13 - Tornaste o meu pranto em folguedo.
Claudia ainda não tinha visto Michael desde que voltara a trabalhar, e seu humor por algum motivo desconhecido não estava dos melhores. Seu pai cumprira com a palavra dele, e ela estava indo para o trabalho de coletivo, e foi tudo ótimo na semana anterior, mas naquela tarde, o humor dela combinava com dia lá fora. Ela encerrou o expediente, e saiu quase correndo, se perdesse aquele ônibus teria que esperar meia hora pelo próximo, o céu estava negro, não demoraria para cair uma chuva torrencial; chegou no ponto de ônibus e começou a chover logo depois, ela fungou em desespero, aquela cobertura em nada adiantava para protegê-los da chuva, e quanto mais chegava gente mais difícil ficava, ela já estava toda encharcada, quando finalmente o ônibus parou no ponto, obviamente lotado.
Frustrada, ela tentou não empurrar ninguém, e o mais importante, tentou se manter de pé, francamente, ela não compreendia a necessidade daquele empurra, empurra, se todos iriam entrar de qualquer jeito, porque até as sardinhas enlatadas mantinham mais distância umas das outras, do que as pessoas dentro daquele ônibus.
Entrou em casa fungando, afinal qual era o problema dela? Aquelas pessoas se apertavam daquele jeito nos coletivos porque não tinham escolha, e ela não só tinha escolha como ainda colaborava para que eles ficassem ainda mais apertados, afinal era uma pessoa a mais que não precisava estar lá. Respirando fundo foi direto para o seu quarto, deixando uma poça d'agua por onde passava.
- "Pessoas metidas a besta, trabalham mais que pessoas sensatas e agradecidas." - Pensou olhando o chão molhado e lembrando que teria que limpa-lo.
🌹🌹🌹
Michael estava com a cabeça entre as mãos quando, Artur bateu na porta e entrou. Estava exausto física e emocionalmente, passara os três últimos dias evitando Claudia, queria vê-la pessoalmente, verificar com seus próprios olhos, que ela estava mesmo bem; claro que ele sabia que ela estava bem, Victória dissera-lhe que ela estava muito bem; e Artur simplesmente não conseguia parar de falar nela.
- Oi papai! - A filha passou por Artur sorrindo. - Já podemos ir? Estou com fome e com frio.
- Claro meu amor! Vamos pra casa. Você não lanchou mocinha? - Perguntou o pai sorrindo levantando, agora ela vivia com fome.
- Lanchei pai, mais foi às três horas, já é mais de seis. - Disse com as mãos na cintura.
- E os biscoitos que comemos na lanchonete mocinha? - Perguntou Artur rindo, com as mãos na cintura.
- Aquilo não vale tio, estou com fome de comida. - Os três saíram da sala, Katherine agarrada no pai.
- Me desculpe filha, o papai se atrasou bem mais do que gostaria. - Artur olhou-o curioso, e Michael apenas suspirou.
- Tudo bem pai, eu gosto de jogar com o tio Artur, mas hoje ele estava trapaceando no xadrez. - Disse se jogando no banco do carro e cruzando os braços. Michael sorriu.
- Artur você sabe que não pode trapacear! - Comentou sorrindo.
- E me diz mocinha, como que eu estava trapaceando no xadrez? Isso nem é possível principalmente jogando com você, já me arrependi porque te ensinei, está cada dia mais difícil ganhar de você. - Katherine apenas sorriu.
- Quantas partidas vocês jogaram, enquanto me esperavam? - Perguntou Michael saindo do estacionamento.
- Só uma! - Disse Artur orgulhoso olhando para a garotinha sorridente no banco traseiro. - E foi difícil pra eu ganhar dela.
- Sério! - Exclamou também admirado olhando a filha pelo espelho retrovisor interno, ela que olhava para o Artur, olhou para o pai sorrindo.
- Estou orgulhoso de você. - Disseram os dois e ela ficou corada, e os dois se olharam rindo.
- O tio Artur é um bom professor. - Disse sorrindo, encostando a cabeça no vidro gelado e ficou olhando a chuva que caia. - Daqui a pouco tá tudo alagado. - Comentou, os dois homens apenas se olharam novamente. - Tio Artur por que o senhor não janta lá em casa? Depois meu pai te leva. - Disse ainda olhando para fora.
- Boa ideia! - Disse Michael, queria mesmo conversar com Artur.
- Se não for incomodar! Com certeza eu aceito.
- O senhor e o meu pai, deveriam casar, é triste ver vocês dois solitários desse jeito, tenho certeza que tem duas mulheres em algum lugar nessa cidade, só esperando dois bonitões igual vocês!
- E quem disse que somos solitários? - Perguntou Artur surpreso.
- Que bom que não é só a mim que ela quer casar! - Disse Michael olhando para Artur.
- Princesinha se eu tivesse uma esposa, eu não poderia simplesmente sair do trabalho e ir para a casa de vocês jantar! - Esclareceu sabiamente, e ela o encarou.
- Se o senhor tivesse uma esposa, quando seu carro fosse para a revisão, ela iria te buscar no trabalho, e mesmo que vocês tivessem só um carro ou o horário do trabalho dela não desse para busca-lo, o senhor iria querer ir direto pra casa, porque o senhor tinha pra 'quem' ir. - Disse séria, os dois mais uma vez olharam para ela.
- Desde quando que ela está tão sábia? O que você fez com a nossa garotinha? - Perguntou Artur rindo.
Michael apenas sorriu, se concentrando no trânsito, a chuva estava aumentando. Artur mudou de assunto, voltaram a falar de jogos; casamento não era o assunto preferido dele, devido ao seu súbito interesse por Claudia, Michael pensou que ele iria dar corda para Katherine, mas não, casamento ainda era um monstro terrível para Artur.
Chegando em casa, Katherine pulou do carro e entrou correndo gritando por dona Neuza. Os dois amigos, se encararam ao sair do carro.
- Você acha que ela sente falta de uma presença feminina? - Perguntou Artur preocupado.
- Não sei! Eu perguntei à ela, e ela disse que não, mas não sei! - Disse desolado.
Ao entrarem na casa, Michael foi até dona Neuza dizer que Artur jantaria com eles, e voltou com suco de acerola. Os dois foram à varanda.
- E então descobriu qual é o problema do garoto? - Perguntou Artur.
- Sim. Mas prometi não comentar nada, nem mesmo com você. - Disse sem jeito.
- É o padrasto dele, não é? - Perguntou sem tirar os olhos do amigo.
- O que te faz pensar isso? - Perguntou curioso.
- O Gui era um excelente aluno, ótimo atleta, um garoto alegre até o fim do ano, e volta todo acanhado e sem conseguir fazer nada? Alguma coisa aconteceu, então eu fiz algumas investigações! - Disse levantando.
- E o que você descobriu? - Perguntou curioso.
- Nada! O homem é quase um santo, de tão perfeito! - Respondeu desconfiado.
- Então por que você está desconfiando dele? - Perguntou confuso.
- Porque como você mesmo costuma dizer ninguém é perfeito. E a mãe casou em dezembro, e antes disso ele nunca havia nos dado problemas.
Ele havia ficado até mais tarde na escola, para conversar com Guilherme; desde que começara as aulas o garoto estava completamente diferente, retraído, agressivo, e eles estavam preocupados com o garoto. Artur estava certo o padrasto estava abusando do garoto, e como ajuda-lo se dera a sua palavra que não comentaria com ninguém? Antes que pudesse falar alguma coisa o telefone do Artur tocou.
- Oi Valéria! - Respondeu ficando sério.
Michael ergueu a sobrancelha surpreso, Valéria era a ex-noiva do irmão de Artur, e desde que eles terminaram, Michael não ouvira mais o amigo falando o nome dela, Artur a amava como a uma irmã.
- O quê? - Dizia Artur de olhos arregalados, Michael o encarou perguntando o que era. - Valéria estou aqui com o Mike, vou colocar no viva-voz. - Ele colocou o aparelho no viva-voz. E fez um sinal para Michael falar.
- Oi Valéria, tudo bem? - Perguntou Michael constrangido.
- Tudo bem! Graças a Deus! E você e a Katie? Ela deve estar moça e linda.
- Graças a Deus, tudo bem! E tem razão ela já não é mais o meu bebezinho. As crianças crescem muito rápido. - Disse distraído.
- Verdade! - Respondeu no mesmo tom distraído.
- Será que vocês podem, por favor, deixar a tietagem para depois? Temos coisas importantes para discutir. - Lembrou Artur.
- Desculpe! Mas você tem razão. Como eu falei, para o Artur o cara da foto que ele me mandou, não existe! - Disse Valéria.
- Como assim? - Perguntou Michael.
- Encontramos alguns homônimos, mas os nomes não batem com o rosto da foto, seja lá quem for aquele homem, ele não é quem diz ser. Por que vocês estão investigando ele?
- Ele casou com a mãe de um de nossos alunos! - Respondeu Michael.
- E vocês acham que ele não é um bom esposo ou um bom padrasto?
- Segundo a moça que trabalha na casa da família, ele é perfeito tanto com a esposa quanto com o enteado. - Disse Artur.
- Sei não rapazes, mas aí tem coisa! Vocês fiquem de olho na criança, mas por favor! Tenham cuidado! Eu vou tentar descobrir mais alguma coisa. Ah! Se vocês conseguissem as digitais dele, poderia ajudar, mas não esqueçam nada de se arriscarem, ouviu Artur? - Perguntou aflita.
- Não sei porque o aviso foi só pra mim! - Resmungou.
- Porque você só pensa depois que faz as bobagens, e não quero que você se prejudique. - Disse ela carinhosamente.
- Não vou fazer nenhuma bobagem. - Se despediram e desligaram.
- O que aconteceu com a raiva irracional da Valéria? - Perguntou surpreso.
- Minhas crianças são mais importantes e, além disso, eu nem tenho mais tanta raiva assim, só fico chateado quando vejo meu irmão solitário daquele jeito.
- Olha quem fala!
- Eu sempre fui de todas, o Rafael não, ele era do tipo para casar... Há qual é? Você conhece a história. Já que minha ex-cunhada não conseguiu descobrir quem é o 'senhor misterioso', talvez o seu cunhado descubra alguma coisa.
- Será? Não sei o que um agente do FBI poderia fazer nessa situação! Acho que meu pai poderia nos ajudar muito mais! - Divagava.
- Nem pensar, seu pai está tentando deixar o lado negro da força, não vamos dar a ele motivo para querer voltar. Liga para o Patrick.
- Ok! - Disse pegando o telefone.
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Quando Claudia saiu do quarto de banho tomado e roupa seca e confortável, Luciana estava terminando de limpar a sujeira que ela havia deixado pra trás.
- Eu ia limpar isso! - Disse Claudia constrangida.
- Eu sei, mas eu ainda tinha algum tempo. Fiz um chá quentinho para você, está lá na mesa. - Disse sorrindo, e as duas seguiram para a cozinha. - Infelizmente não posso te fazer companhia, preciso me arrumar para ir à aula, mas o seu primo deve estar chegando.
E ela estava certa, mal Claudia sentara e servira-lhe uma xícara de chá, Marcelo chegou. Ele beijou o alto da cabeça dela, e sentou de frente para ela, Luciana já havia deixado a xícara dele na mesa.
- Está tudo bem? Você me parece tensa! - Perguntou franzindo a testa. Ela cogitou a possibilidade de dizer ao primo, que estava chateada, porque ainda não tinha visto Michael, mas sabia que ele iria tirar sarro dela.
- Só estou pensando que eu não deveria gastar as minhas economias comprando um carro! - Disse tímida.
- Eu acho, que você está calculando, se as suas economias dá para você comprar um carro e uma moto. - Disse sorrindo, e ela sorriu também.
- Eles não entendem que eu gosto de moto! Não sou obrigada a comprar um carro só porque eles querem! - Disse indignada.
- E você tem razão, você não é obrigada a nada. Mas você já tentou se pôr no lugar deles? Eles são seus pais e te amam, e tudo o que eles fazem e já fizeram foi por você, para que você ficasse bem e segura. E o que você faz? Anda pra cima e pra baixo em uma moto, de skate, patins, coisas que não tem segurança nenhuma! Salta de parapente; faz bungue jumping...
- Tá bom! Tá bom! Eu já entendi. Eu meio que mexo mesmo com os nervos deles, não é? Mas de onde eles tiraram que eu faço essas coisas por que eu quero morrer? - Perguntou triste.
- Tem certeza que não sabe querida? - Perguntou encarando-a. Ela não queria admitir, mas ela sabia qual era o real problema, porque os pais estavam sempre com um pé atrás com ela. Sem perceber passou as mãos nas cicatrizes finas e brancas em seu pulso.
Os pais largara tudo pra trás, para que ela tivesse uma chance de deixar toda aquela tragédia para trás, 'claro que eles próprios não queriam ficar relembrando aquela história', e assim todos haviam se mudado, e as irmãs até hoje a odiavam por causa disso, e o mais provável é que a odiariam para sempre.
Desde que mudaram-se de São Paulo, ela não voltara mais lá, às vezes sentia saudades, até de Edith sentia saudades algumas vezes; mas de quem realmente sentia saudades era de Melissa, a única amiga que já tivera na vida, mas nunca teve coragem de procura-la porque temia, ter que falar sobre o que acontecera para que todos se mudassem sem olhar pra trás. Ela sempre se culpara por tudo o que acontecera, mas nunca pensou profundamente, nas cicatrizes que aquela noite deixou em toda a sua família.
- Se eu não tivesse saído de casa! Por que eu não fiquei lá dentro com as meninas? Eu estava tão angustiada naquela noite, a Carla não parava de me dizer que eu estava aproveitando do fato de ser uma bastarda, para fazer o que queria com os nossos pais, eu saí de perto dela porque estava cansada, e triste. Que lástima! - Disse chorando.
- Aquela noite não foi culpa sua! Não tem como você saber o que teria acontecido se você não estivesse lá fora! E o mais importante, é que Você sobreviveu, e está superando. E louvado seja a Deus por isso.
- "Louvado seja a Deus por isso." - Repetiu pensativa. - O paramédico me disse que tem pessoas orando por mim, você acredita nisso? - Perguntou confusa.
- Eu tenho certeza! - Respondeu tranquilo.
- Mas não faz sentido! Por que alguém perderia seu tempo orando por alguém igual a mim? - Perguntou triste.
- Como assim? Alguém igual a você? - Perguntou surpreso.
- Eu só faço bobagens; sou incapaz de fazer amigos; Marcelo nem os meus pais me quiseram...
- Há não! Chega! Você não sabe nada sobre os seus pais, o seu pai nem sabe que você existe e a sua mãe... Eu não acredito... Todo mundo achando que seria a Edith a dar com a língua nos dentes olha eu aqui quebrando a minha promessa.
- "E você acha que ele se importa com você? Que algum dia ele quis saber de você? Vai minha filha atrás dele, e quando ele te rejeitar, como rejeitou a sua mãe, você volta pra cá com o rabinho entre as pernas, exatamente como a sua mãe fez." - Lembrou das palavras da mãe naquela noite do acidente.
- Como ele não sabe de mim, se me abandonou com a minha mãe! E ela? Eu não sei nada sobre ela... - Disse pensativa.
- Desculpa-me! Eu não deveria ter dito nada disso. Eu sinto muito. Mas acho que está na hora de você ter uma conversa séria com seus pais sobre isso, não é justo você ficar pensando que seus pais abandonou você.
- Você disse... - Começou e ele levantou e a interrompeu.
- Somente eu a Edith sabemos a verdade sobre seus pais, e prometemos que jamais te falaríamos nada, e sinto muito por quebrar a minha promessa. Mas Claudia, enfrenta logo essa situação, você não tem mais quinze anos.
Continua...
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