Laços de Confiança
MARINA TENTOU SORRIR, MAS EU CONHECIA AQUELE OLHAR. ALGO A INCOMODAVA, E NÃO ERA SÓ A PAOLA. PEGUEI SUAS MÃOS, SENTINDO QUE ELAS ESTAVAM TENSAS DEMAIS.
— Ei — falei baixinho, olhando para ela. — Se for por causa da Paola, fica tranquila. Ela não vai fazer nada contra a gente.
Ela olhou para o lado, mordendo o lábio como sempre fazia quando estava nervosa. Tentou falar algo, mas ficou quieta. Marina sempre guardava tudo para si.
— Só quero curtir a noite com você — ela disse, forçando um sorriso que parecia falso.
Suspirei e a puxei para um abraço, desconfiado. O cheiro dos seus cabelos me acalmou um pouco.
— Tudo bem. Mas quando quiser conversar, estou aqui — falei baixinho, dando um beijo na testa dela.
Ela concordou com a cabeça no meu peito, relaxando um pouco nos meus braços, mas eu sabia que algo estava errado. Mais cedo ou mais tarde, eu ia descobrir o que era.
[...]
Os dias no hospital passavam rápido. Entre plantões e emergências, eu não conseguia parar de pensar na Marina. Mesmo quando estávamos juntos, sentia que algo a preocupava.
Tentava não forçar, mas ficava ansioso. Quanto tempo ela ia esconder o que sentia antes de confiar em mim?
Naquele dia, enquanto olhava a ficha de um paciente, ouvi passos conhecidos. Levantei a cabeça e vi Paola chegando com aquele sorriso de sempre.
— E aí, Guilherme, como vai? — perguntou ela, ajeitando o cabelo.
Fechei a ficha com um suspiro, olhando para ela.
— Bem. O que você quer? — respondi, cruzando os braços.
Ela fez cara de ofendida, colocando a mão no peito.
— Nossa, que grosseria! Você era bem mais legal antes. Bastou aquela loira sem graça aparecer e...
Respirei fundo para não perder a calma, cortando antes que continuasse a falar coisas sobre a Marina.
— Paola, deixe a Marina fora disso. Nunca tivemos nada, para com essa obsessão — falei, mantendo a voz baixa.
Ela chegou mais perto, tocando meu braço com as unhas compridas.
— Sei que você gosta de mim. Que tal sairmos hoje? — disse baixinho, chegando mais perto.
Tirei a mão dela com firmeza, dando um passo para trás.
— Não, Paola — respondi, sem hesitar.
Seus olhos se fecharam um pouco, e o sorriso sumiu.
— Está me rejeitando de novo? — Ela fez cara de brava, cruzando os braços.
Balancei a cabeça, cansado daquela conversa.
— Nunca existiu nada entre a gente. O único "momento" que tivemos foi quando você me beijou à força. Podia ter te denunciado, mas não quis acabar com sua carreira. Entenda de uma vez: tô com outra pessoa.
Ela me encarou por alguns segundos antes de soltar uma risadinha e balançar a cabeça, como se eu fosse um caso perdido.
— Problema seu, Guilherme. Mas avisa a Marina pra tomar cuidado — disse ela com um olhar perigoso.
E saiu sem esperar resposta, o som dos sapatos ecoando pelo corredor.
Fiquei aliviado por me livrar dela, mas as palavras dela ficaram na minha cabeça. Eu precisava contar tudo para a Marina. Guardei a ficha e saí procurando por ela.
Andei pelo hospital todo, olhando cada corredor. Quando finalmente a vi, sem o jaleco branco, corri até ela e segurei sua mão, fazendo-a parar surpresa.
— Guilherme? O que foi? — Ela franziu a testa, vendo minha cara preocupada.
O corredor estava cheio demais para conversar. Olhei em volta e apontei para uma sala onde poderíamos conversar com calma.
— A gente precisa conversar — disse, levando para a sala de descanso.
Entramos e fechei a porta. Marina se sentou ao meu lado no sofá, com cara de preocupação.
— O que aconteceu? — perguntou ela, pegando minha mão.
Respirei fundo e fui direto ao ponto.
— A Paola veio atrás de mim de novo. Deu em cima de mim, me chamou pra sair e ainda falou coisas sobre você.
Marina levantou uma sobrancelha, fechando a cara um pouco.
— E o que você disse? — perguntou com voz calma.
Apertei sua mão, procurando seu olhar.
— Que ela não é nada pra mim e que só amo você. Mas fiquei preocupado porque, antes de sair, ela falou: "Diga para Marina tomar cuidado."
O rosto dela ficou mais suave. Ela colocou a mão em cima da minha, me acalmando.
— Não esquenta, Gui. Sei me virar. E obrigada por ser sincero — disse ela, sorrindo de verdade.
Sorri, aliviado. Marina sempre me impressionava com sua força. Aquele jeito dela de se impor era uma das coisas que eu mais gostava nela.
Antes que ela se afastasse, coloquei a mão na nuca dela e a puxei com carinho, beijando-a suavemente. O gosto dela, sua pele macia... tudo nela me fazia esquecer qualquer problema. Ela sorriu e me beijou de volta por um momento, antes de se afastar.
— Gui, estamos no hospital... — falou baixinho, olhando para a porta.
Passei a mão no rosto dela, aproveitando aquele raro momento de privacidade.
— A gente quase não tem tempo juntos. Tava com saudade — confessei, roubando mais um beijo rápido.
Ela riu baixinho, um som que eu adorava, e me abraçou, encostando a cabeça no meu peito.
— Também tava com saudade de você — falou bem baixinho.
O momento acabou quando a porta se abriu de repente. Hélio, um dos médicos mais velhos, entrou distraído e parou ao nos ver, claramente sem graça.
— Opa, não sabia que tinha alguém aqui — disse ele, virando-se na hora.
Marina se afastou de mim rapidamente, ajeitando o cabelo nervosa e disfarçando o sorriso.
— Já estamos indo — respondeu ela, pegando a bolsa.
Passamos por Hélio, que fingiu não ter visto nada, e saímos para o corredor. Quando nos afastamos um pouco, Marina me olhou preocupada, diminuindo o passo.
— Precisamos ser mais discretos. Ainda temos que contar pra Lorena sobre a gente — lembrou ela, falando baixo.
Entendi sua preocupação e passei o braço pelos ombros dela num gesto protetor.
— Guilherme — ela me chamou suavemente, se afastando um pouco, desconfortável com carinho em público.
Sorri, entendendo e respeitando seu espaço.
— Eu sei, Marina. Mas fica tranquila, nada de ruim vai acontecer. A gente vai tomar cuidado — prometi, tentando acalmá-la.
Ela sorriu e se despediu com um olhar firme, antes de voltar ao trabalho. Fiquei parado, observando-a se afastar, refletindo sobre as dificuldades que enfrentávamos. Mas estava seguro que, juntos, conseguiríamos superar tudo.
No fim do plantão, com o corpo cansado e a cabeça cheia, passei numa loja de brinquedos a caminho de casa. Queria algo legal para Lorena. Depois de andar pelos corredores por alguns minutos, achei um quebra-cabeça colorido com bichos. Era perfeito.
Quando cheguei em casa, encontrei a Lorena no sofá, vidrada no tablet. Ao ouvir a porta, ela olhou para cima e, ao me ver, seu rosto se iluminou. Largou o aparelho e correu até mim.
— E aí, padrinho? Como foi o plantão? — perguntou, animada.
Sorri, sentindo o cansaço diminuir um pouco com aquela recepção calorosa.
— Cansativo, mas agora tô bem — respondi, bagunçando o cabelo dela. — Trouxe algo pra você.
Tirei o pacote da sacola e dei para ela. Seus olhos brilharam enquanto rasgava o embrulho.
— Valeu, padrinho! Adoro quebra-cabeça! — exclamou, já olhando a caixa colorida.
Larguei a mochila no canto e sentei com ela no tapete. Começamos a espalhar as peças.
— Nossa, você é rápida! — comentei, impressionado com a habilidade dela em juntar as peças.
Ela sorriu orgulhosa, mas logo hesitou, segurando uma peça.
— Falei que adoro quebra-cabeça... — murmurou, antes de respirar fundo. — Tio, você acha que sou estranha por ser autista?
A pergunta me pegou de surpresa. Senti um aperto no peito ao ver a insegurança nos olhos dela.
— Claro que não! De onde tirou essa ideia? — perguntei, deixando as peças de lado para prestar atenção nela.
Lorena encolheu os ombros, olhando para o quebra-cabeça que ela já tinha montado e estava montando de novo.
— Depois que descobriram, a diretora conversou com a turma, mas ainda não tenho amigos... As crianças continuam me chamando de estranha — confessou, baixinho.
Cheguei mais perto e a abracei. Ela não se soltou, apesar de não gostar muito de abraços.
— Lorena, você é incrível. Vou falar com a diretora sobre isso — prometi, me afastando para em seguida olhar em seus olhos.
Ela me olhou com alívio, um sorriso tímido aparecendo.
— Valeu, tio — disse, mas aquelas duas palavras dizem muito mais.
Voltamos ao quebra-cabeça e logo Lorena começou a bocejar. O dia foi longo para ela também. Ela se levantou devagar e esfregou os olhos.
— Vou ir dormir agora, tô com sono. — anunciou.
— Boa noite, princesa. Amanhã a gente termina — respondi, vendo ela se afastar.
Fiquei ali sentado, olhando para o quebra-cabeça pela metade, pensando naquela menina incrível. Sabia que teríamos desafios pela frente, mas estaria ao lado dela em cada um deles.
Quando ouvi a porta do quarto fechar, prometi a mim mesmo que falaria com a diretora no dia seguinte. Precisava fazer as outras crianças entenderem. Não seria fácil, mas estava disposto a lutar por ela.
Com um suspiro cansado, levantei do sofá, guardei as peças na caixa e fui para o meu quarto. Amanhã seria um dia puxado.
Na manhã seguinte, acordei no primeiro toque do despertador, com a conversa com a Lorena ainda fresca na memória. Precisava ajudá-la, e isso significava reorganizar minha agenda. Tomei um café rápido enquanto me preparava para mais um plantão. Antes de sair, peguei o celular e mandei mensagem para Laís dizendo que ia me atrasar um pouco.
Guardei o celular e saí, determinado a resolver a situação quanto antes.
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