4 - Bons sonhos
Alexis observou Angel adormecida. Ela estava em uma das estranhas camas daquele mundo, pois não precisava mais ficar na Cápsula de Cristal. Naquele momento, Angel estava ali para se recuperar da crise pela qual havia passado quatro dias antes. Ninguém sabia o que tinha acontecido.
Ela estava bem, disseram que tinha acordado depois que ele desmaiara e logo havia sido tirada da cápsula de cristal. Após, tinha passado três semanas sendo monitorada e recebendo, em seus sonhos, os mesmos conhecimentos que ele e os demais que tinham vindo da Terra. Tudo ocorreu sem qualquer problema. Até aquele surto do qual ainda se recobrava.
No dia seguinte em que Angel despertou e passou mal, Alexis finalmente encontrou-se com os outros. Até então tinha realizado as atividades nos simuladores e recebido o acompanhamento dos Curadores enquanto era mantido isolado dos demais. Sabia que era uma forma de verificarem a sua estabilidade emocional, pois, pelo que soube, todos que tinham vindo da Terra passaram por um longo período de pânico e histeria.
Alexis admitia que tinha sido um enorme trabalho manter-se calmo e o fato de ter conseguido era, em parte, por sua preocupação com Angel. O outro fator que contribuíra para seu estado de aparente tranquilidade, havia sido a inexplicável aceitação que o tomava da realidade em que estava. Embora também sentisse todo o estranhamento de tudo aquilo, no fundo era como se fosse naturalmente capaz de alcançar o sentido de estar ali.
Quando se encontrou com o resto do grupo, surpreendeu-se com a tranquilidade aparente de Choi e Monalisa, já que tinha ouvido sobre a ferida que Choi havia provocado em si mesmo, com os próprios dentes. Também sabia que Monalisa tinha tentado fugir várias vezes e até mesmo se jogara pela janela do quarto. Uma nave que patrulhava o palácio a tinha resgatado. Mas ao que tudo indicava ambos conseguiram superar o terror inicial.
Já Lali se desmanchou em lágrimas quando o viu e não parou mais. Ren, por outro lado, pareceu descontrolado de outra forma. Para ele, todos ali haviam sido sequestrados por extraterrestres que estavam usando-os como experimentos para descobrir informações sobre os humanos. Logo seriam mortos e a Terra seria invadida, por isso precisavam tentar entrar em contato de qualquer forma com seu pai, pois ele sem dúvida resolveria a situação.
Diante das circunstancias, até que não era assim tão absurdo pensar dessa forma, mas isso não havia impedido que Alexis o acertasse, de novo, com um soco direto no maxilar. Poderia jurar que ouviu o estalo do osso sendo quebrado. O que era bom, significava que estava funcionando o tempo que passava nos simuladores.
Alexis suspeitava que Ren não era exatamente querido pela equipe de Curadores, pois foi notável a demora em atendê-lo, ainda que estivesse claramente ferido. Não ia entrar na questão do quão rápido ele próprio havia sido cercado pela equipe, ainda que estivesse sem qualquer ferimento. Estava além da sua paciência a forma como todos o encaravam, era ainda pior do que na Terra. Algumas pessoas quase iam ao chão ao curvarem-se quando ele passava. E ser chamado de "Predestinado" lhe provocava ainda mais repulsa.
Alexis passou a mão pelo rosto de Angel. Sabia que muito da sua irritabilidade vinha da sua preocupação com ela. Tinha certeza que tudo seria diferente quando ela despertasse. E ele não ousava pensar que seria de outra forma.
Imerso em seus pensamentos, observou a cama vazia ao lado, na qual ele deveria estar descansando. Ele e Angel eram as únicas pessoas que ocupavam aquele quarto, pois Alexis queria mantê-la longe dos outros. Principalmente de Ren. Pela própria experiência, gostaria de estar ao lado dela quando acordasse, assim poderia informá-la pessoalmente sobre a atual situação deles.
Sabia que seria novamente aborrecido por não descansar logo depois de fazer os exercícios, mas já passava horas incontáveis longe dela durante as simulações, e não queria deixá-la sozinha por mais tempo ainda. Assim, reduzia para metade a suas horas de sono para constante angústia dos Curadores que ficavam o tempo todo à sua volta, impacientes.
― Minha nossa, como vou conseguir dormir com esses suspiros dramáticos e com essa carranca do meu lado?
Atônito, ele olhou para Angel, encontrando seus sorridentes e sonolentos olhos violetas.
― Se tenho uma carranca é culpa de uma garota muito problemática que só sabe me deixar preocupado com ela - Alexis comentou em tom de reprimenda.
― Ora, então deixe essa palerma pra lá! Lindo desse jeito, rapidinho arranja outra. Tipo eu. - Ela sorriu amplamente lhe oferecendo uma piscadela.
Alexis riu.
― Sabe que a garota problema é você, certo?
Angel arqueou as duas sobrancelhas.
― Acho bom que seja mesmo. Não é só porque eu meio que quase morri que você já pode sair por ai todo disponível. – Após zombar da situação trágica pela qual passou, ela continuou alegremente. – Ei, por que está um pouco, hum, diferente? – A garota tentou erguer-se, mas não conseguiu, desabando novamente na cama. – Caramba, estou me sentindo um bebê!
Alexis a ergueu, ajudando-a a ficar sentada. Afastando os cabelos platinados do rosto de Angel, comentou:
― Está muito fraca, já que ficou adormecida por muito tempo. Estava numa espécie de coma.
Angel o fitou novamente, dessa vez com mais atenção. Ergueu a mão e passou os dedos delicadamente por seu rosto.
― Você está diferente. Eu só não sei dizer como.
Colocando a mão sobre a dela, que estava pousava sobre a sua bochecha, Alexis disse:
― Nós estamos. Não é muita coisa, mas é possível reparar quando se observa bem e também porque foi muito recente para nós.
Angel o observou confusa.
― Como assim? Do que está falando?
Alexis hesitou. E se ela surtasse como os outros? Ou como já havia feito antes? Não queria que isso acontecesse, mas não tinha como evitar o assunto, ela só precisaria olhar para os lados para perceber que não estavam em um lugar normal. Um hospital não estaria tão repleto de vidros e plantas exóticas. E ao fundo, uma parede toda mostrava um mundo totalmente novo a eles, com pequenas naves voando a distância e edifícios que pareciam mesclar-se com a natureza. Por isso, com cuidado, perguntou:
― Onde acha que estamos, Ange?
Ela pensou um pouco, sua testa se franziu como se estivesse lutando com o que passava por sua mente. Ele era capaz de compreender isso. Quando finalmente respondeu, soou mais como uma outra pergunta:
― Não estamos na Terra, não é? Estamos em um lugar chamado Payre.
― Sim, estamos. Sabe por que nos trouxeram até aqui?
Nova pausa. A voz suave saiu com mais firmeza dessa vez.
― Então não foi um sonho, tudo o que me disseram sobre os Três Deuses e esse mundo foi real, certo? Estamos realmente em um Planeta que está em guerra, e vamos fazer parte disso. – Os olhos violetas o encararam cheios de confiança e uma sombra de súplica. – Acredita mesmo nisso Alexis?
O Príncipe tocou a face macia, devolvendo a mesma confiança em seu olhar direto. Mas não podia atender o pedido por outra verdade que não aquela que tinha para lhe dar.
― Sim, acredito. Infelizmente é o que está acontecendo, mon chéri.
Ela fechou os olhos, parecendo vencida. Alexis sabia que havia destruído a mínima parcela de esperança que ela poderia ter de que era apenas um sonho o fato de estarem em Payre. E ainda que, assim como ele, a aceitação fosse sem traumas aparentes, as pequenas mãos tremeram, por isso ele colocou-as entre as suas, apertando-as com força, para mostrar que estava ao seu lado, que não estava sozinha. Quando Angel voltou a fitá-lo, agora parecendo mais calma, Alexis continuou.
― Além disso, nós dormimos por quase quatro anos, Ange.
Ela o encarou por um longo tempo, primeiro chocada, após piscar vezes seguidas sua expressão foi se alterando, então balançou a cabeça afirmativamente, um brilho diferente tomando todo seu rosto.
― Certo. Agora eu tenho vinte e cinco, talvez vinte e seis anos?
Para surpresa de Alexis, ela sorriu. Lágrimas começaram a correr por seus olhos, mas ela continuava sorrindo. Preocupado com outra possível crise, ele tentou fazê-la deitar-se novamente.
― Não! Não! Eu quero me levantar!
― Você não está bem. Precisa descansar. Vou chamar um Curador para ver qual é sua condição.
― Eu estou bem Alexis. Sério. – Angel o encarou, seus olhos ainda úmidos pelas lágrimas vertidas. – Eu apenas estou feliz. Sei que a situação é pra lá de bizarra e tudo o mais. Mas imagine só, desde os meus oito anos me diziam que eu mal passaria dos vinte anos. Que eu já estaria morta. Eu passei todos os demais anos da minha vida me imaginado morta com essa idade. Consegue entender isso? Consegue imaginar isso, Alexis? Eu estou viva!
Ele não respondeu. Ergueu-a da cama e a envolveu em um abraço apertado, tomando o cuidado para não machucá-la e não deixá-la sobre as próprias pernas.
Com o rosto enterrado entre as mechas prateadas, Alexis murmurou:
― Eu não sou capaz de entender completamente o que passou. Ninguém poderia. Mas da mesma forma, você não é capaz de compreender o que eu senti quando descobri que você estava viva. Que eu estava em um mundo no qual ainda seria capaz de encontrá-la.
Alexis a afastou apenas o suficiente para beijá-la. Além do carinho, havia uma inegável mistura de desespero e alegria. Havia gosto de sal nos lábios deles, mas era o beijo mais doce que já tinham compartilhado.
Eles estavam juntos, e naquele momento, era a única coisa que realmente importava.
***
― Angel!
Ela ouviu um resmungo. Sinceramente não foi capaz de determinar a origem, se foi de Alexis ou dela.
Quando Alexis se afastou, ainda mantendo-a erguida no ar em um abraço firme, ela virou a cabeça para identificar quem tinha sido insensível o suficiente para interromper aquele comovente encontro dos dois.
Choi. Claro.
Espere. Choi?
― O que você está fazendo aqui? - Perguntou, chocada com a visão do coreano tagarela.
Sorridente, o rapaz se aproximou, ignorando totalmente a expressão irritada de Alexis.
― Ora, é bom ver você também! Como tem passado? Vejo que continua uma nanica. - Angel exibiu os dentes numa carranca e Choi sorriu mais ainda. Dando de ombros acrescentou. - Sou apenas mais um tripulante nessa loucura toda! Seja bem-vinda à bordo!
Angel piscou rapidamente diante da afirmação. Alguém havia lhe explicado em uma espécie de sonho, que eles tinham sido enviados até ali para cumprir uma missão. Quatro humanos escolhidos.
― Quem mais está aqui? Outro aluno perdido da Alpha?
Choi deu uma rápida olhada para Alexis, então respondeu:
― Lembra a princesa indiana que conheceu no Baile?
― Ah, sim. Lali. Certo, mais alguém que eu conheça? - Angel recostou-se em Alexis sem nem perceber que o fazia.
― Hum, na verdade mais dois. Ren e Mona.
O olhar de Angel se tornou sombrio e ela esbravejou em indignação:
― Só pode estar me zoando! - Angel tentou se libertar de Alexis, mas ele continuou a segurando firme no ar. - Me solte. Quero descer! - Ela gritou, sem conseguir se mover.
― Você não está forte o suficiente, não será capaz de se firmar com as próprias pernas ainda. Dentro de alguns dias estará pronta pra isso. Agora é melhor voltar para a cama. - Alexis respondeu, mantendo a voz calma para tranquilizá-la.
― Não! Sabe que não vai conseguir me deter. Eu quero ver aquele cretino do Ren!
Eles ficaram se encarando por algum tempo, então Alexis resmungou:
― Garota idiota e teimosa.
Ele a levou até o chão com delicadeza e continuou a segurando pela cintura. Angel tentou dar um passo, mas suas pernas cederam, sem equilíbrio segurou-se em Alexis que prontamente a amparou. Irritada, ela tentou novamente, mas o resultado foi o mesmo. Já ia para a terceira vez, quando foi erguida como uma pluma e mais rápido do que esperava, já estava sobre a cama na qual acordara antes.
― Escute aqui, Angel. – Alexis usava a sua conhecida voz baixa e fria, indicativo de que estava perdendo a paciência. Tão familiar a ela. – Você vai ficar nessa cama até ser examinada por um Curador. Se sequer passar por essa cabeça de pedra sair daqui, vou fazer com que lhe deem algo para dormir até estar totalmente recuperada mesmo que leve mais quatro anos, entendeu?
Os olhos violetas brilhavam como as chamas do inferno. Não havia nenhuma concordância ali. Indignada ela praticamente gritou:
― Quem você pensa que é para fazer isso?
― Hum, na verdade ele é, tipo, o Príncipe daqui também. É até meio engraçado isso, sabe. Ah, e o Todo-Poderoso-Salvador. – Choi quase sussurrou.
Angel cruzou os braços, sem desviar os olhos de Alexis.
― Nossa. Agora fiquei impressionada. – Mas a expressão dela não exibia nada além de rebeldia.
Alexis estreitou os olhos. O azul ficou quase negro.
― Vamos esclarecer algumas coisas. Primeiro. Comparada a Ren, no momento você não passa de uma indefesa gatinha. Eles têm treinado e passado por adaptações a esse mundo durante meses, enquanto você apenas dormia. Segundo. Entendo a raiva que sente, mas a prioridade é ficar totalmente curada e fortalecida. Terceiro. Não me obrigue a matar aquele infeliz.
Não havia qualquer hesitação nas palavras e na postura de Alexis, por isso Angel sentiu sua raiva esfriar. Encarando-o com firmeza, disse:
― Eu não quero ver ele.
― Você não vai ver. Eu prometo - Alexis respondeu com firmeza.
― Certo - aquiesceu contrariada.
Sem dizer mais nada, ela fechou os olhos.
― Ah, Angel. – Era a voz de Choi. – Talvez possa ajudar a ter bons sonhos saber que Alexis quebrou a mandíbula do Ren assim que o viu aqui em Payre. Fez até um "treck" na hora. Ele chorou feito um bebê, então desmaiou. Simplesmente caiu durinho pra trás, nem deu tempo de segurarem o infeliz. Bem, não que alguém tivesse tentado, na verdade. Foi bem hilário.
Mantendo os olhos cerrados, Angel sorriu.
― Sim, isso vai me fazer dormir melhor. Obrigada Choi.
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