10 - Anjo... Não, Demônio!
Choi levou um susto quando a porta da sala de Alexis abriu. Já tinha espantado dois curiosos além da Mona, e mais um entregador. Ele havia levado um carrinho cheio de coisas gostosas, então após pegar um belo pedaço de frango e um bolinho para si mesmo, afinal, estava a trabalho ali e precisava pelo menos de alguma recompensa, discretamente abriu a porta e o colocou na sala de Alexis. Por isso acabou ficando meio sonolento, pois encheu a barriga com as delícias que surrupiou. Mas, acordou totalmente quando viu Angel Lancaster saindo, parecendo meio estranha enquanto vestia o moletom, às pressas. Quando ela olhou distraída para o lado, o viu, e seus impressionantes olhos violetas ficaram irritados na mesma hora.
― O que foi? Está guardando a porta do Príncipe? É o cachorro real por acaso?
Choi era muito bom em perceber o humor das pessoas, por isso logo notou que ela estava transtornada com algo e ele tinha se tornado apenas alguém disponível para descarregar sua frustração. Então o rapaz respondeu da forma que considerou a mais adequada ao momento.
― Au-au. – E sorriu.
Angel arregalou os olhos espantada. Contudo, quem ficou mais surpreso foi Choi, quando a garota também sorriu, enquanto duas grossas lágrimas escorriam pela face de porcelana.
― Desculpe, Choi.
E ela saiu.
O coreano tagarela ficou mudo tentando assimilar o que tinha acontecido. Ainda estranhando tal atitude, entrou na sala de Alexis.
Assim que conseguiu ajustar sua visão a pouca claridade, notou o carrinho de comida bagunçado e os pratos sobre a mesinha de vidro. Isso era bem esquisito, nunca tinha visto aquela sala mesmo que levemente desorganizada. Agora tinha até mesmo um garfo jogado pelo chão! Cara, o tapete tinha manchas de molho! Alguém ia ser pendurado com certeza. Mas ao dar mais alguns passos encontrou Alexis sentado no chão, em frente a mesa, com as costas apoiadas no sofá olhando para um ponto qualquer do tapete.
Aproximou-se um pouco mais, percebendo que Alexis continuava a ignorar sua presença. Choi já estava repensando seu plano idiota de atrapalhar o príncipe, que já não era lá muito paciente normalmente, para dar más notícias, quando Alexis disse em tom muito baixo:
― Choi, pode fechar a porta quando sair? - pediu Alexis, seco.
Nada como a boa e velha frieza do "amigo" para ele se sentir novamente em casa e não em um universo paralelo.
― Pode deixar que já estou caindo fora! Só queria dizer que estão circulando histórias bem bizarras por aí. Umas coisas realmente dignas da seção de ficção, por isso vim para avisá-lo. Só que quando entrei encontrei, hãm... Bem, achei melhor evitar que outros viessem até aqui, porque as coisas já estão fora de controle o suficiente. Tipo, que você apanhou da Lancaster e tal. - Choi não pode evitar uma risadinha.
― Eu caí. – Alexis não se mexeu, continuou observando o tapete.
― Certo, posso dar um jeito da galera saber sobre isso. Mas ainda vão falar. E muito. Afinal foi uma cena e tanto, aquela que rolou durante a prova.
― Angel me disse que estava passando mal novamente, por isso a carreguei.
― Hãm... Ela estava gritando, sabe. Parecia bem... vigorosa.
― Ela não gosta de receber ajuda.
Choi coçou a cabeça indeciso. Alexis não era de ficar inventando desculpas. Mas havia outra coisa que o rapaz queria comentar. Só tinha receio por sua vida.
― Eu vi que ela saiu a pouco daqui. – ele começou hesitante – parecia bem... Exaltada.
Diante do silêncio de Alexis, acrescentou rapidamente:
― Angel estava chorando.
Pela primeira vez Alexis olhou para ele e Choi ficou admirado com a variedade de emoções que havia naqueles olhos, os mesmos que sempre pareceram tão glaciais. O Príncipe disse quase sussurrando:
― Acho que fiz uma grande besteira. E sei que é realmente grande porque mesmo sabendo disso, não consigo me arrepender.
Choi não soube o que dizer. Alexis fazendo algo idiota? Isso era possível? Tudo bem, ele corria o risco de soar como um baba ovo de plantão, ainda assim era difícil imaginar aquilo.
O Príncipe se levantou e, passando as mãos pelos cabelos, pegou sua camisa amassada no sofá e a vestiu. Parecendo totalmente imerso em seus pensamentos, enquanto saia da sala, apenas falou:
― Obrigada, Choi.
E se foi.
Então Choi colocou as mãos nos bolsos e foi em direção à saída também, dessa vez cantarolando uma música nupcial. Estava muito curioso quanto ao que aconteceria nos próximos dias na Alpha. Nunca tinha sido tão interessante estudar na prestigiada instituição.
***
Alexis estava na aula de História quando seu telefone vibrou. Ele leu a mensagem "Angel foi vista nadando nua na piscina olímpica".
― Droga!
Sem reparar no assombro dos outros colegas, Alexis saiu da sala, ignorando até mesmo o professor, enquanto levava o celular aos ouvidos.
― Diga para desligarem todas as câmeras! Também bloqueiem as entradas, estou a caminho!
Como fora ingênuo! Aquela garota era um demônio! Fazia apenas uma semana desde que fizeram o acordo e ela já havia sido responsável pelas coisas mais absurdas que ele já vira. Ren, que sempre fora o maior incômodo na Alpha, parecia até uma criança fazendo travessuras perto do que Angel era capaz.
Para ficar a par de tudo o que ela iria aprontar, Alexis havia solicitado que tudo o que Angel fizesse fosse relatado primeiramente a ele. Então, ele tentava minimizar a situação indo pessoalmente ver no que ela estava metida, solicitava o envio de um comunicado do que havia acontecido para George Lancaster e dava o caso por encerrado. Parecia algo simples. Mas ela era insana!
Enquanto aguardava o elevador, Alexis começou a enumerar os feitos da garota ao longo daqueles últimos dias.
Ela havia escalado a parede do Prédio Central. Às 2h da manhã! Como isso feria claramente o acordo de não se colocar em risco, Alexis a questionou e como resposta foi apresentado para o professor de Escalada que ela havia chamado. No nome de Alexis. Ninguém a questionou sobre isso por que todos pensaram "quem seria idiota o suficiente para solicitar algo em nome do príncipe, se não fosse realmente verdade?" Claro, quem autorizou, não conhecia Angel!
Depois ela fez algo bom, se é que poderia considerar uma boa ação, cobrir um dos melhores jogadores de futebol da Alpha com tinta e marcá-lo na testa com a palavra "otário" em vários idiomas, usando caneta permanente, que provavelmente só sairia, com sorte, dali um mês. Sem falar que o sujeito, com quase dois metros de altura, estava bastante machucado. Ele afirmou ter rolado pelas escadas por causa da tinta. Ninguém acreditou. Não tinha nenhuma escada naquela sala. Em sua defesa, Angel alegou que estava dormindo na sala de Artes quando viu uma garota tentando se livrar do rapaz. A garota em questão admitiu que estava sendo assediada sem permissão e que Angel a havia ajudado. O garoto recebeu uma advertência, e Angel também, claro.
Alexis foi acordado às cinco da manhã, em outra situação. Angel estava bêbada e cantando, a plenos pulmões, músicas em coreano, ou algo parecido, pelos corredores do dormitório feminino. As meninas haviam feito alguns vídeos que acabaram se tornando um grande sucesso na internet, pois a voz da garota, mesmo arrastada pela bebida, era impressionantemente bela. Choi adorava dizer que era o fã número um dela e ficou bastante admirado com a pronúncia perfeita de Angel na sua língua natal. Para irritação de Alexis, ele estava sempre cantarolando algumas das canções que fizeram parte do repertório alcoolizado da garota.
Alexis desceu do elevador e seguiu às pressas para o corredor que o levaria para a passagem do Complexo Esportivo. Nunca teria cogitado o quanto Angel poderia ser maluca. Tudo bem, o histórico dela era uma pista, mas as informações eram sempre muito vagas ou não tão impactantes, do tipo "expulsa por agressão", "expulsa por vandalismo". O Príncipe acelerou os passos. Exceto por uma delas. Havia sido o "expulsa por porte de drogas e arma de fogo", "envolvimento em incidente criminoso" que o haviam preocupado. Mas a reação de Angel quando ele tocou no assunto o intrigou e o fez questionar o que realmente havia acontecido. Mas, graças ao que tinha prometido, ele não podia perguntar a ela. Inferno!
Angel lhe causava muita dor de cabeça, tendo que correr de lá para cá para evitar maiores danos, solicitando pessoalmente as cartas de advertência que seriam enviadas para George e recebendo os olhares confusos de todos. Os professores e colegas percebiam a óbvia proteção que ele fazia e a reitora parecia absolutamente curiosa com a situação, embora não o questionasse, tanto por sua condição de Príncipe quanto pela generosa contribuição financeira que fazia para as pesquisas institucionais.
Ainda assim, o mais assombrado com tudo era ele próprio, pois não se via arrependido da decisão tomada. Sabia, como tinha dito a Choi em outro momento, que estava fazendo uma enorme besteira. Estava certo de que essa situação o deixava cada vez mais distante do seu objetivo inicial, de ser alguém imune a sentimentalismos e emoções fugazes e baratas. Contudo, de certa forma, nunca tinha se divertindo tanto.
Quando a pegou escalando a parede naquela madrugada, de alguma maneira, ela o convenceu a participar e foi uma experiência memorável. Angel tinha a capacidade de fazer isso com ele. Fazê-lo repensar sobre o que considerava o mais adequado. E ele mergulhava de cabeça nesse mundo sem lógica que ela lhe apresentava.
Ao vê-la embriagada e cantando daquela forma, na outra aventura amalucada dela, Alexis havia rido como nunca. Tinha solicitado que uma das responsáveis pelo dormitório a levasse para o quarto. Queria ter feito isso ele próprio, mas não queria que fossem feitos comentários sobre Angel ser levada bêbada para o quarto por um cara. Mesmo que fosse ele. Havia prometido a ajudar arruinar o nome dos Lancasters, mas não à custa do nome dela, ainda que Angel tivesse dito que não se importava. Em uma reunião que comparecera recentemente tinha calculado muito bem o que passar para os ricos empresários. Quando mencionou os incidentes com a nova aluna da Alpha, fez questão de censurar a falta de apoio do avô e da família para com um membro tão fragilizado.
Angel poderia querer sua cabeça se soubesse que ele a chamou de "frágil", mas Alexis sabia que no fundo ela era mesmo alguém para se lidar com jeito, caso contrário quebraria em muitos pedaços. Por isso cada vez mais acreditava na ideia de que tudo o que ela fazia, no fundo não passava de uma tentativa desesperada em chamar a atenção. Em pedir ajuda.
Angel, Alexis pensou, estava a procura de alguém que se importasse com ela.
E ali residia seu maior dilema. Pois o que ele estava fazendo? Estava se importando. Quando prometeu a si mesmo não fazer isso.
Sim, ela era o maior problema que ele já tivera na vida. Mas era também... – Alexis fez sinal para o segurança e ele abriu a porta que levava às piscinas para o Príncipe passar, a fechando em seguida.
Lá estava Angel, o fitando da borda com seus encantadores olhos violetas e sorrindo como só ela era capaz de fazer.
Angel era a coisa mais incrível que já tinha acontecido na sua vida.
***
{Payre}
Khor apoiou o queixo na mão e continuou a observar distraidamente a mulher que engatinhava pelo chão, como um frágil e indefeso filhote. Mesmo naquela situação, nua, ferida e desamparada, ela mantinha sua exótica beleza. O lindo rosto de cristal, com os dois buracos vazios, eram a prova de que a Oberoh já não era mais tão poderosa quanto sua posição poderia sugerir, pois os poderes dela haviam sumido quase que por completo, junto com seus olhos. Basicamente havia restado apenas o suficiente para mantê-la viva. Ele passou levemente a mão pelos longos cabelos azul cobalto da prisioneira, que ficou absolutamente imóvel ao receber seu toque. Sim, mantê-los o agradava, era divertido acariciar os fios macios como afagaria um animalzinho amoroso. Se ele tivesse um. E ao pensar na palavra "amoroso" riu da própria piada.
A Duquesa de Rinka passou apressada pelas portas do seu aposento, interrompendo suas divagações.
Ela deixou transparecer o desgosto que a cena lhe causava. Khor riu, provavelmente estava irritada por não ser ela própria, ali, placidamente recebendo seus afagos. E, claro, bem mais do que isso. Ele sabia que a Deiroon era deliciosamente habilidosa em agradar um homem, ou mulher, mais do que qualquer uma, contudo era também muito possessiva. Detalhe que ele procurava não incentivar, afinal, ela era uma excelente aliada e preferia mantê-la por mais tempo ao seu lado. De preferencia, viva. Bem viva.
― Majestade, os espiões trouxeram novas informações. Parece que uma agitação suspeita tem tomado o palácio de Sylesth ultimamente.
A voz rouca era tão sedutora quanto sua figura de pele escura, cor de terra molhada pela chuva, e compleição forte. Suas longas pernas de coxas musculosas eram exibidas desde a virilha pelas fendas do vestido em tom de vermelho vibrante que usava. A peça única, uma tira cortada ao meio no pescoço, seguia aberta até metade da barriga, não se dando ao trabalho de cobrir os seios pequenos e bem feitos, passando ao lado deles e se prendendo na cintura de onde pendia um cordão dourado. Os Deiroons não tinham os aborrecidos pudores de algumas raças de Payre, tão preocupadas em apreciar tecidos e formas, quando a maior beleza estava na natureza de seus corpos. Assim como os melhores sabores, evidentemente.
Khor apreciou a forma como a Deiroon não conseguia evitar cobiçá-lo com seus olhos, enquanto passava seu relatório. O Rei de Narth era extremamente vaidoso de sua aparência e bastante consciente do efeito que sua figura esplêndida causava. Para provocá-la ainda mais, empurrou a escrava para o lado e se ergueu. A Oberoh soltou um leve gemido enquanto engatinhava pelo chão, perdida. Mas as correntes em seu pescoço e tornozelos, não a deixaram ir muito longe. Sem ligar para isso, Khor lentamente se aproximou da Duquesa.
― Por que agitação suspeita? - ele questionou enquanto tocava a orelha da mulher com a boca, sentindo seu aroma de terra banhada pela chuva.
―Porque um grupo conhecido como Guardiões, que até então tinha sido mantido absolutamente em sigilo pela Rainha Syka, tem sido visto em público mais vezes do que no século todo em que, segundo informações, foi criado. - A voz da duquesa tinha ficado mais baixa, mais íntima.
E os olhos verdes voltaram a cobrir cada parte do corpo grande e musculoso do Rei quando ele se afastou um pouco. Deslizaram por seus longos cabelos dourados, muito lisos, que colavam-se em algumas partes do peito amplo e das coxas robustas e nuas. Assim como o resto dele.
― E o que guardam, esses "Guardiões", minha bela Duquesa. - Khor começou a brincar com a corda dourada que segurava o mero pedaço de pano que a cobria.
― Ainda não sabemos - ela sussurrou.
― Então descubra. - O Rei a ergueu no ar, ignorando a presença Oberoh que havia se encolhido em um canto ao lado da luxuosa e enorme poltrona, na qual depositou a Deiroon. - Mas por agora, tenho outra missão para você.
O sorriso da Duquesa de Rinka mostrou que seria um prazer atender seu Rei.
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