8 - O Guarda-costas real
Louis Derring, o Diretor Financeiro do CAA, abriu a porta da sala de Alexis e quase a fechou de novo ao ver o Príncipe sentado à mesa, com a cabeça baixa, absorto com algo à sua frente. Não era sua intenção atrapalhar o Príncipe Alexis. De maneira alguma. Havia planejado entrar, colocar seus relatórios sobre a mesa e cair fora. Como todos estavam dizendo que Alexis não tinha sido visto desde o incidente com a tal Angel Lancaster, imaginou que a sala dele estaria vazia e assim poderia entregar o documento atrasado o mais rápido possível. Mas para seu azar, descobriu onde estava o colega desaparecido.
Já ia fechar a porta quando Alexis ergueu a cabeça e o encarou diretamente. Louis arregalou os olhos. O Príncipe estava só com uma regata meio amassada, com os cabelos despenteados e sua boca estava inchada, além de exibir um enorme hematoma no queixo. Desorientado, o rapaz acabou cometendo a asneira de praticamente correr até a mesa para entregar o que precisava ansiando sair logo dali. Só quando estendeu, com mãos trêmulas, a pasta que continha os documentos foi que percebeu o seu erro. Alexis não deu a menor atenção para os papéis ele oferecia. Seus frios olhos azuis estavam cravados nos assustados olhos castanhos de Louis.
Sem saber como agir e evitando ao máximo encarar o queixo lesionado do Príncipe, Louis recolheu o braço que estendia a pasta e virou-se para sair, mas ao olhar sem querer para o sofá, ficou paralisado. Tinha uma garota dormindo ali! E era a Angel Lancaster!
Mesmo naquela situação delicada, não pôde deixar de notar a beleza da garota. Ela estava de lado, voltada para ele, e seus cabelos caiam em ondas quase tocando o chão, as mãos encolhidas junto ao peito. A camisa azul que servia de lençol estava aninhada junto ao rosto, e blusa que ela vestia tinha se enrolado sob o corpo, deixando à mostra boa parte da renda preta da lingerie e dos seios alvos. Quando caiu em si sobre o que estava observando tão atentamente, sentiu frias gotas de suor lhe correrem pela espinha. Virando-se lentamente na direção do Príncipe Alexis, ao ver sua expressão, instintivamente deu quatro passos para trás. E não eram mais apenas as suas mãos que tremiam.
Sem pensar, temendo pelo que poderia lhe acontecer, saiu correndo da sala como se estivesse fugindo do demônio em pessoa.
***
Assim que o maldito garoto intrometido saiu da sala, Alexis passou a mão pelos fartos cabelos negros e suspirou. Tinha esquecido de trancar a droga da porta. Assim que levantou para resolver o problema, percebeu como a sala havia ficado escura nos últimos minutos. Para não atrapalhar o sono de Angel, ele manteve as luzes apagadas, contando apenas com a iluminação proporcionada pelas janelas, mas, naquele momento, olhando por uma delas notou que, embora fosse apenas o meio da tarde, estava escurecendo lá fora. Provavelmente cairia um temporal.
Deixando de lado essa questão, foi em direção a porta quando os primeiros trovões se fizeram ouvir. O barulho foi tão alto que ficou ressoando por algum tempo no ambiente, por isso só percebeu algo estranho quando um raio iluminou tudo de repente e viu os braços de Angel se erguerem como se ela estivesse se afogando.
Voltou para perto do sofá, Angel estava soluçando baixinho, ainda dormindo, com um dos braços erguidos para o ar e o outro, furiosamente tapando os ouvidos a cada trovejar. Ao se aproximar dela Alexis pôde ouvir o que ela murmurava, descontroladamente:
― Eu quero ir com vocês... Eu estou assustada... Mamãe estou com medo!... Hye Kyo! Hye Kyo!... - Angel chamava entre os soluços cada vez mais altos - Desculpa! Desculpa! Desculpa!... Desculpa!...
Alexis ajoelhou-se ao lado dela e passou a mão pelos cabelos sedosos, tentando acalmá-la. Ela continuou chorando e repetindo palavras que pareciam lhe causar muita dor. Quando usou as próprias mãos para tapar os ouvidos da garota notou uma melhora no sofrimento dela, por isso, encostou-se melhor ao lado do sofá, suas longas pernas esticadas sobre o tapete macio, e ficou assim, até finalmente senti-la começar a relaxar e a voltar a dormir tranquilamente.
Com a chuva caindo e batendo na janela, a respiração ritmada da garota ao seu lado, Alexis se sentiu tão aconchegado que nem ao menos percebeu quando acabou por segui-la no sono.
***
"E lá vou eu arriscar meu belo pescoço novamente!" Choi pensou, ao cumprimentar sorridente mais um colega que passava por ele, enquanto percorria a passos rápidos os corredores do Prédio Central. Estava com pressa para avisar Alexis sobre as novas fofocas que rolavam sobre ele pela Alpha. Sabia que o Príncipe não ligava para essas coisas, mas o boato tinha relação com a nova aluna, e pelo que Choi pôde perceber, ali havia razão suficiente para cabeças rolarem com as notícias que estavam circulando como fogo em mato seco.
Não sabia quem tinha iniciado a coisa toda, mas o que chegou a seus bem relacionados ouvidos foi que Alexis tinha provavelmente tomado um soco no olho, dado pela novata, e por isso ela estava agora desmaiada na sala dele, vítima de sua fúria vingativa. Bem, essa era uma das versões que ele tomou conhecimento. As outras eram ainda mais inacreditáveis. E divertidas.
A campeã em criatividade, na opinião de Choi, era aquela em que Alexis teria amarrado e amordaçado Angel em seu sofá, depois que ela lhe abriu um corte no rosto, do olho ao queixo, com o canivete que carregava escondido no bolso do moletom, e aproveitava a vulnerabilidade dela para a espancar e assediar sexualmente. Um aluno jurava que conhecia alguém, que ouviu diretamente do melhor amigo do namorado da garota que tinha entrado na sala e visto Angel e Alexis seminus na sala escura. Outra fonte "confiável" dizia que eles estavam nus.
O rapaz riu, Alexis batendo em uma garota era algo muito além de sua imaginação e a assediando então era tão absurdo quanto dizerem que o viram levando, sei lá, unicórnios azuis em lindos buquês para a garota. Claro, Alexis era frio e malvado o suficiente para amarrar alguém e bater até o sujeito virar purê, sem nem sequer piscar. Mas não faria isso com uma garota. Mesmo que fosse uma encrenqueira do calibre de Angel. Choi tinha certeza. Quer dizer, quase...
Enquanto esperava pelo elevador que o levaria até o oitavo andar, Choi cruzou os braços e ergueu a cabeça para o teto, cantarolando uma música fúnebre mentalmente. Assim que o elevador parou no oitavo andar, Choi desceu apressadamente e continuou no mesmo ritmo até a sala do presidente do CAA. Ao abrir a porta viu tudo escuro e vazio. Já ia sair para continuar sua busca quando um barulho leve de respiração atiçou sua curiosidade. Parecia loucura, mas e se...? Foi caminhando lentamente até o sofá e parou.
Seus olhos se arregalaram, e foi por pouco que conteve as palavras de surpresa que lhe subiram pela garganta. Ali estava Alexis, não espancando ou abusando de Angel, mas encolhido contra o sofá, com um dos braços envolvendo a cabeça da garota enquanto ambos dormiam placidamente, seus rostos quase se tocando. A cena era tão inusitada que Choi levou alguns segundos para perceber que realmente havia um machucado no queixo de Alexis. Choi sorriu, as pessoas, ao criar suas versões, deveriam ter levado em conta o fator altura. O golpe tinha sido mais abaixo no rosto de Alexis. Um local mais acessível para uma tampinha como a garota que fizera a prodigiosa tarefa de acertar um belo golpe no severo Príncipe.
Saindo silenciosamente dali, o rapaz foi até o longo e aconchegante sofá na recepção do CAA e se deitou, cruzando os braços sob a cabeça. Sério, estava morrendo de curiosidade para saber o que tinha acontecido entre aqueles dois. Tinha sido mesmo um golpe dela que provocou aquele estrago no rosto do Príncipe? Por que eles estavam tão aconchegados daquele jeito, tirando um delicioso cochilo naquela linda tarde chuvosa?
"Meu Deus" Choi pensou "se alguém ver o que eu nem acredito que vi, Alexis realmente vai começar a pendurar pobres pessoas desavisadas em sua sala". Puxando seu Smartphone do bolso, procurou algum joguinho divertido para passar o tempo. Ele ia ficar ali até os pombinhos acordarem, impedindo qualquer curioso de descobrir o que estava acontecendo lá dentro. E assim evitaria mortes desnecessárias. Ele era realmente um bom sujeito, afinal.
Alguns minutos depois, ouviu a porta do corredor abrir. Ao virar a cabeça, sorriu cheio de charme para a pessoa que o encarava com uma expressão de profundo desgosto. Mona era a única garota que o tratava daquela forma. E mesmo assim continuava linda.
― Monalisa, minha querida colega, o que a traz aqui nessa tarde chuvosa? – Choi foi perguntando enquanto se erguia do sofá e ia em direção a ela. Não queria arriscar, Mona era bem capaz de ignorá-lo, sua especialidade, e entrar feito um trator, um trator muito sexy por sinal, na sala de Alexis. E do que ela seria capaz, Choi preferia nem pensar. Mas a sua imaginação era muito fértil e logo ele visualizou Mona arrastando a pequena garota loira pelos cabelos, como uma esposa ciumenta faria. Mas Angel, que não era fácil, reagiria e também a pegaria pelos cabelos, então as duas...
― Onde está o Príncipe Alexis? – Interrompendo suas divagações, e sem esperar por resposta, agindo como ele havia previsto, Mona foi em direção a porta proibida.
Choi colocou-se no caminho, enquanto respondia com tranquilidade:
― Nosso estimado Príncipe foi para o quarto dele. – Com uma expressão séria aproximou o rosto do da garota, criado um ar de quem ia fazer uma confidência muito chocante. – Acho que ele não quis expor o rosto arruinado. – Exibindo um profundo pesar, continuou em voz baixa, fazendo com que Mona, sem perceber também se aproximasse mais. - Eu vi. Um olho roxo, boca cortada, acho até que um dente estava meio solto, e o queixo praticamente quebrado. O pobrezinho não conseguia nem falar direito!
Mona afastou-se um pouco e o analisou com os olhos dourados cheios de desconfiança.
― E como estava a garota? Ela também estava ferida?
― Meu Deus, Monalisa! – Choi pareceu perplexo. – Acha mesmo que o cavalheirismo do Príncipe permitiria que ele tocasse com violência uma garota?
― Vinte alunos testemunharam quando ele a jogou sobre o ombro e saiu da sala. Isso também não é algo que um cavalheiro faria. Aliás, que Alexis faria.
Choi procurou manter a cara de espanto, mas era hilário o quanto ela parecia contrariada com os fatos. Praticamente mordia cada palavra que saia da linda boca rosada.
― Amor, eu sou um dos vinte alunos que estavam naquela sala. – A garota ergueu uma das delicadas sobrancelhas negras, interessada. – E posso garantir que embora tenha sido bastante chocante, não houve qualquer tipo de dano físico a nossa colega. Ela parecia superbem e cheia de energia. Era fácil reparar pela força dos gritos e dos socos que desferia nas costas do nosso cavalheiro, levemente decaído. Sério, ela estava ótima! – Choi colocou as mãos na cintura enquanto balançava a cabeça de um lado para o outro, desanimado. – Ela estava tão bem que veja só o que fez com o pobre Alexis depois! Acho que ele vai precisar levar uns pontos na boca. Uma pena. Deve doer. Quanto tempo Ren ficou sem poder dar as caras na escola quanto levou aquela surra, mesmo?
Mona cruzou os braços sobre o peito, dizendo friamente:
― Certo. Já fez o seu teatrinho. Agora saia da frente. Ninguém viu Alexis e na última versão que ouvi ele estava na sala dele.
― Seduzindo a novata enquanto ela estava presa por correntes no teto? – Choi não pode perder a chance de trazer um pouco da sua própria versão dos fatos.
Mona bateu o pé irritada, o fazendo rir. Ela era tão adorável. Como os rapazes podiam achar interessante a fachada de moça delicada e gentil que ela exibia? A sua verdadeira natureza, temperamental, mordaz e apaixonada era muito mais atraente. Choi até ficava feliz por ela deixar suas falsidades de lado apenas com ele. Sentia-se, de uma forma meio masoquista, especial.
― Monalisa, nossos colegas estão cheios de tédio, afinal a Alpha anda meio sem graça ultimamente. Seu irmão, que fazia coisas tão criativas e divertidas e nos distraia um pouco dos nossos pequenos e entediantes problemas diários, já não é mais o mesmo. Desde que apanhou daquele jeito vergonhoso mal é visto por aÍ. Então é compreensível que o fato do nosso Príncipe fazer uma que outra coisinha meio amalucada seja digno de ir para os Top Trends de fofocas da Alpha.
Choi viu que finalmente a estava convencendo a ir embora. Mas um brilho teimoso surgiu nos olhos dourados. Ok, provavelmente teria que partir para medidas extremas, pois a garota disparou furiosa:
― Eu não confio em você. Não sei o que pode estar tentando esconder aÍ dentro, por isso vou entrar e conferir com os meus próprios olhos se existe alguma verdade nesse monte de besteiras que está tentando jogar pra cima de mim.
Mona ameaçou passar ao lado do rapaz, mas Choi foi mais rápido e a segurou pela cintura, ficando com o rosto bem próximo ao dela.
― Ok, Alexis está na sala dele. Mas está realmente ferido. Todo errado como eu já descrevi e por isso não quer ser incomodado. Ah! – Ele colocou um dedo sobre a boca adorável de Mona quando ela tentou dizer algo. – E se você insistir em entrar eu vou ser o cara que vai ficar pendurado pelos braços para tomar umas porradas do príncipe raivoso, sem a parte do assédio sexual, espero. Então, se é para ser torturado por não ter cumprido meu papel de Guarda Costas Real, preciso ganhar algo com isso. – Choi sorriu sedutoramente, notando satisfeito os olhos dourados fitarem sua boca, ela nunca era tão indiferente em relação a ele quanto gostaria. – Eu a deixo passar se me der um beijo. Na boca. Com nossas línguas se enroscando enlouquecidamente. Se rolar uma mão boba, até abro a porta pessoalmente.
Choi sentiu as mãos que a seguravam formigarem, e lutou contra a vontade de realmente beijá-la, quando viu o lindo rosto adquirir lentamente um delicado tom rosado. Mona, a fria Monalisa, estava envergonhada ao pensar em lhe beijar. Ela não era um doce?
Sem dizer nada, Mona afastou seus braços de forma brusca, e saiu batendo a porta atrás de si.
Choi encostou-se à parede e deslizou até o chão acarpetado, ficou ali sentado entre aliviado, frustrado e satisfeito. Não ia ser pendurado por Alexis. Mona não tinha aceitado beijá-lo. Mas, ele abriu um sorriso triunfante, tampouco ela tinha conseguido manter total desinteresse.
***
{Payre}
O Rei Erak encarou irritado o Duque de Horn, mas suas palavras foram ditas em tom controlado.
― Estou ciente do que está acontecendo em Nagtar e estamos fazendo o possível para salvar e proteger as pessoas dos Ducados mais vulneráveis, como é o seu caso. Mas sabe muito bem que a situação fugiu do controle desde que Khor retornou. Todos nós estamos preocupados, meu caro Duque. - Alfinetou Erak - O seu Rei Tack mais do que ninguém em função da localização de suas fronteiras.
Os olhos brancos do Duque de Horn luziram em clara demonstração de raiva. Os outros treze Duques presentes continuaram a exibir expressões impassíveis diante da cena que se desenrolava na Sala Azul. Alguns até pareciam mais preocupados com as imagens virtuais que passavam em diversos pontos da sala de forma a mantê-los atualizados sobre as batalhas que aconteciam em Payre naquele momento.
Ninguém se impressionou com as farpas trocadas entre o Duque de Horn e o Rei Erak. Era de conhecimento geral o descontentamento do Duque com o reinado do filho de Melkor. Para ele o atual rei de Sylesth era demasiado orgulhoso de suas próprias origens para se importar com os demais, mesmo que estes fossem seus aliados. O Rei Melkor havia sido um soberano muito mais justo e preocupado com seu povo e com toda Payre, tanto que não hesitou em dar a própria vida para libertar os inúmeros Eiffs que foram aprisionados na Segunda Grande Batalha. Já o filho parecia não se importar que tamanho sacrifício perdesse o seu sentido.
― Majestade, entendo a atual situação de Payre, não me tome por um ignorante! Mas deve reconhecer que ninguém nesta mesa tem tantos do seu povo sendo escravizado pelos Deiroons quanto eu! Os Oberohs estão morrendo! – Ele passou seus olhos por cada membro que participava da reunião no palácio de Sylesth. Ninguém ousou contradizer sua afirmação.
Exceto o Rei.
― Toda Payre está perecendo. Todos nós estamos morrendo. Isso não quer dizer que vamos desistir, então não podemos evitar que os seus, tão valioso para você quanto para os Aliados, acabem como vítimas dessa guerra. Lembre-se que mesmo os poderosos Serines não resistiram.
― Não use os Serines como desculpa para seu descaso com os Oberohs! Eles se sacrificaram por algo maior, para nos salvar! Já os de Nagtar estão morrendo por um punhado de terra!
― Duque de Horn! – A voz de Erak perdeu a calma usada até então, tornando-se fria e ameaçadora. – Não se trata de apenas um punhado de terra inútil. Estamos falando do que separa Khor de seu objetivo! Estamos falando em manter os inimigos longe de Sylesth até o retorno do Predestinado! Isso é por Payre!
― Mesmo que isso resulte apenas na sobrevivência dos Nerinis e dos Alicanos?! - A voz, além de indignada, estava carregada de ironia.
O Rei Erak saiu de seu lugar, na ponta da longa mesa de vidro que também exibia as mais diversas cenas de guerra e foi até o Duque de Horn, este se manteve em pé e altivo como estivera durante toda a discussão. Os dois eram quase da mesma altura logo puderam se encarar firmemente nos olhos.
― Sim, caro Duque – respondeu o Rei em tom cortante. – Mesmo que isso signifique a sobrevivência apenas de alguns. Caso tenha esquecido, uma Nerini e um Alicano foram os escolhidos para trazerem a vida o Predestinado, sob a orientação dos seus tão amados Serines. Acha que isso não é motivo suficiente para arriscarmos tudo? Ou prefere que, ao chegarem em Payre, o Predestinado e os Humanos não tenham mais nada para salvar? Estamos ajudando aqueles que podemos, mas não temos como proteger a todos. Isso é uma Guerra, caso não tenha reparado nessas centenas de anos.
Alguns Duques balançaram a cabeça em concordância. Não havia escolha. Eram sacrifícios necessários. Outros ficaram refletindo. O que o falecido Rei teria feito? Teria sido tão duro, até mesmo displicente com a vida de outros? Não, dificilmente essa seria a escolha de alguém que havia morrido para proteger os demais.
O Duque de Horn blasfemou algo na língua oberoh antes de sair do salão em que a reunião acontecia, visivelmente inconformado com a atitude de Erak. Logo os demais Duques também foram se retirando, não havia mais nada a ser discutido.
Assim que ficou sozinho Erak sentou-se em uma das cadeiras e se recostou exausto. Ouviu a porta abrir, mas não precisou virar a cabeça para saber que era sua mãe, a Rainha Syka, quem entrava.
― Parece cansado, meu querido. – Syka foi até seu amado filho, pousando a mão delicadamente sobre seus ombros rígidos. – Desculpe por não poder estar aqui. Os Guardiões requisitaram minha presença com urgência. Estão montando estratégias para quando Ele chegar.
Erak suspirou, abrindo-se de uma forma que só conseguia com a mãe e com seu amigo Esan, também um Alicano e seu primo por parte de pai.
― Às vezes eu gostaria que o Rei Melkor permanecesse vivo pelo menos até o retorno dele, assim eu não precisaria me envolver com essas questões políticas tão irritantes e poderia me dedicar a elaborar estratégias de guerra que nos ajudassem a derrotar esses malditos Deiroons de uma vez. É frustrante ficar apenas evitando conflitos menores, tentando sobreviver até a chegada de um desconhecido que será o nosso salvador. Então me sinto culpado ao pensar dessa forma, pois meu pai morreu valentemente por acreditar nisso.
― Não se culpe, meu amor, eu mesma, às vezes, fico com raiva por ele ter me deixado nessa situação, mesmo que isso seja uma injustiça, pois ele foi corajoso e fiel aos seus princípios até o final, o meu amado Melkor. - A Rainha fez uma pausa, era sempre difícil lembrar do companheiro. - E também me sinto inútil ao aguardar pelo desejo dos Deuses. Apesar disso, precisamos ter esperança, acreditar nas palavras dos Serines e orar para que seu irmão retorne logo. – Syka depositou um suave beijo no topo da cabeça do filho. - E não se esqueça do quanto ele vai precisar do seu apoio, pois passará a viver em um mundo totalmente desconhecido e não apenas isso, deverá amar Payre tanto quanto nós a amamos. Na verdade até mais, só assim poderá protegê-la e salvá-la, como é o seu destino.
Erak não conseguiu verbalizar o quanto às vezes o atormentava o rancor por saber que enquanto ele nasceu e cresceu em meio a uma guerra sem fim, seu irmão mais velho, aquele que seria o verdadeiro Rei de Sylesth, e provavelmente de toda Payre, vivia confortavelmente em outro mundo, longe de toda aquela destruição e morte. Como poderia depositar suas esperanças em alguém assim? Alguém que nem sabia da existência de outro Mundo?
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