2. Um favor a retribuir
Oh, your secret's safe with me (...)
Don't worry, 'cause I'm keepin' my mouth closed.
🎶Joshua Bassett, Secret.
AO CONTRÁRIO DO que fazia diariamente antes de mamãe vir me importunar, passei a manhã seguinte trancada em meu quarto como um gatinho rabugento e incomodado. Abri as janelas, as portas duplas e a cortina da varanda, tentando fazer o sol entrar, assim como o vento, para arejar o ambiente abafado e, repentinamente, pequeno demais para meus pensamentos em puro frenesi. Não detectei nenhum sinal de movimentação pela casa, ela parecia tão silenciosa e vazia quanto antes. A diferença era que, dessa vez, o silêncio e a falta de informação pareciam me sufocar gradualmente. Não era um silêncio bem-vindo.
Não parecia comigo mesma. Essa antecipação em meu peito me deixava assustada. Eu não ligava para quem Katherine e meu padrasto desejava receber em sua casa. Em poucos meses, muitas pessoas vieram e, de muitas, eu nem sequer lembro das suas feições mais marcantes, como uma risada estranha ou algum vício de linguagem. Mas dessa vez era diferente. Além de ser a primeira vez que tínhamos um convidado que iria passar mais de um dia, havia algo em relação àquele homem que eu não conseguia compreender. Algo que me deixava intrigada. Talvez possa ter sido a forma indiferente como recepcionou os cumprimentos calorosos do Duarte e nenhuma palavra sua fora dita enquanto eu ainda estava lá, ou a forma como seu olhar me deixou desconectada do mundo ao meu redor e apenas presa em uma espécie de campo magnético.
Não sei. Não importava. Ele fazia parte do círculo seleto de amizades do meu padrasto, só por este detalhe devia ser igual a todos os outros: arrogante, esnobe, superficial e a lista segue.
Olhando para os malditos portões dourados em mais uma manhã estressante, mas decidida a sair dali e não me reprimir dentro de uma casa que diziam ser minha também, eu amassei o bilhete que recebi ontem à noite e ainda o tinha em mãos enquanto pensava, relembrava cada minucioso detalhe, e marchei até a saída do cômodo, pisando fundo. Olhei para os dois lados do corredor e fiz meu caminho até a cozinha sem grandes surpresas ou encontros desagradáveis.
Encontrei Olivia organizando o meu café da manhã e alguns outros empregados. Tirando ela e outro garoto cujo nome eu não sabia, todos os outros funcionários possuíam idades mais avançadas.
Quando notaram minha presença, eles me desejaram um "bom dia" educado e quase uníssono que eu retribuí com um sorriso gentil no rosto. Gostaria de poder passar mais tempo com eles, saber suas histórias e poder me referir a todos pelo nome, mas sequer imagino o quanto eles devem ser atarefados com uma casa enorme para cuidar. E Katherine era responsável por fazer a vista grossa em tudo, então não devia ser fácil agradá-la.
Olivia se assustou ao me ver. Não havia reparado na minha presença até então.
— Senhorita Smith?! — Exclamou formalmente, após controlar qualquer tipo de precipitação, pois não éramos as únicas no cômodo. Se aproximando, acrescentou com um sussurro: — O que faz aqui?
Dei de ombros e passei reto por ela.
— Estou com fome.
Peguei um morango posto em um pequeno pote, sobre a bandeja de prata do meu café da manhã, e dei uma mordida na fruta. Eu amava morangos. Além de serem gostosos, eram vermelhos. Vermelho era a minha cor favorita.
— Eu ia levar para seu quarto... — demorou um pouco, mas ela acrescentou: — senhorita.
Encostei o quadril de maneira casual numa das cadeiras dispostas na mesa, mais interessada em meu morango.
— Estava cansada de ficar sozinha no quarto, olhando para janela.
— Não foi tomar banho de sol hoje? — ela se aproximou, olhou para os lados, analisando os empregados que fingiam não prestar o mínimo de atenção na conversa, e disse: — Eles saíram. Foram à cidade logo quando o sol apareceu no horizonte.
Olhei-a, agora mais interessada na conversa.
— Todos eles?
— Exceto os gêmeos, mas acredito que eles não vão incomodá-la — Olivia pegou um pano na bancada e limpou uma sujeira inexistente em cima da mesa. Tirando os poucos minutos em que ela se permitia sentar ao meu lado diariamente, pela manhã, e esperar enquanto termino minhas refeições, Olivia não gostava de ficar parada. Passava o dia calada e imersa em seus afazeres, atuava quase como uma máquina. Ela era muito grata pelo emprego que tinha, sua vida antes disso não fora nada fácil.
Um sorriso lento foi surgindo no meu rosto.
— Por que não me avisou antes?
Quando a olhei novamente, ela já estava dobrando o pano com cuidado e o pendurando em um suporte na parede.
— Infelizmente não pude, senhorita. A senhora Smith deixou ordens bem claras para todos os funcionários.
— Acha que eles vão demorar? — Questionei, já pensando em correr para o quarto e pegar minha toalha quadriculada branca e vermelha.
— É possível que sim, senhorita. O senhor Lee mencionou no início da manhã que iria mostrar algumas terras e a cidade para o senhor Kim, além de que a senhora Smith mencionou que precisava comprar um tecido específico para mandar fazer uma nova cortina para seu quarto.
Notei quando uma das empregadas, uma mulher de idade mediana que se encontrava na pia lavando os pratos, lançou um olhar repreendedor para Olivia. É claro que essa atitude seria vista da pior forma, como fofoca. Mas, felizmente, minha amiga não se mostrou constrangida o suficiente para parar. A única coisa que detestava era o modo formal como ela estava passando a informação, mas não podia fazer nada em relação à isso também, além de que ainda era possível compreender a informação plenamente.
E o que não devia, mas atraiu a minha atenção ainda mais foi um nome específico.
Senhor Kim.
— Então este é o seu nome... — deixei escapar em um sussurro. Agora, além de um belo rosto, o estranho possuía pelo menos um sobrenome atrelado a sua figura. Estranhamente, não sabia como devia me sentir em relação à isso, pois, sentia que a saída para aquele sentimento inominável que ele deixou depositado em meu peito desde que nos conhecemos era saber o menos possível. Uma hora ele terá de ir embora, certo? Achava mais sensato apenas ignorar sua presença nesta casa até tudo acabar.
Para a minha infelicidade, Olivia ouviu o que eu disse.
— Você não sabia? — Indagou, confusa, também falando baixo. — Pensei que tivesse aceitado o convite de sua mãe ontem.
Balancei a cabeça apenas uma vez.
— Eu ia, me arrumei e cheguei a cogitar entrar naquele salão. Eu só... — suspirei, recordando das risadas e da conversa alta e despreocupada demais - não fui capaz.
Olivia aquiesceu, em compreensão.
— Mas já passou. Não importa mais — tranquilizei-a, sorrindo fraco.
— Bom, de qualquer forma, não imagino como possa ter sido interessante passar uma tarde com eles — ela fez pouco caso do evento, olhando para as unhas cortadas e limpas. — O senhor Kim, apesar de bonito, é um homem muito quieto e sério. Pouco falou à mesa no café da manhã de hoje. Se o senhor Lee não fosse um homem tão carismático, aposto que o clima ia ficar estranho.
— Me pergunto por quê — comentei, reflexiva. Mas afasto aquele pensamento da mente tão rápido quanto, sacudindo a cabeça. - Não importa, tenho que ir enquanto eles não voltaram ainda. Pode deixar que eu levo meu café da manhã — dispensei aquela bandeja enorme e pus dentro de uma pequena cesta que acho por ali apenas os morangos e mais algumas coisas.
— Só isso? — Olivia me seguiu até a saída da cozinha, acelerando o passo. — Você anda comendo menos do que a dieta que a senhora Katherine nos orientou. Sequer jantou ontem à noite! Pelo menos leve o iogurte também. É de morango! — ela sorriu, tentando me empolgar com a informação, e pôs a embalagem fechada na cesta sem eu ter a oportunidade de recusar.
Suspirei e acabei aceitando mais uma vez. Eu sempre acabava cedendo. Mas dessa vez não queria perder tempo argumentando e segui em direção ao meu quarto, ouvindo apenas o aviso da Olivia antes, dizendo:
— Apenas entre antes de sua mãe chegar ou eu terei problemas.
»🎙️«
Eles supõem que não estou vendo, mas era impossível não ouvir as risadas histéricas e o barulho das folhas farfalhando de um arbusto específico, bem atrás de mim. Não sabia qual a brincadeira dessa vez, no entanto, esperava que eles sequer pensassem em me tratar como um alvo admissível. Olhei para trás pela primeira vez nos últimos dez minutos e os encontrei parados lá, sem se darem o trabalho de esconderem toda a extensão de seus corpos pequenos, já que conseguia ver os pés pequenos e descalços na grama verde. Isto só podia ser brincadeira.
Então suspirei e perguntei:
— O que vocês querem?
O pobre arbusto chacoalhou mais uma vez e eu escutei a voz do gêmeo mais velho por poucos minutos, Lee Young Soo, falar:
— Tá vendo! Eu disse que ela podia nos ver, sua bobona! — ele estava falando com a irmã caçula, Youra.
— É claro que não está, Soo. Como poderia? Eu fiz exatamente como a Kyoung Ah nos ensinou! — rebateu, choramingando. Kyoung Ah era a professora particular dos dois e contadora oficial de histórias, segundo Duarte. Ela vinha apenas duas tardes na semana, já que os meninos também frequentavam uma escola local bem conceituada.
— E v-você acredita naquela história que ela nos contou sobre mágica? É claro que não podemos simplesmente desaparecer usando uma capa. No nosso caso, um lençol.
Acompanhava a discussão dos dois com certa curiosidade. Pobre Youra, acreditou em mais uma das histórias daquela velha lunática.
— Então por que decidiu me acompanhar? Se não acreditou nem um pouco na história, devia ter ficado no seu quarto.
Conseguia visualizar nitidamente em minha mente o momento em que ela devia estar mostrando a língua para ele, pois foi exatamente o que fez após me conhecer. Fora as outras travessuras nos dias seguintes à minha chegada nesta casa. Apesar disso, como estava com o humor melhor do que há alguns minutos, me sentia inclinada a deixar a menina acreditar na ideia de que estava, de fato, invisível. Por isso tornei a olhar para frente e, diante da visão de uma grande e antiga árvore, eu olhei bem para cima — mesmo com a luz solar dificultando a minha permanência nessa posição — e desatei a falar:
— Não vão me responder, passarinhos? Perguntei o que querem. Eu trouxe morangos e iogurte para vocês - levantei um dos potes com os morangos acima da cabeça, como se estivesse realmente oferecendo-lhes comida.
Contraí os lábios quando escutei Youra sussurrar alto, orgulhosa:
— Está vendo? Kyung Ah estava certa, realmente funciona se você acreditar e disser as palavras mágicas!
— Ainda acho isso uma baboseira. Vou voltar para o meu quarto.
Young Soo foi embora pisando fundo, sem sequer tentar ser silencioso, e eu evitei o observar enquanto se afastava, mantendo os olhos fixados no céu. Abaixei os braços pouco tempo depois, quando estes começaram a doer, e voltei a comer. Não escutei mais nenhum barulho vindo do arbusto e me perguntei se Youra teve a decência de respeitar minha inteligência e ir embora em silêncio total. Mas quando eu virei o tronco para ver se acho seus pezinhos ali, me surpreendi ao encontrá-la parada bem atrás de mim, a poucos centímetros de distância.
— Eu sabia que você tinha nos ouvido — disse, e se acomodou ao meu lado sem ser convidada. Eu fiquei olhando para seu corpo minúsculo, hoje usando o vestido vermelho de alças finas e sem estampa e os cabelos escuros presos em um rabo de cavalo.
— E por que fingiu que acredita nessa história de capa da invisibilidade?
Youra pegou um dos meus morangos e comeu por inteiro antes de responder:
— Porque isso deixa o Young Soo estressado e perturbado. Ele agora só quer agir como um adulto por causa da disciplina do seu novo mentor de taekwondo, mas coisas assim o fazem agir como uma criança boba de novo.
Encarei-a, incrédula. Como podia ser tão geniosa?
Ela percebeu pelo canto do olho e apenas deu de ombros, pegando outro morango.
— Ele quebrou a caixinha de música que era da mamãe. Não posso simplesmente perdoá-lo por isso. Ele bem que mereceu.
— Tem certeza de que não tem conserto?
— Acho que não — ela repuxou os lábios para o lado, decepcionada. — Eu tentei consertar com cola, mas não funcionou e eu ainda machuquei o dedo, ó — ela mostrou uma pequena mancha de queimadura na pele do indicador.
— Eu posso tentar ajudar, se quiser — ofereci, num impulso. Eu não queria realmente ajudar, pois, aquelas crianças me odiavam e o sentimento era mútuo. Mas a proposta escapou pelos meus lábios antes que eu pudesse raciocinar com quem estou falando. Era a caixinha de música da mãe deles. A primeira esposa do Duarte, que havia morrido durante o parto das crianças. Não podia deixar de tentar ajudar a garotinha a guardar o único objeto que a lembrava da mãe.
Youra me esquadrinhou com o olhar dos pés a cabeça, depois disparou:
— E o que você entende disso? — Consegui sentir o descaso em sua voz embolada.
— Eu certamente tenho mais experiência do que você. Começando pelo fato de ser mais velha — rebati, erguendo as sobrancelhas e não acatando aquela ofensa. — Mas se você acha que consegue consertar sozinha, então vá em frente.
Notei que suas bochechas estavam rosadas, não sei se a culpa era do sol ou do seu leve constrangimento. Mas não tive a chance de chegar a uma conclusão, pois escutei o barulho de motor de carro muito próximo dos meus ouvidos.
Mamãe.
Inclinei meu corpo para frente e, mesmo estando na lateral da mansão, consegui ver eles se aproximando pelo caminho em linha reta que levava a porta da frente.
— Merda! — Levantei do chão e comecei a recolher as coisas apressadamente.
— Ya! Kyung Ah me disse que é feio xingar! — Youra reclamou, indignada.
— E ela está certa. Não siga meu exemplo, ok? Agora se levanta também que eu preciso da toalha — toquei de leve no seu ombro e a encarei, um pouco ofegante devido à adrenalina agitando meu corpo.
Ela cerrou os olhos de gato, mas fez o que pedi. Estava terminando de enrolar a toalha quando escutei a voz animada do Dong Yul:
— Venha por aqui, Kim, quero lhe mostrar o resto do nosso jardim.
Arregalei os olhos e corri até a porta dos fundos, deixando a pequena Youra parada ali, sem reação. Porém, quando cheguei lá, encontrei a porta de acesso dos empregados trancada. Encostei o corpo na parede, num espaço minúsculo proporcionado pelos dois degraus que precisamos subir para chegar à porta e fiz dali meu esconderijo. Me sentia patética por estar fazendo esse drama como se estivesse acabado de roubar um banco, mas a Olivia me pediu e eu entendia que ela podia ficar em más lençóis caso mamãe soubesse. Apesar dos sorrisos largos adornando seu rosto jovem, ela não costumava dar outras chances a quem contrariasse suas ordens.
As vozes de Duarte e de Katherine se tornaram mais altas e próximas. Eu prendi a respiração. Se me acharem, é claro que ela vai querer saber quem me informou sobre sua ida à cidade (já que eu não dei sinais de que sairia do quarto naquela manhã) e a culpa irá cair sobre a pobre Olivia.
Droga. Droga. Droga!
Eles se aproximavam mais, sentia a conversa incomodando meus ouvidos de tão perto. Fechei os olhos com força, certa de que seria descoberta. Contudo, para a minha surpresa, eu escutei uma voz diferente das tão familiares.
— Acho que já vi o suficiente, meu amigo. Podemos entrar?
Abri os olhos de repente, tão rápido que a claridade chegou a me deixar tonta.
Era o senhor Kim. Só podia ser ele.
Sua voz era rouca e profunda. Para a minha infelicidade, era o tipo de particularidade que agregava mais personalidade à sua figura. Um rosto sério e nem um pouco amigável, roupas elegantes, o sobrenome e agora... a voz marcante.
Perguntei-me o que podia ter o deixado tão entediado a ponto de querer voltar tão rápido para dentro da residência. Talvez já ter passado parte da manhã na cidade ouvindo as mesmas conversas fúteis tenham o deixado irritadiço. De qualquer forma, salvou minha pele e a da Olivia, pois, quando eu considerei ser seguro inclinar o corpo e observar o caminho por onde eles seguiram, já não encontrei mais ninguém. Até mesmo Youra, quando eu a vi colaborar com minha farsa e se esconder atrás da grande árvore, perto de onde estávamos.
»🎙️«
Eu sabia que ela me deixaria ajudar. Por isso, depois do jantar, não me surpreendi quando escutei uma batida fraca na porta e, quando a abri, depositada no chão, lá estava a caixinha quebrada e Youra estava escondida atrás de um móvel antigo disposto no corredor como se eu não pudesse vê-la.
Agora eu estava sentada na minha mesa de estudos, com o abajur aceso e uma chave de fenda na mão caso fosse útil. Youra mencionou que o problema envolvia cola, e logo descobri ser para colar a bailarina quebrada ao meio. Uma tarefa fácil, mas ela não deve ter usado a cola certa ou não deve ter esperado o tempo certo para surtir efeito. Além disso, os parafusos do fundo, que guardavam suas engrenagens, estavam frouxos. Ajeitei isso antes de ir pegar a cola na área de serviço, onde tinha uma caixa com várias opções e, definitivamente, uma deveria ser a certa.
Ao me dar por satisfeita com o resultado, saí do quarto com uma lanterna antiga que mantenho guardada. Poderia facilmente acender as luzes dos cômodos; algumas, inclusive, já estavam acesas. Porém, não queria fazer maiores barulhos, e andar com algo que ilumine o trajeto já era suficiente. Atravessei a casa e cheguei no meu destino sem dificuldades. Achei a caixa de ferramentas em um dos armários postos na parede e retirei dois tipos de cola dali, por precaução. Deixei tudo em ordem antes de fazer o caminho de volta. Minutos depois, estava virando a esquina do corredor onde ficava meu quarto, distraída, quando simplesmente paralisei e desliguei minha lanterna, impulsivamente, antes de causar um transtorno maior. No final do corredor, parado de costas para mim e observando a noite de lua cheia pela ampla janela, eu o encontrei novamente.
Engoli em seco. Não sabia como reagir, presa entre as opções mais viáveis que conseguia pensar naquele momento: me esconder em outro lugar e esperar até ele achar seu caminho de volta para o seu quarto, ou andar na ponta dos pés até o meu quarto e me trancar ali antes que ele note minha presença.
Eu só não queria vê-lo novamente. Quero dizer, olhar naqueles olhos escuros e misteriosos novamente.
Dei um passo à frente, com o ar preso em minha garganta, e assim fiz minha escolha. Será a segunda opção. Tentei não deixar meus pensamentos irem muito longe, mas não consegui evitar me questionar o que ele estava fazendo ali, olhando para a janela aberta, que soprava um vento fresco comparado ao clima ardente pela manhã.
Pisquei os olhos um par de vezes e permaneci firme no meu foco: a porta de madeira escura. Estava tão perto, porém, quando desviei o olhar para ele uma última vez, antes de girar a maçaneta, acompanhei o exato momento em que ele virou o corpo lentamente e fixou toda atenção em mim.
Mais uma vez, não sabia o que fazer. Encontrei-me presa ali, atraída por seu olhar sério e o que ele escondia por trás, incapaz de organizar meu lado racional. Tudo que sabia era que a imagem era perfeita. Ele, trajando roupas escuras, seu rosto inexpressivo completamente exposto pelo ângulo e apenas reafirmando o que já tinha certeza: senhor Kim era um homem de beleza singular. Embora esteja rodeado por um ar melancólico e misterioso.
Quase me senti constrangida por estar usando uma camisola de tecido fino, estar com os dedos sujos das colas que experimentei para ver a textura e os cabelos presos em um coque desgrenhado.
Para a minha surpresa, ele entreabriu sutilmente os lábios cheios e preencheu o silêncio com sua voz profunda:
— Então você não é uma das empregadas assustadas.
Apertei a maçaneta da porta como uma forma de aliviar a tensão em meu corpo, uma reação física necessária para acordar desse estado de transe. Pisquei os olhos e desviei o olhar dos seus antes que perdesse o controle do meu corpo novamente. Encarando a porta, afastei a expressão de gatinho assustado e perguntei:
— Surpreso?
— Intrigado — me corrigiu. E antes que eu pudesse perguntar o porquê, ele acrescentou: — Se eu soubesse de sua condição, não teria me privado de conhecer os jardins da sua casa.
Segurei a língua para não dizer que aquela "não era a minha casa". Isso só geraria mais perguntas e eu me lembrava bem de ter me comprometido a saber o mínimo sobre ele. Com sorte, em uma semana estarei livre dessa perturbação indecifrável.
Entretanto, a revelação fez com que eu voltasse a encará-lo. Sua presença intensa quase me retirou as palavras novamente.
— O senhor me viu? — Perguntei, a voz firme.
Ele assentiu.
Eu pigarreei, me sentindo desafiada a sustentar o olhar.
— Desculpa se atrapalhei o seu passeio. Felizmente o nosso jardim não deixará de existir só porque não teve a oportunidade hoje.
Apesar da ironia, suas feições não se alteraram.
— E quanto a companhia? — Rebateu.
— Tenho certeza de que Dong Yul estará disponível para acompanhá-lo quando solicitar.
— Receio que não — ele apertou as mãos entrelaçadas e só então notei que usava luvas. Como ele suporta o calor do verão desse jeito? — Ele tem outros planos para amanhã. Planos que eu adoraria ter a chance de escapar.
— Basta dizer que não quer — dei de ombros.
— Não é tão simples. Mas, adivinhe, acabo de conquistar a fuga perfeita.
— Como? — Inclinei a cabeça para o lado, levemente curiosa. Ele não estaria me dizendo isso caso não tivesse implicações em relação a mim.
— Você.
Meu corpo entrou em estado de alerta, e o que antes era apenas curiosidade se tornou confusão.
— Você pode, gentilmente, me convidar para conhecer a propriedade pela manhã — ele explicou.
— E por que eu deveria te ajudar? — Rebati, franzindo as sobrancelhas.
— Não é ajuda. Você estará apenas retribuindo um favor. Um favor importante, pelo que pude constar.
— Isso, por acaso, é uma ameaça?
Brevemente, ele olhou para as próprias mãos entrelaçadas e depois tornou a me encarar, lançando-me um olhar por debaixo dos cílios finos, como se estivesse lidando com uma oponente em potencial.
— É claro que não. É um pedido de retribuição. Apenas um favor a retribuir — foi a sua resposta. A voz profunda, por si só, enfatizava o peso daquelas palavras em meu coração.
Respirei fundo e girei a maçaneta da porta, prestes a pôr um fim naquela conversa.
— Tudo bem — soprei as palavras para fora, por cima do ombro, incerta do rumo que elas me levariam. — Esteja de pé logo cedo, pela manhã, ou não terei mais uma dívida em relação ao que aconteceu hoje.
— Vou adorar saber porque uma integrante da família do Dong Yul se esconde pelos becos da casa — ele sibilou, sabendo que eu ainda conseguia lhe ouvir daquela distância, mesmo com a porta quase fechada.
Estalei a língua e fechei a porta sem me dar o trabalho de responder diretamente àquela provocação. Mas encostada na madeira fria, ainda que não pudesse ser ouvida, não pude deixar que ele tivesse a última palavra quando resmunguei:
— Vai sonhando.
»🎙️«
*Tradução:
"Oh, seu segredo está a salvo comigo (...)
Não se preocupe, porque estou mantendo minha boca fechada."
O capítulo tá gigante hahaha. Espero que tenham gostado! Não se esqueçam de votar e comentar, por favorzinho »🥰«
Beijos da Blue e até o próximo capítulo »💙«
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