Capítulo - 04
Durante toda a minha vida eu ouvi dizer que não se pode qualificar uma pessoa ou determinar o valor que ela tem por sua situação financeira ou a cor da sua pele, pois caráter não ver cor e muito menos saldo bancário, mas infelizmente não é assim que funciona na cabeça das pessoas, ainda mais no mundo preconceituoso e racista que vivemos hoje dia.
Por outro lado, eu fui ensinada também a não agir apenas como uma vítima, aceitando tudo que falam e fazem a minha volta, só que isso é muito difícil quando desde a infância palavras como "negrinha" e "pobretona" eram usados como forma pejorativa, apenas na intenção de me ofender e me humilhar.
E, se não bastasse isso, ainda faziam questão de me ridicularizar pelo fato de que eu nunca soube quem era o meu pai, o que me deixava com muita raiva. Não por não ter uma figura paterna, até porque minha mãe sempre supriu o papel de pai e mãe na minha vida, dando-me todo o cuidado, carinho e amor que eu precisava, mas pelo o que eu era obrigada a ouvir do que diziam sobre ela, quando a ofendiam dizendo que mulheres da cor da minha mãe, só serviam para procriar, colocando mais "criados" no mundo, lavar e cozinhar.
Quantas vezes eu cheguei chorando em casa, sendo amparada pelos braços carinhosos da minha mãe, onde ela me dizia que não devemos nos deixar levar pela maldade das pessoas, mesmo que fossem crianças ou adolescentes, até porque eles só repetem e agem da forma que foram criadas, afinal, só podemos dar o que temos a oferecer de acordo com aquilo que recebemos, mas nem por isso eu devia me deixar influenciar com isso. Que eu não deveria deixar o meu coração ser manchado por pessoas tóxicas que viviam a minha volta, pois não só de pessoas ruins o mundo é composto, tendo também pessoas maravilhosas que nos aceitam e nos amam como somos e com o que temos.
Por um tempo eu passei a acreditar realmente nisso e não me importar tanto com a opinião dessas pessoas que usam a própria amargura para descontar suas frustrações nos outros. Que tentam esconder a própria feiura interior, maltratando e humilhando aqueles que julgam serem inferiores, no entanto, mais uma vez, aquela minha autoconfiança, infelizmente não durou por muito tempo, custando também no processo, o meu coração que foi quebrado em vários pedacinhos.
New York – Outubro/2008
– Eu já falei que você não tem nada o que fazer aqui! – Acordo ouvindo a voz da minha mãe e parece que ela está um pouco brava, por isso me levanto da cama e me aproxima da porta do quarto, que fica pertinho da sala. – Você vem na minha casa depois de todos esses anos, exige que eu vá embora e ainda quer entrar? Não mesmo! Agora vá embora! – Ela tenta fechar a porta, mas uma mão a impede de fazer isso.
– Vai ser melhor para todo mundo, Amélia! Não posso correr o risco de me envolver em um escândalo, e eu tenho certeza que você também não quer isso para a menina. – Ouço apenas a voz do homem, que também está bravo, mas não consigo vê-lo, porque minha mãe não abre a porta direito.
– Não fale na minha filha como se você se importasse e não precisa se preocupar, pois se em 12 anos eu nunca falei nada para desmascarar as suas mentiras, não seria agora que eu faria isso, mas não pense que fiz isso por você, pois se não contei nada, foi justamente para proteger a minha filha. Agora some daqui! Porque não quero um canalha, mentiroso e ordinário como você perto dela. – Arregalo os olhos, pois minha mãe não costuma falar essas palavras.
– Mamãe! – Ela se assusta e me olha fechando ainda mais a porta, quando tento ver quem está do outro lado.
– Volte para o quarto, Filha, está tarde e amanhã você tem aula. – Ainda fico curiosa tentando saber quem está na nossa casa tão tarde da noite, mas minha mãe novamente me faz olhar para ela. – Júlia volte para o quarto que a mamãe já está indo, tudo bem? – Balanço a cabeça e faço o que ela pede, mas ainda ouço o que ela diz ao homem na porta. – Na próxima semana não estaremos mais aqui, então não precisa se preocupar, que a sua família perfeita possa descobrir o quanto você não vale nada, mas agora suma e não volte mais. – Ouço o barulho da porta sendo fechada com força, e eu corro para minha cama.
Demora alguns minutos até que a minha mãe entre no quarto, mas ela apenas pega as suas roupas e a toalha e vai para o banheiro, que fica no corredor. Não entendo o porquê da minha mãe não me contar as coisas, nem mesmo quando eu perguntava do meu pai e a noite, ela ficava chorando baixinho, achando que eu estivesse dormindo. Já tenho 12 anos e sou uma mocinha, por isso eu parei de perguntar por ele, pois sei que ela ficava triste quando eu fazia isso.
É claro que eu queria ser uma criança normal, que tivesse a minha mãe, o meu pai e a pele da mesma cor dos meus colegas, pois assim eu poderia ter mais amigos e não ser tão sozinha na hora do recreio. Só que eu achei melhor deixar de ter amigos, pois sempre que eles faziam alguma coisa na Escola, que os professores não gostassem, eu que levava bronca e muitas vezes, era levada para a Diretoria, porque os meus colegas colocavam a culpa em mim e ninguém acreditava que eu não havia feito nada.
Uma vez, até suspensão eu levei, porque uma colega escreveu no quadro, palavras ruins sobre uma professora – que era bem chata mesmo, isso eu tenho que concordar –, mas quando ela entrou na sala e viu aquilo, ficou muito brava, e eu que levei a culpa, pois a minha colega colocou o giz na minha mão bem na hora que a Professora entrava, saindo correndo para sentar à sua mesa.
Nem a Professora ou a Diretora acreditaram em mim, mas a minha mãe acreditou, pois eu sempre tentei ser uma boa menina e não dar trabalho, porque eu vejo o quanto ela trabalha até tarde para não deixar me faltar nada, então não seria justo que eu fizesse algo para deixá-la chateada comigo. E, quando eu disse que queria ter a minha pele branca, eu vi que minha mãe ficou triste, mas me explicou que não havia nada de errado com a cor da minha pele, que é igual à dela. Que eu era uma menina linda, com minha pele negra e meus olhos verdes, diferente dos olhos da minha mãe que são castanhos escuros.
– Filha, você ainda está acordada? – Olho para minha mãe, que sorri para mim, deitando na cama ao meu lado.
– Quem era aquele homem, Mamãe? – Ela suspira e nos cobre com o cobertor.
– Não era ninguém, Júlia, apenas um estranho que não merece um minuto dos seus pensamentos. – Fico confusa, ainda mais vendo que ela está triste. – Agora vamos dormir que está tarde e amanhã você precisa ir para o Colégio.
– E a Senhora precisa trabalhar. – Ela nega a cabeça e beija os meus cabelos.
– Não, Filha! A Mamãe não vai mais trabalhar naquela casa, porque eles acharam melhor contratar outra pessoa, mas não se preocupe, pois na semana que vem nós duas iremos para outra Cidade.
– Nós vamos embora daqui?
Pergunto de olhos arregalados, pois mesmo que seja pequena, tendo apenas um quarto, um banheiro, a cozinha junto com a sala e ser um pouquinho longe da Escola, eu gosto da nossa casa.
– Sim, meu Amor, mas não vamos ficar tristes com isso, porque nessa nova Cidade poderá ser bem melhor que aqui, além de você poder fazer amigos, como sempre quis fazer. – Eu apenas balanço com a cabeça e fecho os meus olhos, pronta para dormir. – Não se preocupe meu Amor, que tudo vai dar certo e seremos felizes com a nossa nova vida.
E, eu acredito nas palavras da minha mãe, pois ela jamais mentiria para mim.
[...]
Seattle – Junho/2011
Há três anos, minha mãe e eu estamos morando em Seattle, o que foi bem difícil no primeiro ano, até que ela começou a trabalhar na casa da Família Johnson, para um casal de idosos muito ricos, onde passamos a morar também, claro que no anexo destinado aos Empregados.
O Senhor Ezequiel Johnson, apesar de parecer sério, é muito gentil e trata muito bem a todos os seus funcionários, o que não posso dizer o mesmo da Senhora Eleanor, que parece viver sempre mal-humorada. Ela de longe se parece com aquelas avós que vemos em filmes, pois é sempre muito rígida e não admite nada fora do lugar ou falhas na execução do trabalho dos Empregados.
Quando a Senhora Catherine, nora dela, contratou a minha mãe, há dois anos, ela pediu por paciência, que a sogra seria um pouco difícil de lidar, mas que no fundo – bem no fundo mesmo –, era uma boa pessoa e muito justa com quem trabalhasse para ela, além de pagar muito bem e disponibilizar um lugar para ficarmos.
Só que no momento que fomos apresentadas a ela, eu consegui perceber o mesmo olhar que recebi a minha vida inteira, apenas pelo fato de sermos negras, mas ela não disse nada. E, com o tempo, eu pude perceber que ela criou certa afeição por minha mãe, a ponto de chegar a dizer que nunca havia encontrado uma cozinheira tão boa quanto a minha mãe, o que devo confessar que ela estivesse redondamente certa.
Por outro lado, a forma que ela tratava o neto mais novo, incomodava-me, o que eu nunca consegui entender as razões para ela ser tão rígida com o meu amigo. E, não apenas o Pietro é meu amigo, pois a sua irmã, Eloise, também se enquadra nessa classificação e pela primeira vez, posso dizer que encontrei amigos que não sentem vergonha por estarem ao meu lado, por eu ser pobre ou por minha cor de pele, incluindo-me em tudo que fossem fazer, sempre que vinham visitar a avó.
A princípio fiquei sim, muito receosa, pois eles eram brancos, e eu fazia de tudo para me manter afastada, com medo de acontecer à mesma coisa que sempre acontecia quando eu tentava me aproximar de alguém, na tentativa de fazer algumas amizades, mas não foi isso que aconteceu.
– Oi!
Levei um susto, pois eu estava distraída na cozinha, ajudando a minha mãe a descascar batatas e encaro o menino bonito, bem mais alto que eu, com a pele clarinha, grandes olhos azuis e cabelos castanhos escuros, mas que tinha um sorriso nos lábios. E, ao seu lado estava a sua irmã, tão parecida com ele, só que da minha altura ou um pouco mais baixa que eu.
– Oi. – Respondi timidamente, buscando o olhar da minha mãe, que sorriu me tranquilizando, como se dissesse, "Dê uma chance a eles".
– Qual é o seu nome?
– Júlia. – Ele sorriu ainda mais e olhou para a irmã, que também sorria.
– Eu sou o Pietro e essa é a minha irmã Eloise. – Eu acenei com a cabeça e dei um sorriso sem graça, pois eu já sabia o nome deles, mas não falei nada. – Nós temos mais um irmão, mas ele é mais velho e a minha avó disse que ele é muito rebelde, pois mal chegou e já foi embora. – Ele fez uma careta e acabei dando risada por isso.
– Quantos anos você tem, Júlia? – Eloise quem fez a pergunta dessa vez.
– Eu tenho 13. – Quase 14, mas não falei isso para eles. Os dois sorriram de novo e percebi que eles fazem muito isso, principalmente o Pietro que parece ser bem tagarela também.
– Que legal! Eu tenho 12 e a Eloise tem 14. – Novamente eu sorri tímida, sentindo o meu rosto ficar quente de vergonha.
– Júlia, nós vamos assistir um filme, antes do almoço ficar pronto, você quer vir assistir com a gente? – Antes que eu negasse o convite, ela voltou a falar. – A minha avó deixou, disse que só precisava pedir para a sua mãe. – Na mesma hora, eu olhei para a minha mãe, que sorriu para nós três.
– Pode ir Filha, quando o almoço estiver pronto, você volta para a cozinha, tudo bem?
– Tudo bem, Mamãe. – Pietro bateu palmas, animado, e acabei sorrindo de novo, pois ele é muito engraçado.
– Obrigado, Tia! – Ele mal esperou que eu lavasse as minhas mãos e saiu me arrastando para a sala. – Eloise e eu estamos assistindo uma série muito legal, e eu acho que você vai gostar também.
E, a partir daquele dia, nossa amizade foi fortalecendo, onde viramos confidentes um dos outros e isso tem dois anos. Por outro lado, pude conhecer também o Edgar, o irmão mais velho dos meus amigos, que fazia com que eu sentisse borboletas no meu estômago, as minhas mãos suarem e desejar ansiosamente para que os fins de semana chegassem mais rápido, apenas para que eu pudesse vê-lo, mesmo que fosse de longe, pois nunca passamos de algumas palavras e cumprimentos rápidos, quando ele vinha para a casa da Avó com os seus irmãos.
De fato Edgar era o mais rebelde dos três irmãos, mas também muito protetor com eles, o que pude presenciar ele discutir com a Avó diversas vezes, por ela estar chamando atenção do Pietro, apenas porque o meu amigo tinha um jeitinho peculiar de ser, até que depois eu passei a entender que ele estivesse descobrindo sobre a sua sexualidade.
Mesmo que ele seja rebelde e que sempre esteja chegando bêbado à casa dos avós, ou discutindo com a Dona Eleanor por causa do Pietro, Edgar é muito lindo, com seus cabelos castanhos escuros e cacheados, que sempre os manteve um pouco mais compridos que o habitual, e quando ele passa a mão neles, eu não consigo desviar o meu olhar. Ele tem 19 anos e muito alto, além de chamar a atenção, principalmente para os seus olhos azuis que são tão misteriosos.
– Júlia! – Assusto-me com Pietro me chamando, fazendo-o dar risada. – Você está sonhando acordada com o meu irmão, não está? – Arregalo os olhos, pois eu nunca falei nada sobre o Edgar para eles.
– Não! Eu... Eu... – Ele faz uma troca de olhar com a Eloise, e os dois dão risada, deixando-me envergonhada.
– Não precisa ficar envergonhada, Júlia. – Eloise senta na cama com as pernas cruzadas, pois estamos em seu quarto, o que faço o mesmo imitando o seu gesto, encarando-a. – Nós já havíamos percebido a forma que você olha para o nosso irmão e shippamos muito.
– É verdade, Júlia, nós somos Team Edlia, sem sombra de dúvidas.
– Edlia? – Fico confusa e Pietro dá risada, confirmando com a cabeça.
– Sim, é a combinação do nome do nosso irmão com o seu, Edgar e Júlia, então Edlia. – Arregalo os olhos, mas eles continuam rindo, fazendo-me negar com a cabeça.
– Não falem besteiras, o irmão de vocês nem sabe que eu existo, além do mais, ele deve me achar uma criança bobinha e nunca olharia para mim.
Sem que eu queira, fico triste com isso, pois ele me olha, mas nem mesmo fala comigo direito, como se não suportasse a minha presença, diferente da minha mãe, pois eu já percebi que ele gosta muito de conversar com ela, principalmente quando está de ressaca e minha mãe faz umas misturas estranhas, dando para ele beber.
– Júlia, você vai fazer 16 anos na próxima semana e nem é tão mais nova que ele assim, são apenas 4 anos de diferença. – Eloise pega a minha mão, fazendo-me dar um sorriso mínimo, mas ainda nego com a cabeça.
– E, nós também já percebemos que o nosso irmão, mesmo que disfarçando, não tira os olhos de você.
Pietro fala com um sorriso malicioso, mas antes que eu fale que ele está falando besteiras, pois Edgar pode até me olhar, mas é como se estivesse se sentindo incomodado, a porta do quarto é aberta e Dona Eleanor me encara de forma estranha.
– Júlia, sua mãe está precisando de ajuda na cozinha, então é melhor você descer, Querida. – Pulo da cama e calço minhas sandálias, sentindo o meu coração acelerar.
– Sim, Senhora! Com licença.
Olho rapidamente para Pietro que está revirando os olhos para a Avó, mas seguro a risada e saio do quarto, sem saber que o que eu pensava em relação ao Edgar, não gostar de mim, era realmente verdade.
[...]
– Filha, não fique triste, os seus amigos devem estar ocupados, pois é semana de prova, você se esqueceu? – Eu suspiro e aceno com a cabeça.
A verdade é que desde o dia que estávamos no quarto da Eloise – depois de sua avó entrar –, que eu não via os meus amigos, nem mesmo no meu aniversário de 16 anos eles vieram e isso foi na semana passada. Acho que por isso eu sempre tentei me manter afastada das pessoas, primeiro porque me tratavam mal por causa da minha cor de pele e situação financeira, depois porque eu tinha medo de precisar me afastar ou que precisassem se afastar de mim, deixando-me insegura se foi algo que eu fiz ou falei. O que não faz sentido com Pietro e Eloise, pois aqui é a casa dos Avós deles.
– A Senhora tem razão. – Sorrio para não deixá-la preocupada e fecho os meus livros, pois eu também estou em semana de provas, mas já estudei demais por hoje. – A Senhora deve estar cansada, Mãe, então vá descansar que eu fecho tudo por aqui. – Ela suspira e assente, levantando-se do pequeno sofá que há no anexo que estamos morando e faço o mesmo.
– Você deveria descansar também, pois amanhã teremos muito trabalho, além de você ter uma prova logo pela manhã e já está tarde. – Ela se aproxima e beija os meus cabelos. – Boa noite, meu Amor, durma bem.
– Boa noite, Mamãe!
Ela entra no seu quarto e eu suspiro, pensando que desde que a Dona Eleanor demitiu a Governanta e dispensou uma das Faxineiras – apenas por ela ter se atrasado um pouco, porque o filho estava doente –, temos trabalhado dobrado, pois além da cozinha, que é responsabilidade da minha mãe, temos que fazer a limpeza da casa, ajudando a única Faxineira que ficou para fazer todo o trabalho nessa casa enorme.
Eu não recebo um salário como a minha mãe, até mesmo porque eu ainda sou menor de idade e tecnicamente não posso ser contratada, mas como essa foi uma das condições para que morássemos no anexo, inclusive sugerido por minha mãe, desde que eu tinha 13 anos, sempre ajudei com os afazeres da casa, ficando livre apenas quando Pietro, Eloise e os seus pais vinham aos finais de semana.
Nunca reclamei, até mesmo porque eu gosto de ajudar a minha mãe, ainda mais se isso fizer com que ela se canse menos. Além de que isso também faz com que eu me sinta útil, não sendo um peso ou abrindo brechas para reclamações por eu não estar fazendo nada, principalmente agora que já sou "quase uma adulta".
Respiro fundo e por saber que não irei dormir agora, decido ir para um dos meus lugares preferidos dessa casa, que sempre me causa calmaria. Fecho as janelas e encosto a porta, assim que passo por ela. Começo a caminhar lentamente pelo jardim todo gramado e entre as flores, sentindo o cheiro gostoso que exalada delas, deixando a brisa fresca bater em meu rosto e bagunçar os meus cabelos, fazendo-me sorrir.
Começo a lembrar da minha conversa com Pietro e Eloise e acho que eles têm razão, pois eu realmente me apaixonei pela primeira vez na minha vida, e justamente pelo o irmão mais velho deles. O que considero isso uma loucura ou até mesmo um absurdo, porque nem conversamos direito ou que ele se dê o trabalho de dispensar mais do que algumas curtas palavras comigo, apesar de sempre ter sido muito educado, o que difere do seu jeito rebelde e debochado. E, isso eu já percebi ser uma forma de afrontar a sua avó, pelo jeito que ela trata o seu irmãozinho, Pietro.
Sento-me no banco e fico observando o céu nublado, quase sem estrelas, ficando imersa em pensamentos por tanto tempo que acabo me assustando com o portão de entrada sendo aberto de forma brusca com um som estrondoso. A princípio sinto medo, mas então ouço a risada rouca de Edgar e percebo que ele quase foi ao chão, se não estivesse segurando firme no portão.
Seguro uma risada, pois além de estar muito bêbado e rindo, ele ainda está conversando sozinho. Nego com a cabeça e me aproximo, vendo que ele não irá conseguir chegar à porta de entrada no estado que se encontra. E, não duvido nada que se ele caísse, ficaria no chão até o dia amanhecer, o que imagino que ele não se importaria muito com isso, com toda certeza.
– Edgar! – Chamo sua atenção quando estou a alguns passos dele, vendo-o tentar focar seus olhos em mim.
– Sabia que você é tão linda quanto à verdadeira? – Fico confusa com o que ele diz, mas me aproximo ainda mais, sentindo o meu coração acelerar por estar tão próxima a ele.
– Vem! Eu vou te ajudar a ir para o seu quarto.
Passo o seu braço por meu pescoço, o que não ajudaria muito, pois ele é muito alto, mas sinto que ele aspira o perfume dos meus cabelos, fazendo-me esquecer por um momento, que se ele cair me levará junto.
– E o seu cheiro é igual da real também. – Não consigo evitar em dar risada, pois ou ele está muito bêbado ou está perdendo o juízo de vez, mas o ajudo a entrar na casa e subir os degraus, bem devagar e com cuidado.
– Caramba! Você é pesado!
Quem dá risada agora é ele, mas logo o som sai abafado por ter a sua mão tapando a boca, o que acredito que não esteja tão bêbado assim, por ainda ter consciência do horário que está chegando.
– Você que é delicada demais. – Nego com a cabeça, mas sem conseguir deixar de sorrir. Abro a porta de seu quarto, ajudando-o a sentar na cama, vendo a luta dele em tirar a jaqueta, depois de chutar os sapatos para o lado. Aproximo-me, retirando-a de seu corpo, sentindo o meu rosto esquentar por eu estar no quarto dele. – Está tudo bem? – Dou um salto para trás no momento que ouço a sua voz, seguida por seu toque em meu rosto, deixando-me ainda mais envergonhada.
– Eu vou... É... Eu vou descer. – Tento me afastar e arregalo os olhos quando sinto a sua mão segurar a minha, mas encaro seus olhos azuis desfocados por causa da bebida.
– Você poderia falar para a Júlia real me esperar?
– O quê?
Fico confusa, tentando entender o que essas palavras dele significam, mas ele nega com a cabeça e se deita, fechando os olhos de imediato. Solto a respiração que nem havia percebido estar prendendo, observando-o por mais alguns segundos, vendo o quanto ele é ainda mais lindo de perto, porém volto a me aproximar e o cubro com o cobertor e, sem conseguir me controlar, deixo um beijo demorado em seu rosto, sentindo seu perfume inebriante e sorrio, ouvindo o seu suspiro e vendo-o a se aconchegar melhor na cama.
– Não sei o que você está falando, mas seja o que for eu esperaria.
Respondo o que o meu coração está sentindo que deveria dizer no momento e observo-o mais um pouco, para logo sair do seu quarto, mas levo um susto por ver Dona Eleanor me aguardando do lado de fora, deixando-me momentaneamente sem reação. Porém ela não espera que eu fale nada, encarando-me de forma dura, o que me deixa bem assustada.
– Venha comigo, Júlia! – Continuo em silêncio, acompanhando-a até a cozinha. – Vá chamar a sua mãe que prefiro falar com vocês duas, para não haver mal-entendidos. – Apenas assinto e saio correndo da cozinha, até chegar ao anexo e empurrar a porta, entrando logo em seguida no quarto da minha mãe.
– Mãe! – Balanço o seu ombro suavemente, sentindo-me culpada, pois ela está muito cansada. – Mamãe, acorda!
– O que aconteceu, Júlia? Está tudo bem? – Nego com a cabeça, pois nem eu sei para falar a verdade.
– Eu não sei Mãe, mas a Dona Eleanor quer falar com nós duas.
Ela se assusta e se levanta da cama rapidamente, vestindo um roupão por cima do seu pijama e saímos do anexo, encontrando Dona Eleanor sentada ao Balcão, com um olhar afiado e impaciente.
– Mandou nos chamar, Senhora Johnson? – Minha mãe questiona rapidamente, fazendo-a assentir.
– Mandei sim, Amélia. – Ela nos avalia por um momento e solta um longo suspiro, como se estivesse cansada. – Você sabe que a princípio eu não queria que a Catherine a contratasse, justamente porque você tinha uma filha que poderia atrapalhar o seu desempenho como profissional. No entanto quando eu vi que a sua filha já tinha 13 anos e que além de não atrapalhar, ainda poderia lhe ajudar em alguma coisa, eu acabei concordando, certo?
– Sim, Senhora! – Minha mãe responde, mas está confusa com o que ela está tentando dizer, assim como eu.
– Mas com o tempo, eu fui me afeiçoando a você e a Júlia também, pois eu vi que ela era uma boa menina, além de ser uma ótima ajudante para você. – Novamente minha mãe assente. – Os meus netos, Eloise e Pietro, pediram para serem amigos dela e eu não vi problemas em conceder este pedido a eles, afinal, a sua filha ficava muito sozinha, apenas em meio aos adultos e era uma ótima forma de distraí-los enquanto estivessem aqui na minha casa.
– E, agradeço por isso, Senhora Johnson, pois a minha filha de fato ficava muito sozinha e precisava fazer amigos.
– Certo. – Ela responde a contragosto, por minha mãe tê-la interrompido, mas continua em seguida. – O que estou querendo dizer com tudo isso, Amélia, é que diferente de Eloise e Pietro, o meu neto, Edgar, não se agrada com a presença da Júlia em minha casa. – Arregalo os olhos e sinto meu coração doer.
– Eu não entendo Senhora Johnson. – Minha mãe fala ainda mais confusa e me olha rapidamente. – O Edgar sempre tem se mostrado muito educado e nunca demonstrou desconforto em nossa presença. – Alcanço a mão da minha mãe e engulo o nó que se formou em minha garganta.
– O Edgar é muito educado, Amélia, e mesmo sendo rebelde a maioria das vezes, ele foi muito bem criado por meu filho, e assim ele aprendeu a sempre tratar bem os Empregados, mas ele já havia me reclamado, algumas vezes, pela forma que a Júlia fica olhando para ele, deixando-o desconfortável.
– Compreendo. – Minha mãe dá um aperto na minha mão e sinto meus olhos marejarem.
– Como eu disse, a Júlia é uma boa menina, mas ainda é filha de uma Empregada, consegue me entender? – Minha mãe apenas assente, enquanto eu fico em silêncio, sentindo o meu coração quebrar aos pouquinhos. – E, hoje aconteceu algo que eu sei que irá desagradar o meu neto, mas eu entendo que a Júlia estava querendo apenas ajudá-lo.
– O que a Senhora está querendo dizer? O que a minha filha fez? – Minha mãe pergunta com a voz embargada, mas tenta permanecer firme por mim.
– Eu fiquei observando pela janela, o momento que o meu neto chegou bêbado e a Júlia foi ajudá-lo a entrar na casa e levá-lo para o quarto, porém quando ele souber quem o ajudou, eu sei que ficará muito irritado, pois você sabe o quanto aquele menino é genioso, não é? – Minha mãe apenas assente, mas Dona Eleanor volta a suspirar e posso ver que ela está mesmo chateada com tudo isso. – Ele irá entender que a Júlia estava apenas fazendo o seu trabalho em não deixar que ele pudesse se machucar, devido ao seu estado, mas a questão, Amélia, é que a Júlia já tem 16 anos, está ficando uma moça muito bonita e meu neto é um jovem com os hormônios a flor da pele e poderá em algum momento, perceber a forma insinuante que a sua filha costuma olhar para ele, podendo a tomar atitudes que poderá fazê-lo se arrepender depois.
– Senhora Johnson, vá direto ao ponto, pois eu estou entendendo onde pretende chegar. – Dona Eleanor olha para mim e dá um sorriso contido, como se fosse para me confortar e volta a encarar a minha mãe.
– O meu neto é um Johnson, tendo um futuro promissor, assim que sua fase rebelde passar, por essa razão, Amélia, eu não poderia permitir que ele, em algum momento, começasse a ver a Júlia como mulher e não apenas como a filha da Empregada que é negra e pobre.
– Claro. A Senhora tem toda razão. – Minha mãe responde ainda segurando a minha mão, enquanto baixo a cabeça e permito que as lágrimas deslizem por meu rosto.
– Não me leve a mal, Amélia, como eu disse, eu gosto muito de você e dos seus serviços, mas minha prioridade é o futuro e a felicidade do meu neto, por isso é melhor evitarmos que algo que o desagrada hoje, possa vir a se agravar no futuro. – Mesmo que eu não esteja vendo diretamente os seus movimentos, eu sei que ela levanta e caminha na minha direção, pois sinto sua mão passando em meus cabelos. – Não fique triste, Júlia, você é uma boa menina e logo encontrará um jovem, assim como você, mas o meu neto não é esse jovem. – Rapidamente sua mão some, afastando-se de mim e minha mãe. – Arrume suas coisas, Amélia, pois seus serviços não serão mais necessários na minha casa, mas não se preocupe que amanhã às 07h00 o seu cheque estará pronto. Boa noite!
Ela sai da cozinha e minha mãe respira fundo, fazendo o mesmo logo sem seguida, levando-me com ela, pois estou completamente sem reação, fazendo a única coisa que posso no momento que é chorar, mas assim que entramos no anexo, sinto seus braços me envolverem.
– Mãe, eu... Eu só queria ajudar. – Minha mãe me aperta em seus braços e choro ainda mais.
– Eu sei meu Amor. – Ficamos assim, abraçadas no meio da sala, até que levanto o olhar para vê-la com o rosto molhado também.
– O que iremos fazer agora, Mãe? – Ela sorri, entre as lágrimas, e acaricia o meu rosto.
– O que sempre fizemos minha Filha, vamos enfrentar mais esse obstáculo e vencê-lo.
Apenas assinto e com o coração partido, doendo apenas por imaginar que o meu Príncipe Rebelde, além de não gostar de mim, ainda se incomoda por eu ser negra e pobre. Mas agarro-me as palavras da minha mãe, acreditando que iremos sim vencer não apenas este, mas qualquer obstáculo que surgir em nosso caminho.
É tão complicado o que a Júlia passou na infância e saber que isso é uma realidade de várias crianças, adolescentes e também adultos apenas por sua cor de pele não ser da mesma cor dessas pessoas preconceituosas e racistas 😔😔😔.
Quantas crianças não desejaram ter a sua pele branca, apenas para poder se "misturar" em meio a quem não merece a presença desses anjos 😔😔😔? Mas infelizmente o nosso mundo é podre e cruel, porém enquanto há vida, há esperança de um mundo melhor, não é mesmo?
Quem será aquele homem que a Amélia estava discutindo na porta, hein 😏😏? Fiquei curiosa, pois a Amélia não abriu a porta e não deixou nem a Júlia e muito menos eu ver, pois ela disse que somos custosas e não guardamos segredos 😏😏. Olha que absurdo isso 🤭🤭🤭!
Mas que fofura do Pietro e da Eloise, buscando a Júlia para serem amigos. Ahhh, fiquei soft 🤧🤧🤧.
E, vou falar nada por causa dessa Eleanor ou irei cometer homicídio literário 😡😡😡! Cobra, racista, preconceituosa e manipuladora! Pronto, falei! Não aguentei ficar quieta 🤭🤭🤭.
Logo, logo teremos mais um pouquinho da Júlia e o tão esperado reencontro dela com o seu Príncipe Rebelde, ou mais conhecido como o Senhor Sarcástico 😏😏!
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