Lembranças e decisões
MARINA ME OLHOU COM OS OLHOS MAREJADOS. SEM DIZER NADA, ELA SUBIU NO ÔNIBUS QUE ACABARA DE CHEGAR. Fiquei ali, parado, observando o ônibus partir, até desaparecer na curva. A imagem dela continuava a me perseguir, e um aperto no peito me acompanhava a cada passo.
Com o coração apertado, caminhei sem rumo ao pôr do sol. O céu se pintava de laranja e roxo, refletindo minha turbulência interna. As sombras dançavam ao meu redor, zombando da minha dor.
Finalmente, cheguei ao estacionamento do hospital. A passos lentos, me dirigi ao meu carro, buscando refúgio na familiaridade da máquina. Ao entrar, liguei o motor e deixei a música me levar para longe daquela realidade cruel.
Enquanto dirigia, meus pensamentos estavam concentrados em Marina. As ruas da cidade se desenrolam rapidamente, mas cada semáforo, cada cruzamento parecia trazer uma lembrança dela. O trajeto, que normalmente seria rápido, pareceu durar uma eternidade.
Ao chegar em casa, o cheiro da comida da Dora me puxou para a cozinha. Ela estava lá, cortando legumes frescos. O cheiro de temperos e ervas enchia o ar, trazendo uma sensação de aconchego. Por um momento, a dor pareceu diminuir, substituída pela familiaridade do lar.
Ao me ver entrar na cozinha, Dora parou o que estava fazendo e olhou para mim. Seus olhos se iluminaram com um brilho de surpresa e preocupação, mas ela disfarçou rapidamente com um sorriso caloroso.
— Oi, Dora — cumprimentei, tentando parecer mais animado do que realmente estava.
Ela retribuiu o sorriso com ternura, acenando com a cabeça em reconhecimento. A familiaridade do gesto trouxe um pouco de conforto em meio ao caos do dia.
— Oi, meu querido. Parece que você está cansado. Teve um dia difícil? — perguntou, olhando para mim com preocupação genuína.
Deixei escapar um suspiro e decidi abrir meu coração para ela:
— Dora, eu... eu não sei como dizer isso, mas a Marina voltou. Ela está no hospital do meu pai.
Um instante de silêncio pairou no ar enquanto Dora processava a informação. Seu rosto ficou pálido, seus olhos se arregalaram e ela engoliu em seco antes de perguntar com voz trêmula:
— Ela sabe que o hospital agora é seu?
— Não, ela não sabe. Na época em que ela partiu, meu pai ainda não era o dono — respondi, sentindo a intensidade das minhas palavras.
Dora assentiu, demonstrando compreender a complexidade da situação.
— E você vai contar para ela? — perguntou, com um olhar acolhedor.
Refleti por um momento, buscando a resposta mais honesta.
— Ainda não decidi. Já se passou tanto tempo e continuo tentando entender onde erramos.
Dora colocou a mão sobre o meu ombro, transmitindo conforto e sabedoria.
— Guilherme, o passado já se foi. O que importa agora é o futuro. Talvez seja hora de buscar respostas e seguir em frente.
Enquanto conversávamos, meu olhar se desviou para uma foto da Lorena em um porta-retrato na sala. Ela estava ao lado dos pais, Amélia e Peter Schneider, queridos amigos que fiz durante uma viagem de trabalho à Alemanha. A lembrança da tragédia que tirou a vida deles e deixou minha afilhada sem memória me inundou de sentimentos profundos, como se uma onda avassaladora tivesse tomado conta de mim.
— Dora, você viu minha afilhada? — perguntei, preocupado.
Dora sorriu, transmitindo calma e tranquilidade.
— Ela está no quarto, estudando. Disse que tem uma surpresa para você — respondeu, aliviando um pouco a minha preocupação.
Dei um beijo na bochecha da Dora e comecei a caminhar em direção ao quarto dela. O corredor estava silencioso, com apenas o som suave da minha respiração e o eco dos meus passos. A luz do sol da tarde se infiltrava pelas janelas, criando um caminho de luz que me guiava.
Ao chegar à porta do quarto, parei por um momento, reunindo meus pensamentos. Respirei fundo e bati levemente na porta. Ao ouvir sua voz suave me convidando para entrar, abri a porta.
Ela me recebeu com um sorriso. Ela se levantou, afastou os livros e olhou para o lado. Depois de um momento, ela decidiu e me deu um abraço. Seus cabelos brilhavam com a luz da tarde, e seus olhos mostravam uma pureza que me acalmava.
— Oi, tio Guilherme! Como você está? — Lorena perguntou, soltando-se do abraço devagar, um pouco nervosa.
— Foi um dia longo, mas estou bem. — respondi, tentando esconder minha preocupação. — E você, como está se sentindo?
— Estou bem, só um pouco cansada, sabe? — Ela disse, desviando o olhar e falando quase num sussurro.
— Cansada? Mas você sempre diz que adora estudar... — perguntei, intrigado com a mudança repentina no comportamento dela.
— Eu gosto, sim... mas às vezes é cansativo. — ela respondeu, brincando com os dedos, olhando para o chão. — E eu estava tentando me lembrar.
— Quer conversar sobre isso? — perguntei, reconhecendo a luta dela e oferecendo apoio.
Apesar das adversidades, eu via nela uma irradiação de pureza e inocência. Ela era resiliente, com uma luz que, aos meus olhos, brilhava mesmo nos momentos mais sombrios. Prometi a mim mesmo que estaria ao lado dela para superar seus desafios.
Ela levantou o rosto, seus olhos azuis pareciam levemente úmidos. Notei uma hesitação no olhar dela, como se estivesse lutando para encontrar as palavras certas.
— Eu... eu me sinto perdida. Parece que minha mente está... está contra mim. Não sei mais o que fazer — ela confessou, a voz embargada, revelando a vulnerabilidade que tentava esconder.
Acariciei o rosto dela e enxuguei suas lágrimas, tentando confortá-la. Ela se distanciou um pouco, como se estivesse com medo, mas logo voltou a olhar para mim.
— Você pode contar comigo. Você não está sozinha. Estarei com você — assegurei, embora uma suspeita começasse a se formar em minha mente.
— Obrigada, eu... eu não sei o que faria sem você. Desde que meus pais se foram... — a voz dela falhou, a dor da perda continua muito viva.
Tentei abraçá-la novamente para confortá-la, mas ela recuou. Ela parecia hesitante. O calor dela e a respiração dela, que antes me acalmavam, agora pareciam distantes. O mundo exterior desaparece, deixando apenas a incerteza do momento.
— Meu amor, não se preocupe, você vai se lembrar de tudo. Dora mencionou algo sobre uma surpresa? — perguntei, tentando mudar de assunto e esperando que ela se abrisse comigo.
Lorena levantou a cabeça e, com um movimento tímido, ela me entregou o desenho que estava sobre a mesa.
Ao abrir o desenho, fiquei maravilhado com o talento e a dedicação presentes em cada traço. Era uma obra de arte feita com amor, cada detalhe revelando a paixão dela pela arte.
— Uau, meu amor! Isso ficou incrível! — exclamei, admirado. Não conseguia tirar os olhos do desenho.
— Ah, que bom que você gostou. Deu um trabalhão fazer isso! Queria saber se podemos ir à praia amanhã? Acho que um pouco de sol e mar vai me fazer bem — ela sugeriu, com um brilho de expectativa nos olhos. A proposta dela trouxe uma nova energia para a sala, uma promessa de um novo dia e novas experiências.
— Claro, amanhã estarei de folga e vamos à praia! — Falei feliz.
Ela sorriu, radiante.
— Vai ser demais! — ela comentou animada.
Rimos e conversamos até a meia-noite, ansiosos pelo dia seguinte. A chegada dela trouxe nova energia para a casa. Com o primeiro raio de sol, ela já estava pronta para a praia, vestindo seu maiô favorito. Preparei nossas coisas para o dia: toalhas, protetor solar, lanches.
Chegamos à praia e minha afilhada correu para o mar, rindo. Tentei deixar os pensamentos sobre Marina para trás, me concentrando no som da risada dela e das ondas. Quando a noite chegou, ela saiu das águas, seus cabelos molhados brilhando ao pôr do sol.
— Tio, foi incrível.
Retribuí o sorriso, consciente de que cada momento de alegria era precioso. Cada risada, cada diálogo, cada abraço eram momentos inesquecíveis.
— Sempre que precisar, minha princesa! Estou aqui para você! — disse, olhando para ela com carinho.
No caminho de volta, ela cantava no carro, sua alegria afastando meus pensamentos sobre Marina. Enquanto a ouvia, decidi: iria reconquistar o amor da minha vida e entender nosso passado. Respirei fundo, focado no presente com Lorena e determinado para o futuro.
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