto.

- Deus está trabalhando na sua vida, no momento em que você O convidou para adentrar em seu coração, - e apontou com o indicador o coração dela - e aí fazer morada, Ele começou a mudar a sua perspetiva de vida. Ele tem planos para você, e eu creio que não são planos, para você ficar sentada apenas assistindo os outros trabalharem. Ele quer que você ponha a mão no arado. E isso significa ter equidade, compreender que as consequências das coisas sejam elas quais forem, não são isoladas. Você está descobrindo a sua família, descobrindo que assim como você, eles tem feridas mal cicatrizadas, lembra quando eu te disse para se entender com Deus antes de se entregar ao amor romântico? Era disso que eu estava falando, quando você deixa Deus cuidar de você, Ele faz o serviço completo, lembra da música 'vaso novo'? Ele não faz remendo, Ele quebra e faz tudo de novo, e é isso que Ele está fazendo com você. Ele está curando as suas feridas, está colocando a equidade em seu coração para que você perdoe, e possa finalmente fazer aquilo que Deus quer que você faça para o Reino dEle.

- Mas como? Eu não sei de nada, eu não sou nada! Como eu poderei fazer alguma diferença? Não consigo fazer diferença na minha própria vida! - Disse desolada.

- Você está certa, ninguém pode fazer nada, quem faz, é o Espírito Santo de Deus que habita em nós, somos apenas servos do Deus vivo, para que o Amor e a Misericórdia dEle chegue ao maior número possível de pessoas. - Ela sorriu, tocando o rosto de Claudia. - Você não consegue perceber, as mudanças que estão acontecendo com você, não é mesmo? - Perguntou levantando, foi ao banheiro e voltou com um espelho, entregou a ela. - Veja seu reflexo no espelho e me diga tudo o que vê.

Sem entender nada, ela se olhou no espelho, e ficou ali parada olhando para aquela mulher tão parecida com ela, e no entanto, tão estranha. Claro que ela já percebera que estava diferente, mas acreditava que era por causa do trabalho, e de estar pela primeira vez por conta própria e está se saindo bem. Mas naquele momento, ela sentiu uma corrente percorrer seu corpo, e soube que as mudanças nada tinham haver com ela própria, e ela tremeu e não era de frio, e nem de medo.

- O que exatamente você quer que eu olhe? Eu estou diferente, mas eu pensei que fosse uma diferença apenas física. - Respondeu sentindo-se estranhamente em paz.

- Observe bem os seus olhos. - Pediu.

Os olhos que a encaravam não eram os seus, esses olhos brilhavam, o verde estava mais vivo, e como se seus lábios tivessem vontade própria ela sorriu, e seus olhos pareciam sorrir também, intensificando a tonalidade do verde esmeraldas. Delicadamente ela pousou o espelho na mesa. Não se recordava, de algum dia ter visto seus olhos tão expressivos, e nos últimos anos eles estiveram tão frios e duros, que ela não olhava muito para eles.

- E então ainda acha que mudou apenas fisicamente? - Perguntou sorrindo.

- Não, eu não acho. Eu estou mesmo diferente. - Disse chorando.

- Sim. Você está diferente, Deus está transformando você, o salmo trinta e quatro verso quatro fiz, "Busquei ao Senhor, e Ele me respondeu; livrou-me de todos os meus temores". Não importa qual seja o seu medo Deus vai te libertar dele. O medo existe para a sua autopreservção, mas Deus não quer que você seja medrosa, se você sente necessidade de ajudar, ajude. Seja prudente, mas não medrosa, deixe Deus usar você para que a Vontade dEle se cumpra.

Claudia levantou e abraçou-a, ainda chorando. Ficaram ali abraçadas por um tempo, até que ela se acalmou.

- Houve um líder, chamado Josué, se você tiver um tempinho leia Josué o capítulo um dos versículos um até o nove, quando eu penso em Josué e Calebe saindo do Egito, eu imagino os dois jovens e sonhadores; idealizando a terra prometida, não sendo mais escravos e penso que se alguém dissesse a eles, que um lideraria o povo e o outro seria o braço direito do líder, eu acho que eles rolariam de rir; mas quando este momento chegou eles ficaram apavorados, creio que Calebe deve ter ficado mais apavorado do que Josué, mais sabe o que era maior que o medo deles? A fé, a fé deles era maior que qualquer medo, qualquer dúvida.

- A bíblia está cheia de heróis, de homens e mulheres de fé; vejo você e o Marcelo, aquele paramédico que me socorreu no acidente, acho que jamais saberei falar do Amor de Deus como vocês falam. - Sussurrou tímida.

- Sabe o que vejo? Que na vida eu sou o Calebe e você é Josué. - Disse rindo pegando o violão.

- Não sou não! Eu não sou lider de ninguém! - Disse em pânico, Luciana dedilhava o violão suavemente.

- Você é uma líder nata, por isso, você está achando tudo tão estranho, você vê algo errado ou alguém precisando de ajuda, e parte para ajudar, eu sou do tipo que leva para quem pode ajudar. Receba a bênção que Deus tem para você. - Claudia ficou olhando pra ela, sem piscar enquanto ela começava a cantar.

Eu preciso aprender um pouco aqui
Eu preciso aprender um pouco ali

Eu preciso aprender mais de Deus
Porque Ele é quem cuida de mim

Se uma porta se fecha aqui
Outras portas se abrem ali

Eu preciso aprender mais de Deus
Porque Ele é quem cuida de mim
Deus cuida de mim

Deus cuida de mim, na sombra das Suas asas
Deus cuida de mim, eu amo a Sua casa
E não ando sozinho não estou sozinho
Pois sei Deus cuida de mim

Deus cuida de mim, na sombra das Suas asas
Deus cuida de mim, eu amo a Sua casa
E não ando sozinho não estou sozinho
Pois sei Deus cuida de mim

Se na vida não tem direção
É preciso tomar decisão
Eu sei que existe alguém que me ama
Ele quer me dar a mão

Se uma porta se fecha aqui
Outras portas se abrem ali
Eu preciso aprender mais de Deus

Porque Ele é quem cuida de mim
Deus cuida de mim...

- Apenas deixe Deus cuidar de você, e depois voltamos a conversar sobre isso. E acho que se você não correr vai se atrasar de novo. - Disse sorrindo e Claudia saiu correndo.

Continua...