36 - As mentiras de cada um.
Cansada, Samara saiu do plantão e se arrependeu de pedir ao Leonardo que deixasse seu carro na rua, o espaço para a garagem era menor, suspirou pensando que só queria um banho e cama, mas se recordando de que marcou de sair com as amigas.
- "Quem em sua sã consciência marcaria de sair depois de doze horas dentro de um hospital? Só mesmo eu, isso deve ser reflexo da falta de amigos" - Pensou sorrindo atravessando a rua.
Distraída assustou-se com o carro preto parando ao seu lado, engoliu seco o coração acelerado e as mãos soando, olhou para os lados, incrivelmente não havia ninguém por perto.
Nunca vira o homem que lhe sorria ao abaixar o vidro, mas sabia quem era ele, e essa constatação fez com que seu coração parasse e acelerasse ao mesmo tempo, ele saiu do carro sorridente, pensou em quais chances teria de correr até o próprio carro antes de ele alcança-la.
- Samara Snow Blanco. - Disse o homem à sua frente, a semelhança entre eles era incrível, mas entre ele e Bernardo era uma coisa impressionantemente assustadora, era como estar com o irmão alguns anos mais velho.
- Não senhor. Eu sou Samara Flores.
- Eu sei. Aquela mulher te deu o nome dela. Mas o seu nome não é esse e você sabe disso, não acredito que aquele monstro nunca te disse a verdade. - Resmungou irritado. - Sabe o que eu acho inadmissível? Pessoas que roubam crianças conseguem o direito de adotá-las.
- Roubar? Eu fui roubada? - Disse fingindo surpresa, se ele queria fingir que era um bom pai, ela queria vê até onde ele iria.
- Sim, minha filha, você foi roubada de mim, eu procurei por você como um louco, coloquei anúncios em jornais, ofereci milhões de recompensa. - Disse com os olhos cheios d'água. - E nunca consegui nenhuma informação até agora. - Concluiu sorridente.
- Até agora? Misteriosamente o senhor soube notícias minhas depois que o seu filho bastardo me encontrou? - Sentiu a dor no peito ao se referir ao irmão dessa maneira. - "Perdoe-me irmão". - Pensou tensa.
- Infelizmente as coisas não são tão simples como você pensa. Podemos conversar em algum lugar mais tranquilo?
- Se o assunto for breve, eu tenho um compromisso.
- Eu serei o mais breve possível, se é que esse assunto possa ser tratado com rapidez.
- O senhor pode me seguir até a Confeitaria Ana? - Perguntou desejando se livrar logo dele.
- Confeitaria? Não seria melhor algum local onde pudéssemos jantar?
- Se o senhor quiser, lá servem a melhor pizza da cidade, eu vou jantar com algumas amigas, mas o senhor pode ficar à vontade, além disso, os doces da Confeitaria Ana são bem-vindos a qualquer hora do dia.
- Se você está dizendo! - Disse olhando para os lados. - Você pode vir comigo no meu carro?
- Posso. Mas prefiro ir no meu. - Disse seguindo para seu carro. - "Acalme-se Samara, ele não pode e nem vai fazer nada contigo aqui no meio da rua, e nem na Confeitaria, lá você estará em segurança". - Pensou nervosa.
Sentou à mesa onde algumas vezes vira o delegado e Rafael sentados, desejou que ele estivesse por ali em algum lugar, pegou o celular e o guardou resistindo à tentação de mandar uma mensagem para ele, Albert puxou a cadeira à sua frente.
- Lugar agradável! - Disse olhando ao redor, Samara não conseguiu identificar se o comentário era verdadeiro ou irônico.
- Eu amo este lugar e não é por ele ser do meu irmão.
- Eu já disse que essa gente não é sua família, eles me tiraram você, me tiraram a única coisa que restou de sua mãe, você era minha princesinha amada, eles não tinham esse direito.
- "Imagine o que teria me acontecido se eu não fosse sua princesinha amada". - Pensou ironicamente. - O senhor insiste em dizer que fui roubada e...
- Querida! - Ele a interrompeu sorrindo. - Espere a atendente fazer o trabalho dela, ninguém deve ouvir as nossas intimidades. - Sabrina que os entregava os cardápios revirou os olhos, Samara sorriu piscando para a garota.
- Pois bem, - começou depois de Sabrina sair - o senhor disse que fui roubada e que tentou me encontrar, então o que aconteceu para que me encontrasse justamente quando o Bernardo me encontrou, porque eu sei que ele não estava me procurando.
- Eu vou te contar desde o início. - Ela chamou Sabrina. - Já sabe o que vai pedir? - Perguntou olhando o cardápio. - Sério que vocês entendem esse cardápio com esses nomes esquisitos? Tenho certeza que um desses doces aqui é um simples Romeu e Julieta.
- E o senhor está certo, mas de simples ele não tem nada, amore-rivalle, goiabada com queijo derretido com uma pitada de canela por cima.
- E isso fica bom? - Perguntou duvidando.
- Desculpe-me o atraso. - Disse Sabrina com o tablet na mão.
- Para mim o de sempre Sabrina, por favor!
- Eu vou querer o mesmo que ela, só espero que seja bom. - Respondeu ele simpático, olhando Sabrina enquanto saía.
- Estou ouvindo senhor. - Disse assustando-o. Ele endireitou-se, olhando-a com o olhar mais puro que ela já vira na vida, o estranho era que quanto mais gentil ele se monstrava mais ela tremia.
- "O senhor ensaiou bastante essa cena de bom e gentil homem inocente não foi?" - Pensou fitando seus olhos azuis tão inocentes e sofridos, que ela se Perguntou se de fato ele seria aquele monstro tão desumano que queria matar os próprios filhos.
- Eu era jovem e acompanhei meu pai a uma viagem onde ele escolheria alguns estudantes, a empresa dava bolsas de estudos e ele gostava de escolher pessoalmente os jovens, ali eu conheci sua mãe e seus amigos, eu me apaixonei imediatamente por ela, não sei se você está ou se já se apaixonou alguma vez, mas quando nos vemos apaixonados somos capazes de qualquer coisa pela pessoa amada, e foi isso que eu fiz, por amor a sua mãe pedi ao meu pai que concedesse bolsas a todos os seus amigos. - Interrompeu-se com a chegada de Sabrina.
Encarou o doce a sua frente como se fosse um monstro, era uma mistura esquisita de chocolate com morango, tocou a colher no doce.
- O que é isso? - Perguntou desconfiado. - Pelo menos é resistente.
- Lovely-beast. - Respondeu sorrindo.
- Lovely-beast? Tipo... Besta amável?
- Fera adorável. É a tradução no cardápio. Experimenta! - Desconfiado colocou uma minúscula porção na boca.
- Hum! - Exclamou pegando uma porção maior. - Muito bom! Perfeita a dosagem de doce com cítrico, quem inventou isso? - Perguntou se esbaldando no doce.
- A Bela, a dona do local.
- Só falta você me falar que o nome do doce é uma homenagem a uma fera. - Disse desdenhosamente.
- Não uma fera qualquer, a fera dela. - Respondeu orgulhosa.
Samara olhou para a porta no momento em que ele surgiu, o olhar dele parecia aflito ou seria impressão sua? Ele assentiu adentrando, imediatamente ela parou de tremer, sentindo-se segura e aliviada abaixou a cabeça, não queria que o homem à sua frente percebesse seu alívio.
- Muito bom mesmo. - Disse Albert assustando-a.
Ele limpou a taça. Intimamente ela agradeceu a Deus por ele estar tão distraído a ponto de não vê Rafael entrando, ele sentou na mesa ao lado a única vazia, ela precisava se policiar para não direcionar a atenção dele à Rafael.
- Podemos voltar à sua narrativa? - Perguntou contendo o desejo de olhar na mesa próxima.
- Sim. Foi o meu erro levar todos eles conosco, o nosso casamento aconteceu muito rápido, não havia razão para não ser, éramos jovens e estávamos apaixonados, sua mãe era órfã e tudo o que eu queria era protegê-la, jamais passou pela minha cabeça que seus próprios amigos conspirariam contra ela, tarde demais descobri que a Valentina e o William eram apaixonados por nós, obviamente que eu rejeitei a Valentina e o William era covarde demais para se declarar a ela, pelo menos foi o que pensei, terrível engano, ele era tão cafajeste que conseguiu ludibriar a sua mãe e a colocar contra mim. - Colocou a mão na boca emocionado. - Desculpe-me, mas é muito doloroso falar sobre a sua mãe, mesmo depois de tantos anos.
Samara apertou a toalha da mesa, enquanto o ouvia falar a bile subiu à sua garganta tamanho o asco que sentia por aquela pessoa, como ele podia caluniar pessoas que não poderiam mais se defender, de maneira tão vil? O pior de tudo é que se ela tivesse ouvido aquilo antes de saber o que sabia, era capaz de acreditar, envergonhada consigo mesma abaixou a cabeça.
- Não fique triste por mim, minha filha eu os perdoei. - Disse gentilmente, ela segurou-se para não dizer o que estava preso em sua garganta.
- O que mais aconteceu?
- Quando a Valentina se declarou para mim, ela me disse sobre o William e a Alícia, mas eu duvidei, não poderia acreditar que sua mãe me trairia de maneira tão miserável, mas eu estava enganado ela me traiu e ainda disse na minha cara que você não era minha filha, eu disse que poderia ir embora com ele quando quisesse mais implorei para que ela não te afastasse de mim, você era a minha vida.
Samara mergulhou nas profundezas daqueles olhos azuis procurando qualquer vestígio do homem violento e inescrupuloso que ele era, mas tudo o que ela viu fora dor e sofrimento.
- Eu sou a tua cara, como você acreditou que eu não fosse sua filha? - Perguntou contendo as emoções.
- Não naquela época, quando você era criança, seus olhos e cabelos eram iguais aos da sua mãe, apenas a cor da pele era igual a minha, mas o William também era branco, então... - Não concluiu abaixando a cabeça arrasado.
- Então ela te abandonou?
- Não. Infelizmente eles a mataram antes que ela me deixasse. - Disse com o rosto molhado pelas lágrimas. - Eu sofri tanto com a morte dela.
- Eles quem? - Perguntou trêmula, ele apertou sua mão, ela fechou os olhos para não puxa-la.
- Os amigos dela. Eles descobriram que você era a herdeira do meu pai, tramaram um plano para ficar contigo e com a fortuna da família. - Ela arqueou a sobrancelha, por essa ela não esperava. - O seu avô amava tanto a sua mãe quanto a você, e ele fez de vocês suas herdeiras, você tem mais direito à herança deixada pelos meus pais do eu. - Um lampejo de raiva surgiu no olhar dele, mas passou tão rápido que ela pensou ter imaginado coisa.
- E como eles descobriram que eu era a herdeira do seu pai?
- Perdoe-me, mas eu realmente não tenho essa resposta! Eu sinto muito.
- A Rosalina nunca me disse sobre nenhuma fortuna, não sei como ela poderia ter me escondido algo assim.
- O plano deles era te sequestrar e anos mais tarde te trazer para você reivindicar a herança.
- Isso eu entendi, o que não entendi foi por qual motivo ela nunca colocou o plano em prática.
- Talvez porque todos os amigos comparsas dela foram descobertos e mortos. - Disse friamente.
- O senhor mandou matar todos eles?
- Claro que não! Eles foram levados à justiça.
- E o que aconteceu depois da morte dela?
- Eu fiquei destruído e a Valentina se aproveitou da ocasião, fiquei muito frágil e sofrendo terrivelmente, sem me dar conta do que fazia, acabei me deixando levar por seu charme e beleza, quando me dei conta estava casado com ela. Quando houve o atentado e quase morri, eu pensei que ia enlouquecer quando acordei daquele coma e você havia desaparecido.
Ele colocou à sua frente uma pasta, curiosa ela a abriu, além do recorte que Rosalina tinha guardado havia vários outros, muitos deles teriam facilitado a busca por seu pai, ela não sabia se ficava feliz ou triste por não ter tido acesso àqueles recortes.
- Eu te procurei, minha filha, por muito tempo eu não fiz outra coisa senão te procurar. - Concluiu emocionado.
- E quanto ao Bernardo? Como o senhor justifica tudo pelo qual ele passou?
- Não sei o que o Bernardo te falou, mas eu fui tão enganado quanto ele. Meu pai confiava cegamente no William, então ele passou a trabalhar como chefe de segurança. O Abelardo foi escolhido para integrar o corpo de segurança da casa pelo William, quando eu soube o que ele havia feito com o garoto fiquei arrasado! - Disse desconsolado.
- Como assim, o que ele fez com o garoto?
- Eu não sei quando o Bernardo começou a usar drogas, mas certo dia eu fui à casa de meus sogros para ver como ele estava, e encontrei a cena mais bizarra que já vi na vida, ele agredindo minha sogra e dizendo que éramos amantes, fiquei desolado ao vê meu filho naquele estado, então pedi ao Abelardo para procurar uma clínica para interna-lo.
- Quem é Abelardo mesmo? - Perguntou intensamente.
- Este que vocês conhecem por Evil.
- Ah! - Exclamou contida. - E o que aconteceu?
- Eu não sei o que ele fez com seu irmão, mas o perdemos totalmente.
- O senhor poderia me explicar como que a sua sogra é mãe do seu filho se vocês não são amantes?
- Minha sogra não é a mãe do meu filho. A minha esposa, sua madrasta é a mãe dele. Entendo que é difícil de entender.
- Difícil? Eu diria impossível. Mas tenta me explicar, quem sabe eu não compreendo!
- A Valentina percebeu que eu nunca a amaria como amei sua mãe, então ela perdeu totalmente a razão e começou a usar remédio controlado, ela tem a saúde muito frágil; um certo dia ela me disse que queria passar um tempo com a mãe que nossa casa estava demais para ela, se sentia sufocada e precisava de um tempo, eu concordei, e por meses eu não a vi. Quando ela voltou eu soube que minha sogra havia tido um bebê e somente anos mais tarde eu soube que este bebê era meu e de minha esposa.
- E ainda assim o senhor o deixou nas mãos de pessoas que só lhe fez mal?
- Eu acreditava que ele estivesse em uma clínica de reabilitação.
- E como o senhor o descobriu agora?
- Quando ele deu entrada no hospital chamaram os pais e obviamente eles me avisaram, afinal ser pais de um herdeiro só é agradável enquanto ele não está dando trabalho. - Disse com desdém.
- E só hoje o senhor resolveu vir encontrá-lo? E por acaso já foi visita-lo?
- Ainda não. Eu soube que ele está hospedado na mesma casa que você, por isso quis conversar contigo primeiro para depois procurá-lo. Você pode ser a ponte entre nós dóis.
- Se ele quiser falar com o senhor, não haverá ninguém para impedi-lo, no entanto não conte com a minha ajuda, não tenho influência nenhuma sobre ele. - Disse decidida.
- Ele vai falar comigo. - Disse com meio sorriso. - E eu o conheço, e acredite quando digo que você tem bastante influência sobre ele.
Por algum motivo desconhecido, ela arrepiou-se e um medo irracional dominou seu ser, passou as mãos pelos braços pedindo a Deus proteção para o seu irmão juntamente com todos seus amigos.
- Se o senhor tem tanta certeza. - Disse levantando-se.
- Eu posso te acompanhar até em casa?
- Não senhor, como eu disse vou jantar com algumas amigas, por isso estou saindo agora. - Respondeu chamando Sabrina.
- Eu pago. Eles embalam para viagem? - Perguntou simpático.
- Sim. A gente se vê. Eu realmente preciso ir. - Disse saindo.
- Minha filha. - Parou sentindo um frio na espinha, lentamente virou-se para ele com um largo sorriso no rosto. - Obrigado por me ouvir, imagino que tudo isso deva ser muito difícil para você, mas eu sei que nós resolveremos tudo e seremos a família feliz que teríamos sido se não tivessem te roubado de mim.
Ela fechou as mãos enfiando as unhas na palma, respirou profundamente, olhando Rafael de canto, o olhar dele estava em Albert.
- Obrigada por se dar ao trabalho de me contar a verdade. - Disse e saiu pisando duro, controlando-se para não voltar o olhar para Rafael.
Entrou no carro batendo a porta, ligou para o Eric enquanto saía.
- "Espero que o Rafael o siga" - Pensou.
- Fala Snow.
Um sentimento estranho se apoderou dela, como era possível a mesma palavra trazer sentimentos tão controversos? Se recordava de quando Felipe a apelidou de Branca de Neve e Eric passou a chama-la de Snow, ele sempre vai mais interessado nos estudos que os outros e naquela época já era fera no inglês.
- Samara! - Chamou Eric preocupado.
- Desculpa. Você está em casa?
- Ainda não. Vou ficar mais um pouco no hospital...
- Está bem. Tchau. - Interrompeu desligando.
Leonardo atendeu no segundo toque.
- Está em casa?
- Boa noite para você também.
- Léo é sério! Você está em casa?
- Sim estou. - Respondeu atento. - O que aconteceu?
- Léo tenta tirar o celular do meu irmão, por favor! E fica de olho nele, se você não conseguir pegar o celular, por nada você o deixa sair de casa, se for o caso chame o delegado Abraão e o obrigue a ficar aí, você me entendeu! - Exigiu nervosa.
- Snow o que está acontecendo? - Perguntou preocupado.
- Daqui a pouco eu chego aí e explico tudo.
Isabella. Natália. Sofia. Micaela e Açucena já esperavam por ela. Correu até a mesa contrariada por estragar a noite delas, desde que conhecera Açucena era a primeira vez que ela estava tão descontraída.
- Oi! - Disseram juntas.
- Eu sinto muito, mas não vou poder jantar com vocês, preciso ir para casa, acabei de falar com o Albert e eu tenho a sensação de que ele vai tentar alguma coisa contra o Bernardo. - Como se tivessem combinado todas se levantaram.
- Então vamos contigo. - Disse Isabella.
- Não faço ideia do que você está falando, mas estou com vocês. - Disse Açucena solidária.
E saíram todas correndo do restaurante.
Continua...
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