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06 - Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe.

Claudia andava de um lado para o outro em sua sala aflita. Acordara tão bem disposta, tão contente e agora estava toda aflita, sem saber o que fazer.

- "Quantas pessoas enfrentam seu primeiro emprego aos vinte e cinco anos?" - Se perguntou angustiada.

Bateram na porta assustando-a.

- Entre! - Disse nervosa.

- Com licença! - Cumprimentou uma morena, entrando sala adentro.

- Sim? - Perguntou Claudia confusa.

- Bom dia, sou Victória a psicóloga. - Disse estendendo-lhe a mão.

- Bom dia, sou Claudia a nova pedagoga. - Respondeu apertando a mão da outra.

- Seja bem vinda! Está nervosa? - Perguntou arqueando a sobrancelha.

Claudia cruzou os braços, percebendo que as mãos estavam geladas.

- Na verdade bem mais nervosa do que eu estava quando saí de casa. - Disse agoniada.

- Relaxa. Eu fui designada a te levar até a reunião, e te ajudar a se enturmar. Vamos! - Disse sorrindo.

- Vamos. - Pegou a bolsa e acompanhou a outra.

- Vai dar tudo certo! Fique tranquila. Quando eu te contar como foi o meu primeiro dia aqui, você vai se perguntar: 'por que era mesmo que eu estava tão nervosa?' - Disse pegando no braço da nova colega sorrindo.

Ela falava de um modo tão manso, que lembrava Marcelo, e assim como acontecia quando o primo falava, ela foi se acalmando. Será que era antiético ter uma colega de trabalho como sua terapeuta? Pois em todos aqueles anos de terapia, jamais um psicólogo conseguiu acalma-la daquele jeito.

Victória abriu a porta da sala de reuniões, e deu espaço para Claudia entrar, que parou de repente, fazendo a outra esbarrar nela.

- Tudo bem Claudia? - Perguntou preocupada.

Mas Claudia não a ouviu, tudo o queria, era sumir daquela sala. Mas Victória guiou-a até uma cadeira.

🌹🌹🌹

Michael rabiscava um papel à sua frente ainda pensando no que a filha falara pela manhã, quando a porta da sala foi aberta, levantou o olhar por pura curiosidade, mas ficou totalmente sem ação ao vê-la na porta.

Seus olhares se encontraram, e ele sentiu a força do olhar dela, sentiu-se atraído para ela como o ferro que é atraído para o imã.

Ele suspirou no momento em que ela parou estática, e totalmente pálida; ele ficou pensando na visão que ela estava tendo, o ex-colega da faculdade sem noção, e o amigo dele mais sem noção ainda. Ele olhou na direção de Artur, mas como sempre, estava tão entretido no celular, que provavelmente, nem ouvira a porta abrir.

O burburinho que se formou na sala, finalmente chamou a atenção de Artur, que levantou a cabeça bem no momento em que Victória guiava-a até uma cadeira, e para desespero de Michael ele começou a rir.

- Pare com isso agora! - Disse no ouvido do amigo, em um tom que fez o outro parar de rir imediatamente, olhando-o surpreso. - E nem uma palavra!

Artur engoliu seco, alguém pegou água para a moça, e parecia que a cor estava voltando ao seu rosto.

- "Poxa, vida! Vick tinha que coloca-la bem na minha frente?" - Pensou frustrado.

- Você está sendo injusto comigo, se tivesse atendido as minhas ligações saberia disso. - Sussurrou Artur para Michael visivelmente magoado.

- Bom dia pessoal! - Cumprimentou dona Benta entrando na sala, seguida pela Andréa a secretária.

- "Graças a Deus!" - Pensou Michael aliviado. Estava ansioso para essa reunião acabar logo, e descobrir qual era o problema com o Artur; ele nunca ficava magoado com nada.

- Já estão todos aqui? Podemos começar? - Perguntou dona Benta, tomando seu lugar.

Todos concordaram. Naquele momento ele detestou aquele negócio de mesa redonda, não dava para simplesmente virar a cadeira na direção da diretora sem ser rude, com quem estava na sua frente.

- Antes de começarmos a reunião, quero lhes apresentar a Claudia, a nova coordenadora pedagógica, como todos já estavam cientes, a nossa querida Rute aposentou, e essa jovem assumirá o seu lugar, espero que todos a ajudem nesse momento de transição...

E assim começou a reunião do ano letivo da Escola Aprender Para Viver. A reunião foi o de sempre, as mesmas reclamações e as minhas expectativas.

O fato da novata ser a coordenadora pedagógica, deixou uma ou duas pessoas frustradas; pois estavam de olho no cargo, e apesar de ser de conhecimento público esse fato, ninguém disse nada, mas o climão na sala era palpável.

Michael pensou que a situação dela não iria ser fácil, o mais provável era que ela enfrentaria alguns problemas com alguns colegas. Ainda pensando nos desafios que ela teria, ele olhou para frente, e ela estava olhando para ele.

- "Como um par de olhos tão lindos, podem ser tão tristes?" - Pensou quando seus olhares se encontraram.

- "Mas era só o que me faltava! O que me interessa, porque ela é ou deixa de ser triste?" - Pensou abaixando a cabeça.

- Já que está tudo esclarecido e resolvido; a reunião está encerrada. Os que não têm nada para resolver hoje na escola, estão dispensados; para que os que têm coisas a fazer, bom trabalho. - Disse levantando.

Michael nunca entendeu porque ela colocava as coisas daquele jeito, naquelas reuniões; ninguém iria embora agora, todos tinham coisas para fazer. O burburinho ficou alto demais para o gosto dele, então ele saiu de fininho, indo para a sala dos professores, os horários das aulas já estavam prontos, e ele olhava quais eram suas aulas no dia seguinte, quando Artur o encontrou.

- Por que você falou comigo daquele jeito? Dos anos que nos conhecemos, você nunca falou comigo naquele tom. - Reclamou com o amigo.

- Foi mal! Não queria mágoa-lo, mas você iria humilha-la com aquela história de assexuada. Você precisa aprender a respeitar as pessoas. - Esclareceu Michael.

- Eu não ia fazer nada; eu apenas ri da cara dela, porque assim como você, ela também pensou que eu iria expor a vida dela para todo mundo. - Disse sério, Michael cruzou os braços fechando a cara. - Mas vocês dois não poderiam estar mais equivocados.

- Assim eu espero. - Disse distraído. - Como assim! Eu estou equivocado! - Exclamou confuso.

- O que eu fiz ontem foi inaceitável. Eu sou inconsequente, mas não sou mais aquele idiota da faculdade.

- Com licença! - Disseram na porta bem no momento em que Michael iria perguntar o que estava acontecendo com seu melhor amigo.

Os dois viraram imediatamente para a direção da voz, Michael sentiu um calafrio, ao dar de cara com ela, Artur por sua vez apenas sorriu; ele olhou alarmado para o amigo.

- Artur, pelo amor de Deus... - Começou, e Artur ergueu as mãos.

- Relaxa Mike, qual é o seu problema? Você ouviu o que eu falei? - Perguntou ressentido.

Ela se aproximou, visivelmente constrangida.

- Me desculpa interrompe-los, mas eu gostaria de falar com você Artur.

- Artur a gente se fala depois. - Disse saindo.

- Se você não se importa, eu gostaria que você ficasse. - Pediu nervosa, Michael olhou interrogativamente para o amigo.

- Claro que você pode ficar. Está com medo de mim Claudia? Eu ainda me lembro da vez que tentei beijar você, você se lembra? - Perguntou calmo.

Extremamente constrangida, ela olhou para os lados; e Michael teve a impressão de ver seus lábios tremerem, mas quando se virou para eles, estava estranhamente tranquila.

- É exatamente sobre isso que quero falar contigo. Primeiro eu quero te agradecer por você não ter feito, nem dito nada, para me constranger; e se fosse possível eu gostaria, que as coisas permanecessem assim. - Pediu tímida.

- Você quer que eu minta? Que nossos colegas não saibam que já nos conhecemos? - Perguntou estranhamente chateado. Michael olhou-o confuso.

- Claro que não é nada disso! Só não quero que você fique falando por aí que eu sou assexuada, não quero ser obrigada a tomar medidas drásticas contra você.

- Está insinuando que vai me processar? - Perguntou sarcástico.

- Se for necessário. - Disse firme.

- Entendo! Mas por que isso agora? Você não se incomodava, com as provocações de ninguém! - Comentou surpreso.

- Esse é o meu primeiro, e eu não quero problemas com ninguém; apesar que a minha vida particular não é da conta de ninguém. Eu só quero ficar em paz, você consegui compreender isso?

- Sim. Eu consigo compreender. - Disse constrangido. - Jamais eu faria qualquer coisa que te deixasse mal, no seu ambiente de trabalho. Inclusive, eu quero te pedir desculpas por ontem a noite, por favor, eu não tinha o direito de te envergonhar daquele jeito. Se você puder me perdoar.

Michael e Claudia, olharam-o surpresos, e falaram juntos.

- Como é?

- Isso que vocês ouviram. As inúmeras vezes que eu te liguei foi para te pedir ajuda, para encontra-la. - Disse magoado.

- Perdoe-me meu amigo. - Pediu Michael envergonhado.

- Está tudo bem! Afinal de conta ela me encontrou, e eu sei que você acabaria me ajudando se fosse necessário. - Disse sorrindo. E Michael sorriu aliviado.

- Obrigada Artur, e vamos esquecer a noite de ontem. Agora eu preciso ir. - Disse saindo da sala.

Os dois ficaram olhando para a porta, e absortos em seus pensamentos, nem perceberam que a sala ficou cheia de professores. Artur pegou suas coisas sorrindo.

- Não sei quanto a você, mas eu já vou embora, antes que a dona Benta precise de um braço forte para alguma coisa. - Ele mal fechou a boca, Andréa apareceu.

- Graças a Deus rapazes, que vocês ainda estão aqui, a dona Benta está chamando vocês. - Disse ela sorrindo.

- Que boquinha essa sua Artur! - Sussurrou Michael, indo os dois ao encontro dela, Artur apenas sorriu.

Seguiram Andréa até a sala da diretora.

- Graças a Deus, que a Andréa encontrou vocês. Estou precisando de um braço forte. - Disse a diretora sorrindo.

- Sabemos disso dona Benta, é sempre assim! - Retrucou Artur, recebendo uma cotovelada de Michael. - Compreendemos dona Benta, em que podemos ajudar? - Remendou Artur, e Michael encarava a diretora sério.

🌹🌹🌹

Claudia estava terminando de arrumar sua sala, quando Victória bateu em sua porta e entrou sorridente.

- Precisa de ajuda?

- Na verdade já terminei. Eu só queria mudar esse arquivo de lugar. - Disse se referindo ao móvel que estava debaixo da janela. - Sabe de alguém aqui na escola, que poderia me ajudar?

- Será que nós conseguimos? - Perguntou solícita.

- Acho que não, é muito pesado, mesmo tirando tudo de dentro ainda é pesado.

- Pois bem querida, homem é um negócio escasso nessa escola, como você viu pela reunião, mas a gente procura os poucos que têm.

- Deixa pra lá, eu peço meu primo para me ajudar depois. - Disse, lembrando de dois, dos cinco homens que vira na reunião.

O celular de Victória vibrou, e ela o pegou.

- A dona Benta quer falar comigo e com você, ela disse que mandou mensagem pra você também.

- Oh, céus! Meu celular. - Exclamou procurando-o na bolsa.

Seguiu a outra olhando o celular, havia duas mensagens da diretora, várias da mãe, uma do Marcelo, e duas da Carla.

- Vocês ainda estão aqui? - Assustou com Victória perguntando a alguém, e parando bruscamente. E lá estava aqueles dois novamente.

- Estávamos ajudando a Betânia com os livros. - Respondeu Michael, com aquela voz que para Claudia soava como música, jamais ouvira uma voz tão melodiosa.

- Mas antes, fomos trocar as poltronas da dona Benta, para em agosto voltarmos com elas para o mesmo lugar. - Resmungou Artur.

- Como em todos os semestres. - Brincou Victória.

- Foi o que eu disse, mas ganhei uma cotovelada. Por que você não dá uma cotovelada na Vick? - Perguntou azedo.

- Não seja chato Artur! Ela só nos pede porque nunca conseguimos fugir a tempo. - Lembra Michael.

- Sei não, se um dia conseguirmos fugir dela, ela nos esperará no portão no dia seguinte, para trocarmos aquelas poltronas antes das aulas. - Resmungou Artur. - E quer saber? Eu já vou antes que mais alguém precisem de dois braços fortes. Até amanhã para vocês. - E já foi saindo.

- Poxa! Eu ia pedir para vocês ajudarem a Claudia. - Disse Victória olhando o amigo que já ia longe. - O que deu nele hoje?

- Não sei! Ele estava bem, e do nada ficou assim. - Respondeu Michael, com um pressentimento do que seria. - Mas você precisa de ajuda com o quê? - Perguntou para Claudia.

- Imagine! Deixa pra lá, além disso, estamos indo para a sala da diretora. - Disse ela tropeçando nas palavras.

- É verdade! E vamos antes que ela ponha a Andréa atrás de nós. - Disse Victória sorrindo.

- Então tá! - Disse Michael encarando Claudia, que passou por ele séria.

As duas seguiram para a sala da diretora. E ele ficou olhando-as até desaparecer do seu campo de visão.

- "Senhor tenha compaixão deste seu servo aqui, caso contrário eu acho que estarei em maus lençóis." - Pensou triste.

Continua...

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