Entre batidas e respirações
O SOM DOS APARELHOS E O AROMA DE DESINFETANTE DOMINAVAM O HOSPITAL. A LEMBRANÇA DO BEIJO DE GUILHERME PERMANECIA EM MINHA MENTE QUANDO ME APROXIMAVA DE MARGARIDA, QUE APARENTAVA ESTAR AFLITA.
Ao me ver, ela suspirou de alívio, necessitando da minha ajuda para tratar um paciente com graves dificuldades para respirar.
Fui em direção à sala de emergência e Bernardo acompanhou-me de perto. Logo que entrei, um forte calor me envolveu. Um senhor de cabelos escuros estava sentado na cama, respirando com dificuldade. Um homem alto segurava a sua mão, com os olhos cheios de lágrimas.
— Boa tarde. — eu disse, colocando as luvas e me aproximando da cama. — O que o senhor está sentindo?
— Doutora. — disse ele com voz rouca. — Estou com dificuldade para respirar. Cheguei a desmaiar em casa. — Ele esboçou um sorriso fraco. Estou ficando velho para essas emoções fortes!
Um homem se aproximou, pousando a mão no ombro do paciente.
— Ele não consegue parar de tossir sangue. — disse Vicente, sua voz carregada de preocupação. — Sou o namorado dele, ele nem deveria estar brincando com algo tão sério.
— Obrigada pela informação. E você, qual o seu nome? — perguntei, me virando para Vicente.
— Vicente. — ele respondeu com um aceno simples, seu olhar fixo em mim.
— Em outra situação, eu adoraria saber mais sobre você, Vicente, mas agora, o foco é no Cássio. Precisamos fazer alguns exames nele.
Ao examinar o paciente, não pude deixar de notar a forte ligação entre ele e Vicente. Isso despertou lembranças de Guilherme, mas agora essas coisas pareciam tão distantes.
— Desculpe, amor. — o paciente murmurou para Vicente, sua voz fraca e embargada pela emoção.
Um silêncio pesado pairava no ar, carregado de apreensão e incerteza.
— Não precisa se desculpar. — Vicente disse, se inclinando para beijá-lo no topo da cabeça. — Só pare de me preocupar dessa maneira.
Para aliviar a tensão, tentei fazer uma brincadeira pelo jeito do Cássio e eu disse:
— Sabe, você me lembra o jeito de um professor.
Uma risada fraca escapou dos lábios do paciente, seus olhos brilhando por um instante.
— Na verdade, sou um professor aposentado. — ele confirmou, um sorriso fraco adornando seus lábios.
— Ele sempre encontra uma maneira de transformar tudo em uma aula. — Vicente acrescentou, sorrindo com admiração. — E adoro aprender com ele.
Eu retribuí o sorriso e disse:
— Que legal. — Parando por um instante com o estetoscópio em seu peito, observei uma pequena alteração em sua respiração durante o exame. Era uma mudança quase imperceptível para quem não estivesse prestando atenção, mas para mim, foi como um alarme disparando.
— Acredito que precisamos fazer um raio-x agora, tudo bem?
— Tudo bem, doutora. — ele respondeu com uma tosse fraca.
— Ótimo, só para garantir. — eu disse, solicitando um raio-x à enfermeira.
O técnico entrou na sala e pediu que todos saíssem, deixando somente o paciente e eu. Quando o exame ficou pronto, os resultados revelaram uma mancha preocupante nos pulmões do paciente. A notícia me atingiu como um soco no estômago, mas eu estava determinada a ajudá-lo. Chamei Bernardo imediatamente para uma segunda opinião.
— Dr. Silva, o que você acha dessa mancha no raio-x dele? — Falei ansiosa por uma resposta.
O Dr. Silva encontrou meu olhar com seriedade.
— Doutora Marina, pode ser uma série de coisas. — disse ele. — Analisaremos os resultados com mais atenção e, depois, decidir o próximo passo.
— Compreendo — respondi, buscando manter a calma.
Voltei minha atenção para o paciente, que me observava com apreensão. Ele segurava a mão de seu parceiro com força.
— Há algo errado nos exames? — Ele perguntou, apreensivo.
— Cássio, estamos dando uma olhada nos resultados. Assim que tivermos algo, te contamos. Agora, vamos colocar essa cânula para você respirar melhor, tá bom?
Ele assentiu, apertando a mão de Vicente com ainda mais força. Seus olhos refletiam medo, mas também determinação.
— Estou pronto, doutora. — ele disse, tentando parecer confiante.
Coloquei a cânula com cuidado. O som do oxigênio preenchendo a sala pareceu trazer um certo conforto.
— Como se sente agora? — indaguei, observando suas reações.
— Melhor, muito obrigado. — respondeu ele, com um leve sorriso.
Senti um alívio momentâneo.
— Que bom ouvir isso! — Eu disse.
Com o paciente mais confortável, Bernardo e eu saímos do quarto. Os exames do paciente não saíam da minha cabeça. Sabia que os próximos dias seriam cruciais, e eu estava determinada a fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para ajudá-lo. A notícia da mancha preocupante em seus pulmões me atingiu como um soco no estômago.
Passei o resto do dia atendendo outros pacientes, com a espera pelos resultados do exame parecendo interminável. A cada bipe do meu pager, meu coração disparava, mas mantive o foco em minha determinação de ajudar.
Finalmente, quase no final do meu turno, uma das enfermeiras me abordou com uma expressão séria.
— Doutora Marina. — ela disse. — O resultado do raio-x do paciente está pronto. O técnico está te chamando no laboratório.
Senti um calafrio percorrer minha espinha. A seriedade de Julia e a pressa do técnico me diziam que as notícias não seriam boas. Respirei fundo, tentando manter a calma, e agradeci à enfermeira.
— Obrigada, Julia. Estou a caminho.
Caminhei apressada em direção à sala de radiologia, a preocupação crescendo a cada passo. Será que a mancha era mesmo algo sério? O que poderíamos fazer para ajudar o Cássio? Encontrar as respostas para essas perguntas se tornou a minha prioridade absoluta.
Ao entrar, encontrei um homem de meia-idade de óculos e jaleco branco.
— Doutora Marina? — ele perguntou, estendendo a mão.
— Sim, sou eu. — respondi, apertando sua mão. — Qual o seu nome?
— Sou Souza, o radiologista. — Ele se apresentou. — Tenho os resultados do exame do senhor Cássio.
Meu coração batia descompassado no peito. Eu estava pronta para enfrentar qualquer notícia, mas nada poderia ter me preparado para o que o Dr. Souza estava prestes a dizer.
— Vi algo estranho no raio-x. Você tem ideia do que pode ser?
— Sim, pode ser câncer, porém, já marquei uma biópsia para amanhã. — O técnico respondeu. Meu coração parou por um instante.
Sem perder tempo, corri de volta para o quarto de Cássio para dar a notícia. Sabia que a jornada à frente seria árdua, mas estava determinada a lutar. Por Cássio. Por nós.
Bati na porta do seu quarto, minha mão estava tremendo. Ele me chamou e, então, entrei, me sentando ao seu lado da cama.
— Cássio, temos que conversar sobre seus exames. Apareceu uma mancha nos seus pulmões e acho que devemos fazer uma biópsia — disse, tentando manter a calma.
Ele ficou em silêncio por um instante, com os olhos arregalados, assimilando a informação. Depois de um instante, respirou fundo.
— Uma mancha? Tipo um tumor? — ele perguntou, a voz trêmula. — Eu... eu não sei o que dizer. Estou assustado, Marina.
— Pode ser, mas ainda não temos certeza. A biópsia já está marcada para amanhã, ok?
Ele assentiu devagar, com uma expressão séria no rosto. Podia ver a luta em seus olhos, a determinação se formando. Sabíamos que a estrada à frente seria difícil, mas estávamos prontos para enfrentá-la juntos.
— Valeu, Marina. — Cássio agradeceu, tentando esboçar um sorriso.
Devolvi o sorriso.
— Cássio, você não está sozinho nessa. — Falei tentando passar segurança.
Fomos interrompidos por Vicente, que chegou com um café na mão e parecia exausto.
— Rolou alguma coisa? — ele perguntou, parecendo preocupado.
Antes de responder, dei um sorriso meio sem jeito e me levantei.
— Vou deixar vocês dois aí. A gente se fala mais tarde, beleza? — sugeri, antes de sair do quarto.
Respirei fundo ao sair do quarto do Cássio, determinada a ajudá-lo. Após me acalmar um pouco, decidi ir até o refeitório, onde encontrei Margarida.
— E aí, amiga, está com uma cara... O que tá pegando? — Margarida soltou a pergunta assim que me acomodei ao lado dela.
— É o Cássio, miga. Ele me traz lembranças das crianças que cuidei em Washington. Algumas não conseguiram aguentar. A notícia me derrubou, mas estou firme para ajudá-lo.
— Mari, você deu o seu melhor por aquelas crianças. Deu para elas uma oportunidade que ninguém mais daria. — Margarida segurou minha mão, seu toque era firme e acolhedor.
— Sei, mas... — comecei a dizer, — essa sensação de impotência ainda me atormenta.
Margarida segurou minha mão, seu toque era firme e acolhedor.
— Marina, você é uma mulher forte e não tá sozinha nessa. Eu e a Bianca estamos aqui contigo — ela disse, me confortando.
Saindo do hospital após um dia cansativo, minha mente estava a mil. O caso médico complexo de Cássio não me deixava em paz. Com tantas emoções em conflito, senti que precisava de um tempo para digerir tudo.
Perdida em meus pensamentos, notei que Guilherme se aproximava. Ele trazia um sorriso tímido no rosto, um contraste marcante com a seriedade da minha expressão.
— Marina, posso falar com você um minutinho? — Guilherme perguntou, quebrando o silêncio da tarde.
O ônibus vermelho chegou no ponto, marcando o fim abrupto da nossa conversa. Me virei para o Guilherme, meus olhos transmitindo o pedido de desculpas que meus lábios não conseguiam formar.
— Desculpa, Guilherme, mas agora não é uma boa hora. — Respondi rapidamente, refletindo a confusão que ainda estava tentando resolver.
Então, entrei no ônibus e me acomodei num assento vazio. Pela janela, vi Guilherme parado no ponto, sozinho, parecendo decepcionado. Eu sabia que tinha machucado ele, mas meu coração ainda estava machucado com o que havia acontecido, estava incapaz de lidar com mais emoções naquele momento.
Nesse momento, meus pensamentos se voltaram para minha mãe e as decisões que ela havia tomado por mim. Vi que estava pronta para assumir o controle da minha vida.
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