2 - Despertar
Angel. Ela não estava morta.
Naquele mundo, em Payre, ela não estava morta.
Ainda que estivesse surpreso com quem também estava ali, Alexis só conseguiu focar sua atenção na possibilidade de ver Angel novamente.
― Como ela está? - As perguntas se amontoavam em sua cabeça, mas aquela era sem dúvida a mais importante. Essêncial.
A Rainha fez sinal para duas pessoas da equipe de branco. Eles se apressaram em seguir à frente do grupo, que voltou a se deslocar. Dessa vez Alexis manteve-se por conta própria, ainda que sentisse os efeitos de seus esforços a cada golfada de ar enquanto caminhava decidido sobre o piso espelhado.
Por sorte, apenas alguns passos depois todos pararam novamente em frente a uma sólida parede com intrincados detalhes em prata, como se fossem milhares de ramos contorcidos e entrelaçados. Contudo, logo descobriu que era na verdade uma porta, que não se abriu, ela simplesmente sumiu. O material, que ele tinha imaginado ser um tipo de metal prateado, simplesmente se derreteu, do meio para as bordas. Voltando ao normal quando eles passaram por ela.
Quando o grupo entrou em uma ampla sala oval, ele deixou de questionar as coisas à sua volta, pois, dentro de um dos gigantescos tubos de vidro, que ocupavam todo o espaço disponível do lugar, estava Angel.
Ela se encontrava dentro de um enorme aquário, cheio de água. Era provável que ele também tivesse sido colocado em um daqueles tubos. Ainda recordava do desespero que sentido ao se perceber preso ali dentro. Preocupado com essa ideia, se aproximou mais, observando que Angel estava de lado, seu corpo nu em posição fetal. Os braços abraçavam as pernas enquanto seu rosto repousava sobre os joelhos. Seus cabelos prateados, bem mais longos do que ele tinha visto da última vez, flutuavam suavemente ao seu redor quase a cobrindo por completo.
― Por que ela está ali dentro? – Ele perguntou sem desviar os olhos da imagem à sua frente. Todo seu corpo gritando para tirá-la de lá. Mas aquele era um lugar cheio de particularidades, precisava entender o que acontecia para não machucá-la.
― Ela está se recuperando da viagem, Alteza. – O homem com cabelos flamejantes respondeu. – Todos vocês foram colocados nessas cápsulas de cristal quando chegaram em Payre. Foi uma jornada muito longa e difícil, que prejudicou tanto seus corpos quanto suas essências. Dentro dessas cápsulas, a água de Payre foi capaz de curá-los e mantê-los estáveis até que pudessem recuperar a consciência.
Alexis observou que havia mais cinco tubos, todos estavam vazios, com exceção daquele no qual mantinham Angel.
Por que ela era a única ali? Onde estavam os outros?
Se havia entendido bem, aquele equipamento era para auxiliar na recuperação de certos danos, assim sendo, os demais que haviam ido com eles também deveriam estar naquela sala. Talvez, assim como no caso dele, eles não precisassem mais do estranho tratamento. O significado que aquilo poderia ter o fez reagir.
Alexis virou-se para a Rainha. Aquela que no sonho tinha dito ser sua mãe. Uma mãe que estava viva. Sacudindo a cabeça ele procurou deixar isso de lado. Não era capaz de assimilar tantas informações inacreditáveis. Para ele aquela história todo dizia respeito a outra pessoa. Um outro sujeito era o tal Predestinado, não ele. Ele era apenas Alexis e sua prioridade naquele momento era saber o que estava acontecendo com Angel. Depois pensaria na loucura toda à sua volta.
― Disse que vieram mais humanos conosco, então por que a Angel é a única que está aqui?
― Os demais estão bem e nesse momento os estamos ajudando na adaptação a esse mundo. Logo poderá vê-los. – A Rainha Syka olhou para a garota Humana dentro do tubo de cristal. – Angel ainda está lá porque foi a única que não recobrou a consciência.
― O que isso significa? – Alexis também olhou para Angel. Sua voz traiu sua ansiedade, assim, respirou fundo para manter o controle sobre suas emoções. Ele tinha que manter o controle.
― Também não sabemos. – Ela passou as mãos pelos cabelos, denotando uma frustração que o pegou de surpresa.
Era estranho ver a Rainha agir de forma tão "natural". E, ainda mais desconcertante, perceber nela um gesto parecido com o que ele próprio fazia com frequência em situações semelhantes, como uma vez Angel já havia observado.
Contudo, mais uma vez puxou todo o ar que conseguiu, buscando dessa maneira manter o foco. Alexis precisava disso, ou enlouqueceria ali. Fechando os punhos com força, a ponto de machucar suas juntas, perguntou com o máximo de domínio de si mesmo que pode juntar:
― Não sabem? Não foram vocês que planejaram tudo isso?
― Nós apenas seguimos as orientações deixadas pelos Serines.
Syka finalmente o encarou, mas Alexis lançou sua própria atenção novamente para Angel.
― Quatro. A história falava em quatro humanos. – Ele murmurou, uma ideia tomando sua mente e fazendo-o sentir um já familiar sentimento de medo. – Choi, Rembrandt, Monalisa e Esha Lali. Quatro. Não cinco. Quatro.
― É isso que também não entendemos. Por que vieram cinco? - A Rainha daquele mundo também olhou para Angel com ar intrigado, como se aquela pergunta lhe fosse muito familiar.
― Bem, temos algumas teorias. – Uma das mulheres ruivas falou. – Pode ser, por exemplo, por causa dos gêmeos. Rembrandt e Monalisa. Talvez eles compartilhem a mesma essência.
― Sim. – Aquele que parecia o líder da equipe branca concordou. – Isso é possível, pois não sabemos exatamente como funcionou a transferência da essência da Deusa Ashy. Então faria sentido serem cinco. Além disso, os próprios Serines deixaram registrado que seis cápsulas deveriam ser construidas. Eles sabiam que viriam seis pessoas e não apenas cinco. - Ele piscou seus estranhos olhos roxos – Mas isso não explica o porquê da inconsciência da Humana.
― Fizemos algumas análises sobre isso. – O outro sujeito ruivo também se aproximou do grupo. – Angel estava fragilizada quando veio para cá, ela estava praticamente... morta. – Ele lançou um olhar cor de ameixa cheio de desculpas para Alexis. – Talvez a única coisa que a mantenha viva agora seja a água de Payre e esse longo tempo é porque muito precisa ser curado.
Alexis observou as singulares figuras à sua volta, todos retribuíram o gesto com diferentes graus de curiosidade, com exceção dos frios olhos cinzentos do homem de trança escura. Ali só havia desprezo. Alexis não sabia qual a justificativa para aquela antipatia aparentemente gratuita, e honestamente estava pouco se importando. Tudo que queria daquelas pessoas eram respostas.
― Se não sabem exatamente o que está acontecendo e tudo o que tem são possibilidades, quer dizer que não fazem a mínima ideia se Angel vai despertar, é isso? - questionou ele por fim.
Silêncio.
Frustrado, temeroso e com suas forças se esvaindo cada vez mais rápido, Alexis questionou, a ninguém em particular:
― Há quanto tempo ela está assim?
― Três anos. – A Rainha respondeu. – Vocês todos chegaram há três anos.
Alexis sentiu sua cabeça ficar leve, mas manteve-se firme. Mesmo quando o latejar em suas têmporas se tornou quase insuportável, ele apenas levou uma mão até a testa, em um gesto mais de impaciência do que de dor, ainda assim, foi imediatamente cercado por mãos preocupadas. O que deixou excessivamente irritado.
― Me soltem! - gritou, finalmente perdendo a compostura.
Todos se afastaram, apenas um par de mãos femininas, muito frias, manteve-se firmemente em seu braço.
― Alteza. - Era a mulher de cabelos azuis, aquela que sempre estava ao seu lado quando ele acordava. – Seria melhor voltar para o quarto e descansar. Esteve por três anos completamente inativo, precisa repousar ou entrará em colapso.
Alexis apenas a fitou, seus olhos azuis gelados, tanto quanto suas palavras.
― Me solte. Agora.
Ela o largou, exibindo uma expressão estranha, como se estivesse ofendida. Ou magoada.
Ignorando o grupo que se manteve distante, Alexis foi em direção a cápsula na qual estava Angel. Quando se aproximou o suficiente, ergueu a mão e tocou no cristal. Seu coração se contorceu, uma mistura de alegria e pesar. Ela ainda estava viva, ainda estava com ele, mas ao mesmo tempo tudo era incerto e obscuro.
Pela segunda vez, soube o que era sentir medo. Encontrava-se em um mundo desconhecido, cercado por seres que não eram humanos, atordoado com uma gama de informações sobre si mesmo que não era capaz de absorver, sobre as quais não era nem capaz de pensar. Não sabia se sonhava, se estava em algum tipo de pós vida sobre o qual nunca tinha ouvido falar. Estava desorientado. Mas o pior, o mais assustador. Estava prestes a perdê-la. De novo. Não podia, ela não devia fazer isso com ele.
― Nem pense em me deixar sozinho em um lugar desses, Angel! – Sua voz soou mais alta do que gostaria, mas já havia passado do limite de controle de suas emoções. – Acorde! – Suas duas mãos abertas pressionaram o vidro com força, como se assim pudesse alcançá-la. – Vamos lá, vai realmente perder pra mim dessa forma? Eu disse que era mais fraca do que eu, sua arrogante! Acorde! Acorde, droga!
Alexis notou que alguma coisa havia mudado quando todos começaram a falar ao mesmo tempo. Mas o que realmente lhe chamou a atenção para algo incomum foi a vibração que sentiu sob suas mãos. Pequenas luzes começaram a piscar na água, cercando completamente o corpo de Angel.
Ele sentiu o delicioso calor da esperança o aquecendo. Sua Angel jamais admitiria uma derrota fácil assim. Principalmente para ele. Aquela pequena orgulhosa.
― Ela está sonhando! – Alguém disse ao seu lado.
Sem tirar as mãos do vidro, ele olhou para o homem que observava fascinado imagens brancas como nuvens, em uma espécie de tela.
― O que isso significa? - questionou ele um tanto perdido pelo comentário tão fora de propósito.
― Significa que ela, pela primeira vez desde que chegou a Payre, está consciente!
― Poderemos monitorá-la, ajudá-la a se recuperar e lhe fornecer acompanhamento para se adaptar ao nosso mundo. – Uma das mulheres ruivas acrescentou, também absorta nas imagens.
Alexis já estava prestes a fazer uma nova pergunta, mas calou-se quando viu a imagem de si mesmo se formando em meio ao que agora parecia uma neblina. Angel estava sonhando com ele.
Outra pessoa apareceu na tela, através de uma confusão de cores e sombras. Era uma mulher oriental, rindo alegremente, enquanto fazia uma trança nos longos cabelos louros de uma Angel ainda criança. Aquela certamente era Hye Kyo.
Em seguida, seu rosto apareceu novamente, agora adormecido sobre um travesseiro, banhado pelo luar, ele reconheceu o próprio quarto na Alpha. Dedos pequenos e pálidos delinearam lentamente seus traços, parando nos lábios. Após beijá-lo, ela encostou o rosto junto ao seu e também adormeceu.
Alexis não foi capaz de afastar os olhos daquela cena. Precisava da familiaridade e das emoções que Angel lhe provocava para manter a sanidade. Quando sentiu seus olhos piscarem, cada vez mais frequentemente, percebeu que estava no limite das suas forças. Suas pernas fraquejaram, então apoiou a testa no cristal, entre as mãos ainda mantidas ali. Em sua cabeça cheia de temores, receava que se quebrasse o contato com ela, Angel poderia voltar a dormir. Por isso, quando perdeu a consciência, Alexis deslizou até o chão, apoiado no cristal em que ela estava. Caído e totalmente apagado, uma de suas mãos permaneceu espalmada sobre a superfície fria, nunca se afastando dela, seu corpo enrolado junto aos pés da cápsula.
Quando os dois homens se aproximaram para carregá-lo dali, a Rainha Syka, assombrada, percebeu que a tela dos sonhos subitamente havia se apagado.
E um par de olhos incrivelmente violetas estavam focados em Alexis.
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